(Imagem: recriaçom da batalha de Ponte Sampaio / Pontevedraviva) A Corunha, 5 de junho de 1808. Depois das patéticas abdicaçons de Bayonne, a Espanha converte-se num Estado falido. Nesse contexto, o Reino da Galiza emerge. Os deputados das sete províncias galegas assumem a “potestade suprema e soberana” e literalmente acordam “obrar com absoluta independência do atual governo de Madrid”. Meu dito, meu feito. A Junta Suprema do Reino da Galiza abandona o seu carácter consultivo e passa a legislar de jeito permanente: recruta um exército de 40.000 soldados, ativa umha política fiscal que favorece empréstimos e doaçons, manda embaixadores a Portugal e Reino Unido. Umha Galiza livre de facto e de iure.
Janeiro de 1809. Após a batalha de Elvinha, as tropas de Napoléon ocupam o Pais. O governo próprio esfarela-se. Mas esses sete meses de soberania ficárom plasmados em mais de mil páginas de atas. Atopam-se digitalizadas no Arquivo Histórico Nacional Espanhol. (ver imagens 46 e 47). Para a historiografia oficial, a declaraçom de independência da Galiza é um diminuto acidente sem importância. Porém, desde a Idade Media nom acontecera nada semelhante.
Julho de 1809. Umha extraordinária mobilizaçom popular expulsa o invasor fora do Reino. O professor Barreiro Fernández estima em “262 alarmas, com uns efetivos que ultrapassavam os 200.000 homens”. O lavrador torna-se sargento para acabar com o gavacho que “rapa vidas, fazenda,/ gado e quartos todo junto”. Desde aquela os cans recebem os nomes dos marechais Ney e Soult. Umha fúria galega que Fernández Neira retrata com precissom em “Proezas de Galiza” e que estremecerá todo o século XIX. Em 1810 o diálogo entre dous guerrilheiros inaugura a literatura galega contemporânea.
“Havia avançadas de paisanos em todas as partes. Nas alturas, quando sabiam que os demos vinham, acendiam-che uns fachucos de palha e erguiam-chos nuns paus altos. E dumha noutra altura fazia-se isto com tal presteza, que no espaço dumha hora sabia-se-che no contorno de cinco e seis légoas, e com isto previa-se-che toda a gente, enterrando primeiro o que podia e logo iam-se reunir aos pontos assinalados. E quando che vinham mil ou dos mil franceses e os nossos paisanos eram poucos, estavam-che agachadinhos e ao melhor da conta ceivavam-lhes umha boa descarga e fugiam para outra altura”.
Felipe Concha, capitám da companhia de Atiradores do Minho, lembra o compromisso contraído polos seus guerrilheiros: “Ingressaram nela com a expressa condiçom de servirem até aniquilar ou expulsar da Galiza o inimigo e de serem licenciados quando se obter qualquer destes dous objetivos”. A pesar dos requerimentos por parte do marquês de La Romana de continuar o combate, as partidas de camponeses trocam fuzil por enxada e voltam às suas casas. Nada se lhes perde em Castela: nem deus, nem pátria, nem rei.
Páginas de ouro da nossa história deformadas pola caricatura colonial e desaparecidas dos livros de texto. No entanto, o povo soubo transmiti-las em mitos heroicos como o do marinheiro Carolo a derrubar machado em mao a porta Gamboa. Vigo começa a libertaçom da Galiza. Muito depois será Waterloo.
Esta epopeia da paisanagem inspira a Revoluçom Galega de 1846. Antolim Faraldo, aquele betanceiro de vinte e três anos, secretário da Junta Superior do Governo da Galiza, declara “nulos todos os atos do governo de Madrid” e batiza as tropas de Solis como o “Exército Libertador da Galiza”. Inequívoca vontade de afirmaçom que propicia um enorme salto da consciência nacional e ressoa no “Projeto de constituiçom para o futuro Estado Galego” de 1887.
Estranho século XIX que ninguém se molestou em explicar-nos. Milhares de galegos e galegas a imitarem o inimitável Simón Bolivar.