Era o mês de novembro de 1999 quando um grupo de amigos independentistas nos juntamos para ir a Salvaterra a desfrutar da homenagem que lhe prepararam a Suso Vaamonde uns poucos meses antes do seu falecimento. O cantor, arroupado naquela jornada por decenas de bandas, só puidera sair a tocar quando no relógio marcavam já as 5 ou 6 da madrugada. A quantidade de artistas que nom queriam faltar à cita provocou que a festa se prolongasse até que o dia se fixo.

Naquel que foi o meu primeiro contato com aquela Salvaterra revolucionária da que tanto tinha ouvido falar, soubem que a gente que argalhara o evento era a mesma que ao longo das décadas de 80 e 90 organizava um festival de poesia que juntava o melhor da cultura galega, lusófona e internacional para reivindicar causas justas. Aquel festival no que ardiam bandeiras espanholas e se reunia a radicalada da comarca e da Galiza. Mui perto da minha casa mas mui longe do que tinha sido a realidade sócio-política que me rodeava entre Mondariz e Ponte Areias. E entre toda esta gente destacava a jeito de lenda un tal Soto, o Rata, o guerrilheiro do Condado que tinha estado preso e do que se falava nas tabernas e nos círculos reivindicativos da zona quase como um mito.

O caso é que um ano depois o amigo Álvaro Franco de Ponte Vedra chamava-me para vermos como volver organizar o independentismo no Condado. Estávamos a preparar o que se deu em chamar Processo Espiral, com o objetivo de juntar os e as independentistas para umha aposta comum, num dos diferentes processos que pretendérom a unidade de açom e que culminou com a gestaçom de Nós-UP. Eu já tinha militado no reintegracionismo e no ativismo estudantil em Compostela, e também noutros coletivos sociais na comarca. Mas chegava para mim o momento de passar à política e tentar fazer agromar de novo o arredismo numha zona que tivera muito que dizer neste movimento tempo atrás. E para isto Manolo Soto devia ser umha peça fundamental.

Com Manolo nom combinámos. O Álvaro sabia bem como dar com el. Era umha sexta-feira e alá fomos o de Ponte Vedra e mais eu para O Nosso Eido, a sua parada obrigada para começar o fim de semana. Quando chegamos Soto nom estava. Mas à direita do balcom puidemos saudar ao também falecido, e também bom e generoso, Carlos Bértolo. Dizia-nos que o Rata ainda nom passara por ali, mas que pouco ia tardar em aparecer. E, efetivamente, antes de acabarmos as cervejas víamos entrar pola porta um homem pequeno, com chapeu e barbas, sem muita pinta -a verdade- de ser aquel mito revolucionário do que me tinham falado.

Nom nos custou muito convencê-lo para que participasse da tentativa de reorganizaçom, nem para que desse a cara na apresentaçom do projeto que realizámos em Ponte Areias. É mais: dava a sensaçom de que Manolo estava a aguardar por nós. Palpava-se que o que o tinha dado todo polo seu país e polo independentismo contemporáneo desde as suas primeiras expressons estava à espera de que gente nova sacasse folgos para volver dar-lhe corpo ao movimento com o que sempre se identificou.

E nom tardou em liar-nos para que nos volcássemos em recuperar o Festival da Poesia. Quando a homenagem a Suso Vaamonde nom sabíamos que a organizaçom de aquilo era a primeira pedra necessária para volver ilusionar o pessoal da SCD Condado. O facto de que aparecesse saiva nova com vontade era o único que faltava para completar a equaçom que permitiria em 2002 a volta de um festival que levava sete anos sem se organizar e que desde entom nom deixou de comemorar-se todos os anos. Com Manolo à frente.

Foi para mim toda umha experiência vital o conhecer aqueles homens e mulheres de tanta qualidade humana. Cadaquém da sua casa, cadaquém com as suas motivaçons particulares para estar ali, mas com o denominador comum de querer fazer as cousas bem, de dar-lhe vida à dinamizaçom cultural e política da zona, e de confiarmos em Soto como amigo e como cérebro capaz de coordenar de maneira brilhante todo aquilo que podíamos aportar.

Humilde, trabalhador, coerente, digno, sensível, decidido, inteligente, audaz. Som muitos os adjetivos que poderíamos utilizar para defini-lo mas nom me vem à cabeça nengum capaz de reunir todo aquilo que se desprende deste homem tam grande, desta pessoa tam bela e generosa, deste amigo infatigável. Desta rata aguda e hábil, silenciosa, ágil e rápida à vez que sossegada e tranquila.

A medida que fum conhecendo melhor a Manolo e aos seus velhos e velhas camaradas puidem saber que a começos da década de 70 um grupo de moços inquedos formavam umha equipa de futebol alternativa à oficial que comandavam as “forças vivas” da vila. Chamavam-se SCD Condado e na sua equipaçom luziam a bandeira galega como firme declaraçom de intençons. O cultural viria depois. A rapaziada o que queria era passá-lo bem practicando desporto à sua maneira. E já daquela comaçavam a sentir a vontade de mudar as cousas de raiz.

Pouco tempo depois começariam a recuperar a cultura ao longo da comarca, levando a música, o cinema e atividades diversas silenciadas e mesmo perseguidas polo regime ao longo de decenas de paróquias de toda a comarca. Participavam nas atividades mais senlheiras de Salvaterra como a popular Festa do Vinho, que conseguiriam chegar a organizar. E espalhavam o orgulho de serem galegos e galegas entre umha populaçom rural vítima de décadas de fascismo nacional-católico.

Trabalhador desde os 16 anos, o Rata adquire rapidamente consciência nacional e de classe, o que o leva em 1975 a participar na fundaçom do Sindicato Obreiro Galego. A militáncia sindical é umha parte indissolúvel de toda a vida militante do nosso companheiro.

E o seu ámbito geográfico natural de atuaçom é Salvaterra e a sua comarca, onde participa a finais da década de 70 na gestaçom de Junta de Vizinhos do Condado, um autêntico motor social e revolucionário pendente de estudo pola historiografia nacionalista e independentista. Com ela conseguem paralisar um agressivo Plano de Ordenaçom da comarca comandado polo franquista José Castro que pretendia a instalaçom de indústrias de celulose, a extraçom de áridos das ribeiras do Tea, repovoaçons massivas de eucaliptos e numerosas agressons ao meio e a vida da vizinhança, como o primeiro projeto de barragem na paróquia de Sela -rio Minho- e outra no rio Uma. Em 21 dias realizavam 48 mesas informativas em diferentes paróquias e conseguiam juntar em Ponte Areias entre 1500 e 2000 pessoas numha manifestaçom nom autorizada polo regime. E ganhárom.

O trabalho da Junta de Vizinhos nom se pode entender sem o acompanhamento informativo que desenvolvérom através d’A Voz do Condado, um jornal clandestino do qual editárom 8 números entre 1977 e 1979. Com umha tiragem aproximada de 5000 exemplares -que vendiam integramente- conseguírom fazer frente à intoxicaçom informativa dos Pueblos Gallegos e Faros de Vigo, a partir dumha linha editorial marcadamente anticaciquista, soberanista e de esquerda. Para além de Soto e o ativismo da SCD, participavam escrevendo para A Voz assinaturas (com autoria anónima) como as de Luís Soto e Méndez Ferrín.

O trabalho recebeu os seus frutos. Em 1979 apresentavam-se às primeiras eleiçons municipais e conseguiam 3 concelheiros através da plataforma Independentes por Galiza, umha espécie de associaçom entre o ativismo cultural, vicinal e também político, dado que parte deles já eram militantes da organizaçom que se iria denominar Galiza Ceive (OLN). E Soto era um destes três eleitos.

Em 1981 chega o primeiro dos festivais da poesia com a vontade de servir como “gérmolo do junguimento, numha nova perspetiva, em que o factor comum seja a unidade solidária perante a agressom cotiá”. Sabia Soto e sabiam na SCD que a poesia é umha arma carregada de futuro, como escrevera Celaya. E assim, promoviam essa unidade solidária entre a cultura e as artes junto com a reivindicaçom e a luita.

Quem o conheça sabe que este festival tem sido sempre um ponto de encontro referencial para a rebeldia e a dignidade galega. Mais que um festival acabou por ser para muitos e muitas umha comemoraçom anual na que encontrar-se com gentes de todo o país, com cúmplices de batalhas de todo signo.

Mas um ano antes deste primeiro festival Manolo já estava a preparar a revolta na porrinhesa fábrica de Censa com os seus companheiros. Os depredarores da Duro Felguera compraram a sua factoria para anulá-la como concorrência, com a pretensom de fechá-la e deixar na rua os seus trabalhadores. Enquanto Soto e os seus se mantinham em greve durante meses, Cándido e Morala (já daquela na CSI mas dentro de CCOO) e muitos trabalhadores asturianos desafiavam a direçom da empresa com açons decididas em solidariedade com os galegos que marcariam o devir do sindicalismo neste país vizinho.

A luita dentro desta empresa da Lourinha que se dedica à fabricaçom de grandes peças metálicas acabou com vitória para os trabalhadores. Após grandes sacrifícios e com um papel imprescindível na figura de Manolo, os próprios obreiros figérom-se cargo da gestom da empresa através de umha Sociedade Anónima Laboral.

Se bem as leis do mercado acabárom com o sonho a medida que passárom os anos -a necessidade de clientes com grande capacidade adquisitiva forçou-nos a vender a empresa a umha corporaçom- a experiência revolucionária destes trabalhadores foi e é um exemplo para todos os trabalhadores e trabalhadoras do metal desta área geográfica. E Manolo continuou a luitar através da CIG como delegado sindical.

Volvendo à política. Vejo em Manolo e na gente que o acompanhou pessoas comprometidas e com as cousas claras, mas também com vontade de independência a respeito das estruturas que acompanham ou nas que se integram, o qual poderia ser um espelho da sua atitude perante a vida. E chego a esta conclusom a partir dos factos que fum conhecendo.

O Rata e outros militantes participam como independentes na assembleia de Riazor que dá origem ao BNG em 1982. Mas nom chegam a rematar a reuniom porque entendem que se traiçoam pactos prévios polos quais a entidade resultante devia dar respaldo aos presos independentistas da altura, entre os que se encontrava o amigo do Condado Antom Bértolo Losada. A sua afinidade com as teses de Galicia Ceibe fazia-se palpável.

Continuou acompanhando o independentismo revolucionário no seu desenvolvimento ao longo desta convulsa década, e pagou as consequências polo seu compromisso. Em 1988 prendiam-no no bar de Chicho, em Salvaterra, aplicavam-lhe a legislaçom antiterrorista e torturavam-no como os manuais ordenam. Depois de meses de prisom pola acusaçom de formar parte do EGPGC Manolo saia em liberdade sem acusaçons.

A festa popular que lhe deu a bem-vinda a Salvaterra resultou ser o recebimento de um preso independentista mais concorrido de todos os que se conhecérom no nosso país. E nom foi por acaso, como bem sabemos quem o conhecemos, pensemos como pensemos.

Nom era Soto militante do EGPGC, como certificou publicamente a organizaçom, mas ajudou em todo o que puido ao seu accionar armado. Passando gelamonite através da raia minhota para encher os arsenais da guerrilha ou transportando militantes para o canom do Sil, como confessava orgulhoso nos anos finais da sua vida.

O ocaso militante das geraçons que levantárom o independentismo que Manolo viveu com mais intensidade coincidiu com a perda de motivaçom dos e das ativistas que sostinham o festival da poesia, o que explica -junto a factores económicos e outros- que em 1995 o festival e mais o ativismo arredista na comarca detivessem o seu agir de maneira temporária.

Temporária, sim, porque como se dixo antes, já em 1999 os mesmos e as mesmas volviam reunir-se para abrir um novo ciclo a partir da homenagem a um Suso Vaamonde que tivo no Rata e na SCD fieis aliados e amigos. Assim como podem dizer o mesmo Mini e Mero e muitos e muitas artistas, criadoras, ativistas, sindicalistas e gentes de todo tipo que sabem que Manolo nom é um qualquera, apesar da sua humildade e do que a sua aparência física pode sugerir. O que fai maior ainda a dimensom da sua figura.

Havemos-te botar em falta Manolo. Somos conscientes que és umha pessoa e um militante difícil de substituir. Mas temos claro que podes descansar tranquilo agora que sabes que graças ao teu empenho novas geraçons de ativistas engrossam as fileiras da Sociedade Cultural e Desportiva do Condado. Tentaremos seguir o teu exemplo, tem-no claro. Graças à tua dedicaçom, também o independentismo continua vivo na comarca, com dúzias de militantes, organizados ou nom baixo siglas partidárias, que alimentam a evoluçom de um movimento social que já tem conseguido logros e que ainda tem muito a dizer para o futuro deste país. Militantes que tivérom em ti sempre um referente ao que seguir.

Sabemos que nom queres que choremos a tua morte. Que queres que comamos e bebamos à tua saúde, que desfrutemos das nossas vidas e continuemos a luitar. Manolo, amigo, aguardamos nom defraudar-te. Sabemos que seguirás vivo enquanto o teu legado se mantenha. E nom imos permitir que morras.

*Este artigo foi publicado por Carlos Barros com motivo do passamento de Manolo Soto em fevereiro de 2013.