A história popularizada sobre a Revoluçom Galega de 1846 exalta a parte militar espanhola e escurece a político-civil galega. Assim, numha narrativa romantista arquetípica, o final apocalíptico situa-se na morte heroica dos mártires de Carral, todos militares progressistas espanhóis. Que melhor maneira de minorizar a parte civil galeguista que situar no centro o outro piar do movimento? Assim, como se engrandece a Solis e se míngua a Faraldo, também se apoucam os factos em que foi protagonista o povo galego como tal.

A maioria das versons documentadas na atualidade bebem do livro do ex-presidente da Real Academia Galega X. R. Barreiro El levantamiento de 1846 y el nacimiento del galleguismo (Pico Sacro, 1977). Noutro momento e com mais tempo, tentaremos analisar a metodologia e o rigor dessa obra fundamental. Agora centremo-nos em três feitos sobre os que o autor, que dedica páginas até a detalhar os menus dalgumhas reunions e as cartas pessoais dos militares, trata por cima: o bombardeio do Lugo civil resistente, a guerrilha que continua a luita e a repressom maciça.

O mesmo dia 26 de Abril em que se produzem os fuzilamentos de Carral, o general Villalonga, máxima autoridade espanhola na Galiza, chega a Lugo coas suas tropas. Procede da Corunha, onde estava situada a capitania general da Galiza, a “capital”, e na que ficara choido durante a Revoluçom Galega. Exige-lhe à cidade das muralhas, onde principiara a rebeliom o 2 de Abril, a rendiçom incondicional. Di-nos Barreiro na página 165 do seu livro: “Em vista de que os da cidade nom se entregavam iniciou-se o fogo ao cair o serám do dia 26, mas ao pouco tempo houvo-o que suspender pola proximidade da noite.” Numha nota a rodapé aclara mais: “Becerra y Llamas, como presidente da Junta (de Lugo), solicita de Villalonga que se comprometa a respeitar ‘pessoas, vidas e fazendas de todos os que se comprometeram’. Villalonga respondeu dando-lhes 15 minutos para abrirem as portas da cidade, sem nengumha condiçom. Umha segunda petiçom foi dirigida ao capitám general, subscrita polas forças vivas (autoridades eclesiásticas, próprietários de terras, profissionais da medicina, etc.) de Lugo, acompanhada doutra do concelho pedindo todos que se respeitassem as vidas de todos, já que durante o período da rebeliom ninguém sofrera nem nas suas pessoas nem nos seus bens. Villalonga respondeu bombardeando a cidade.”

Outro feito sobre o que se adoita passar por cima é que, ainda depois de cair Compostela e a Junta Central da Galiza e mesmo Lugo, continuou a resistência armada contra a autoridade espanhola. Também no-lo aponta superficialmente Barreiro na mesma página 165: “Unicamente ficavam em pé, em favor dos rebeldes, a guerrilha do comandante D. Roberto Robles, com uns 70 homens que agia na província de Lugo e a dos oficiais D. Basílio Matens e dom José Chicarro que operou durante algum tempo na de Ourense. Agírom durante breve tempo de jeito similar a como o figeram as guerrilhas carlistas galegas.” Depois, também numha nota a rodapé, di-nos Barreiro que em Lugo “os comprometidos eram especialmente das freguesias de Sam Clódio, Sam Martinho, Lor, Póvoa de Brolhom.”

Frente à ideia da intranscendência dos acontecimentos de 1846 para a gente do comum, o próprio expresidente da RAG informa na página 168 de que “os governadores civis oficiárom para todos os concelhos exigindo-lhes aos alcaides umha relaçom pormenorizada dos feitos e das pessoas que se significaram neste mês polo seu progressismo”. Na página seguinte conta-se-nos o que isto provocou: “Com todas estas relaçons, o número de presos e processados foi-se elevando até o ponto de que nom cabiam nos cárceres”. Destarte, resulta “frequente econtrar instâncias dirigidas ao Capitám General em que os detidos denunciam que levam vários meses e ainda nom se lhes iniciou o processo. Ao aumentar de tal jeito o número de presos, às vezes os governadores deixavam os que pareciam menos culpáveis em liberdade baixo fiança, como aconteceu em Ferrol quando o 5 de Maio houvo que deixar em liberdade muitos presos para encerrar o elevado número de soldados que, nalgum momento, ultrapassárom os 2000. Todo isto determinou que o capitám general acordasse expatriar por grupos, do que se encarregavam os barcos como o bergantim Ebro, com base em Ferrol.”

Umha visom descolonizadora da nossa história vai ter que integrar na narrativa do 1846 estes três elementos e salientar a relevância que merecem.