Num processo vertiginoso, de apenas duas décadas, a esquerda maioritária lançou-se a um processo de suavizaçom da sua mensagem e esvaziamento de programa, enquanto a direita institucional escorava cara posiçons extremistas, finalmente até desaguar no fenómeno Vox. Com as palavras de orde “recuperar o sentido comum”, o novo fascismo pujo em primeira plana de actualidade formas de actuaçom e limites ao debate que minguárom até o inimaginável o espaço para o disenso. Com o medo ao fenómeno ultra no ambiente, o governo espanhol entrante, capitaneado polo neoliberalismo moderado, aparece a olhos da populaçom como umha alternativa de progresso.
Entre os muitos elementos de descontentamento que a casta política generou nas multitudes, a linguagem estereotipada, contida e vazia tivo um peso especial. Sabedor da frustraçom acumulada em décadas de congelaçom ou agravamente de velhos problemas sociais, o neofascismo soubo canalizar múltiplas iras populares com umha linguagem muito distinta da que se produzia nos gabinetes dos grandes partidos. Mais paixonal e violenta, deliberadamente provocadora, e resgatando aliás parte dos traços de identidade do franquismo sociológico que a correcçom política confinara ao tabu. Alguns dos dirigentes de Vox, caso de Santiago Abascal, confessam abertamente em platôs televisivos nom terem especial ideia sobre assuntos complexos -caso da reforma do sistema de pensons- mas clamam fachendosos que eles estám aquí “para defenderem Espanha.” Desprendidos do ‘prejuízo’ da racionalidade, e mais preocupados por jogarem com as entranhas, fixérom-se vozeiros de vítimas imaginárias, milhares de pessoas supostamente agraviadas pola consagraçom de certos direitos. A passada sessom de investidura do governo de Espanha deu-lhe carta de oficialidade a esta forma de fazer política.
A verdade nom importa
Como na década de 30, o fenómeno da extrema direita actual pom de relevo que existe umha parte da populaçom -nom pequena, tampouco na Galiza- que é imune ao choque de argumentos, e ganha coesom quanto mais irracional e provocadora seja a afirmaçom dos seus líderes. Lembremos neste ponto que no passado curso Vox inaugurou a sua jeira parlamentar fazendo apologia do mau trato de imigrantes na fronteira sul de Espanha. Na altura, Santiago Abascal chamara à chegada massiva de imigrantes a Melilha ‘um assalto que livrárom estrangeiros que assaltárom outra vez a nossa fronteira”, e fijo apologia da guarda civil que os contém com violência.
Um mundo dividido em frentes
A direita extrema espanhola inaugurara a divisom conceitual do Estado espanhol em frentes a primeiros deste século, elaborando alinhamentos mais que duvidosos. Incapaz de assumir a derrota eleitoral que levou ao governo espanhol ao PSOE de Zapatero em 2004, os think tanks do PP socializaram a ideia dumha escura aliança entre o social-liberalismo, todos os nacionalismos resistentes -inclusive a resistência armada basca- e o mundo mussulmano. A composiçom é disparatada e porém, a força de repetiçom, coalhou em parte da comunidade leitora da imprensa direitista. Quinze anos depois, Vox recupera esta linha divisória fazendo ainda escárnio da direita que se exprime em linguagem mais comedida, ridiculizando-a como ‘derechita cobarde.’ E apesar de o PSOE ter demonstrado o seu alinhamento essencial com os poderes fácticos no exercício da violência contra o direito de autodeterminaçom, Abascal e os seus seguem um modelo discursivo que rende bons réditos eleitorais. No seu debut parlamentário, o político basco-espanhol afirmava:
“gostávamos de saber se o empenho em normalizar os terroristas é fruto das negociaçons que o senhor Zapatero mantivo com a banda terrorista ETA. Achamos que os espanhóis tenhem direito a saber se o PSOE de Zapatero pujo em andamento umha folha de rota para branquear o terrorismo.”
Anos depois, e com o conflito basco apagado, a referência antagónica perdeu a força de outrora, (embora ainda forneça recursos como a espantada parlamentar desta semana ante o discurso de EH Bildu), e Vox centra as suas diatribas na imaginária cumplicidade do PSOE com o independentismo catalám. Internacionalizando aliás o seu discurso, e ponhendo-o em sintonia com todas as extremas direitas europeias e occidentais, os ultras espanhóis situárom também na frente opositora “o supremacismo feminista”, que supostamente lança umha campanha de falsas acusaçons contra homens maltratadores; e obviamente o movimento polo clima, que os ultras entendem como “umha trama contra o capitalismo.”
O tom e os efeitos
O constitucionalismo espanhol defendera historicamente, acorde com a sua hegemonia social e partidária, manter os formalismos do protocolo democrático bem visíveis, pretendendo assim ganhar umha aparência de regime europeu consolidado e legítimo. O tom bronco inaugurado por Vox, e do que fam seguidismo boa parte do PP e os restos de Ciudadanos, levou à cámara de representantes espanhola um ambiente sujo e crispado que ninguém recordava. A falta de votos para impedir um governo social-liberal moderado compensa-se com a encenaçom agressiva. A violência, por enquanto verbal, enardece o eleitorado afim e leva a casta mais reformista a medir enormemente os passos que pretende dar.
Corenta anos de regime de partidos demonstrou que a coesom entre todas as peças do Regime é mais sólida da que mostram as cenas parlamentares, os telejornais e as tertúlias de tevê. Porém, o fim do mínimo respeito parlamentar está a mudar, e muito, o tom nas ruas. O nacionalismo espanhol já se considera com o direito a apupar publicamente toda causa resistente, incluída a galega. Os seus vozeiros animam a predicar a ilegalizaçom das forças soberanistas, e os chamados ao golpe de Estado, embora calculados e fictícios, normalizam o apelo à violência militar contra os movimentos populares.
É mais que provável que o tom de coerçom surda que impom a extrema direita, em todas as suas fracçons, impida nenhuma medida decisiva do social-liberalismo em matéria nacional e social, e remate por arrastar parte do eleitorado ‘progressista’ para a confiança no ‘menos mau’. Mas a adesom explícita às teses da extrema direita do núcleo do Estado, esse que nom se elege em processos eleitorais (judicatura, forças militares e policiais, alto funcionariado) fai com que a confiança na soluçom governamental tenha fracos fundamentos. Se se pretende salvar direitos, e ganhar os muitos que ainda restam, o jogo terá-se que livrar com fortes mobilizaçons populares e através de movimentos sociais que plantem cara ao fascismo com a necessária contundência. Neste plantejamento, na Galiza terá um papel fundamental o independentismo organizado.