A história da humanidade está atravessada por pandemias e múltiplos desastres, e nesse sentido nom estamos a viver nada que nom conheçamos, ou que habitantes da periféria capitalista nom sufram periodicamente em forma de cólera, ébola ou fames massivas. Porém, havia tempo que occidente nom afrontava um andaço tam acelerado e extenso, tal mobilizaçom mediática e política e, também e sobretodo, um estado de consciência tam sensível. Os tempos insensatos da ignoráncia e da bonança, como se recolhia na passada semana num artigo de opiniom deste portal, fórom-se, possivelmente para nom voltar.
Nassim Nicholas Taleb escreveu em 2007 o exitoso livro “O cisne negro”. A metáfora do filósofo libanês alude a esses sucessos imprevistos, sem direcçom, de alcanço inesperado, que mudárom o curso da história. O “cisne negro”, facto que se crê inexistente até que acontece, desborda a capacidade dos analistas e planificadores. Entre os exemplos mais salientáveis de cisnes negros na história recente estaria o atentado que desatou a I Grande Guerra, ou os ataques do 11S, que mudárom para sempre a geopolítica mundial. Nestas semanas de março, passamos rapidamente do “é apenas umha gripe”, à constáncia de parte da Europa, social e economicamente, entrar em estado de excepçom.
Mortalidade e sobre-informaçom
O debate sobre o perigo do coronavirus para a saúde nom esgota a questom que temos entre as maos. As informaçons científicas som públicas, e cada pessoa pode estimar subjectivamente o risco que corre, ou o risco que tem de transmitir umha doença mortal a outras pessoas em certas circunstáncias. Mas para além dum maior ou menor perigo, o certo é que a pandemia está a mudar elementos essenciais da nossa vida: a forma de gestom política dos poderes que nos governam; a forma que toma a luita de classes; a consciência occidental sobre a seguridade pessoal e a morte.
Para orientarmo-nos neste mapa, sobra informaçom. E esse é, precisamente, um dos perigos: nom saber-se manexar numha enxurrada de dados, na maior parte dos casos fornecidos com inflamaçom emocional, num estado que oscila entre a incerteza e a ira. Por isso o labor de peneira, leitura atenta e análise fria revelam-se cada vez mais essenciais.
Ineptitude espanhola
Em honor à verdade, duas realidades muito contraditórias afectam hoje à populaçom galega e por extensom de todo o Reino de Espanha: a positiva, é a existência dum sistema sanitário muito avançado, abrangente com praticamente toda a populaçom, apesar do capitalismo que padecemos; a segunda, a histórica torpeza das autoridades espanholas na hora de gerir situaçons de crise social, umha marca cultural que aboia quando a ocasiom o permite. Comprovamo-lo nas mentiras e hesitaçons do Prestige, no labor de intoxicaçom e caça ao dissidente que estoupou no 11M, ou quando Zapatero chamou à despreocupaçom ante a crise falando em “brotes verdes.” A dia de hoje, um grupo de italianas advertem no Salto contra a lentidom, descoordinaçom e discursos contraditórios da casta política espanhola. A situaçom, dim, lembra a Itália antes de este país mergulhar na pior fase de contágios. A atitude cínica e ignorante de parte da populaçom, quer em Itália, quer no Estado espanhol, aponta no mesmo sentido.
Nem cumpre dizer que numha Galiza sem soberania, a falta de planificaçom e desenhos próprios para enfrentar a crise sanitária pode multiplicar os seus efeitos. Pensemos aliás que umha sanidade pública constantemente recurtada e precarizada enfrenta com o seu corpo muito enfraquecido umha hipotética enxurrada de pacientes.
Luita de classes
Para os capitalistas, um hipotético “perigo maior” sempre serve para fechar fileiras e impor novas medidas que facilitarem a acumulaçom de capital. Na crise do corononavirus nom só segue a luita de classes, senom que esta se agudiza: levam a iniciativa as classes proprietárias. O FMI já pediu a Espanha novas medidas de ajustamento; as patronais espanhola e catalá pedírom “compensaçons” por perdas económicas, como ajudas estatais a empresas, e prosseguir na flexibilizaçom laboral; anunciam-se ERES em muitas empresas de serviços, e o governo basco, por exemplo, já impujo serviços mínimos do 100% em certas greves, como a da limpeza. Vulneram-se assi mais e mais direitos.
Tampouco devemos descartar que medidas de disciplinamento massivo da populaçom, assumidas hoje como necessidade para curtar a pandemia, se utilizem no futuro como forma de coerçom ante crises reais ou imaginárias.
Medo e morte
O retrocesso das condiçons de vida e a certa proliferaçom de episódios de incerteza como estes ponhem o homem e a mulher europeia ante umha imagem que quigérom esquecer por várias décadas: a incerteza e a morte. Mas nem o ser humano é quem de dirigir o curso da natureza, por muita tecnologia que dominar, nem a morte pode ser eliminada da cultura e da consciência. E de temer que o que devesse ser um processo de maduraçom colectiva deságue em formas de ódio ao outro, ira irracional, e reforço do mito individualista de “eu salvo-me só”. Qualquer vista de olhos à redes sociais dá conta deste estado.
Esperemos que as consequências da pandémia nom sejam tam duras em vidas humanas. Mas contodo, o cenário antecipa possivelmente mais e mais cisnes negros que venhem da mao da crise climática, das guerras polos recursos e do reponte do fascismo. A atitude humorística, cínica e despreocupada do homem do capitalismo tardio já nom serve para enfrentar o panorama que se aproxima. Muito menos para a militáncia social e política. Cumprem personalidades duras e enteiras.
Cooperaçom e natureza
Nom sendo para espíritos mesquinhos que adoptaram a conviçom do “salve-se quem puder”, a própria dos depredadores empoleirados nas elites políticas e económicas, as pessoas de a pé podemos volver a conhecer o valor da cooperaçom, a escuita e a atençom ao sofrimento. Numha cura de humildade, e por muito que vindiquemos os logros tecnológicos que nos dérom vidas longevas e protecçom frente a incerteza, também temos que assumir nas nossas entranhas que nom somos mais que animais vulneráveis, sujeitos aos ciclos do deterioramento e da morte. E que ignorar esta condiçom só pode levar a sociedades fanadas por despropósitos, e a indivíduos neuróticos e angustiados.
Nem imos curar todas as doenças, nem podemos devorar todos os recursos da terra, nem temos direito a passearmo-nos polo globo no turismo de massas como actividade recriativa. Temos limites, a crise do capitalismo vai-nos estreitar.