Quando, o 26 de janeiro de 2020, li por primeira vez sobre o coronavírus ganhando espaço na China, pensei imediatamente nas repercussons para a dinâmica global da acumulaçom de capital. Eu sabia dos meus estudos sobre o modelo econômico que bloqueios e interrupçons na continuidade do fluxo de capital resultariam em desvalorizaçons e que, se as desvalorizaçons se tornassem generalizadas e profundas, isso sinalizaria o início de crises. Eu também era conhecedor de que a China é a segunda maior economia do mundo e que, na prática, resgatou o capitalismo global no período pós-2007–8. Portanto, qualquer impacto na economia chinesa provavelmente teria sérias consequências para umha economia global que já estava em péssima condiçom. (…)
Os efeitos econômicos estám agora fora de controle, tanto na China quanto fora dela. As interrupçons no trabalho nas cadeias de produçom das empresas e em certos sectores mostrárom-se mais sistêmicas e substanciais do que se pensava inicialmente. O efeito a longo prazo pode ser o de encurtar ou diversificar as cadeias de abastecimentos, enquanto se move para formas de produçom menos intensivas de mão-de-obra (com enormes implicaçons para o emprego) e maior dependência de sistemas de produçom inteligentes. A ruptura das cadeias produtivas implica demitir ou dispensar trabalhadores, o que diminui a demanda final, enquanto a demanda por matérias-primas diminui o consumo produtivo. Esses impactos no lado da demanda já teriam produzido por si só umha leve recessom.
Os modos de consumismo que explodírom após 2007–8 caíram com consequências devastadoras. Esses modos eram baseados na reduçom do tempo de rotatividade do consumo. A enxurrada de investimentos em tais formas de consumo teve tudo a ver com a absorçom máxima de volumes de capital exponencialmente crescentes em formas de consumismo de rápida rotatividade. O turismo internacional foi emblemático. As visitas internacionais aumentaram dos 800 milhons de dólares para os 1,4 bilhom entre 2010 e 2018.
Essa forma de consumismo instantâneo exigiu grandes investimentos em infraestrutura de aeroportos e companhias aéreas, hotéis e restaurantes, parques temáticos e eventos culturais e etc. Este ponto de acumulaçom de capital agora está morto: as companhias aéreas estám perto da falência, os hotéis estám vazios e o desemprego em massa nas indústrias hoteleira é iminente. Comer fora nom é umha boa ideia e restaurantes e bares fôrom fechados em muitos lugares. Até a comida a domicilio parece arriscada. O vasto exército de trabalhadores na economia de free-lancers e autônomos ou noutras formas de trabalho precário estám sendo despedido sem meios visíveis de apoio. Eventos como festivais culturais, torneios de futebol e basquete, shows, convençons profissionais e de negócios e até reunions políticas em torno das eleiçons estám sendo cancelados. Essas formas de consumismo experiencial “baseadas em eventos” fôrom encerradas. As receitas dos governos locais fôrom afetadas. Universidades e escolas estám fechando.
Grande parte do modelo mais avançado no consumismo capitalista contemporâneo é inoperável nas condiçons atuais. O esforço em direçom ao que André Gorz descreve como “consumismo compensatório” (no qual os trabalhadores alienados deveriam recuperar o ânimo através dum pacote de férias umha praia tropical) foi sabotado.
As economias capitalistas contemporâneas som no 70% ou até no 80% motivadas polo consumismo. Nos últimos quarenta anos, a confiança e o sentimento do consumidor tornárom-se a chave para a mobilizaçom da demanda efetiva e o capital tornou-se cada vez mais orientado pola demanda e polas necessidades. Essa fonte de energia econômica nom foi sujeita a flutuaçons violentas (com algumhas exceçons, como a erupçom vulcânica da Islândia que bloqueou os voos transatlânticos por algumhas semanas). Mas o COVID-19 nom está sustentando umha flutuaçom violenta, mas um colapso onipotente no coraçom da forma de consumismo dominante nos países mais ricos. A forma espiral de acumulaçom infinita de capital está entrando em colapso interior, dumha parte do mundo a outra. A única cousa que pode salvá-lo é um consumismo em massa financiado polo governo, evocado do nada. Isso exigirá socializar toda a economia dos Estados Unidos, por exemplo, sem chamar-lhe a isso de socialismo.
(…)
* Pode-se ler o artigo completo na blog da Boitempo.