A recente cimeira COP25, saldada com um fracasso notório que reconhecem todas as partes, decorreu num contexto geopolítico bem distinto de todas as precedentes. Num primeiro momento, a Brasil ia ser o país de acolhida, mas o triunfo eleitoral de Bolsonaro -negacionista da mudança climática- gorou a possibilidade; a seguir, Chile foi o cenário escolhido polos amos do mundo, mas umha revolta popular contra a carestia da vida e o curte de direitos fijo inviável a sua materializaçom; e finalmente, foi o Reino de Espanha o que fijo de anfitriom. Um Estado quiçá um bocado mais pacificado do que os anteriores, mas ainda enfrentando o desafio da causa catalá. No contexto desse mundo agitado, parte das elites capitalistas erguem a bandeira do ‘Green New Deal’, soluçom de urgência para um mundo que rompe as suas costuras. É este pacto possível?
Comunidade científica reconhece que 1980 foi o primeiro na história da humanidade na que a produçom sobardou ‘capacidade de carga do planeta’. Desde entom, vozes dissidentes de especialistas e movimentos sociais mui avançados, capitaneados polo ecologismo, reconhecêrom a magnitude da ameaça. No entanto, durante 40 anos perdidos, os Estados e a economia mundial prosseguírom o seu caminho cara o beco sem saída onde agora nos topamos. A celebraçom regular de cimeiras pola Terra adoitava rematar com propostas adiadas. Algo, porém, mudou muito recentemente. A atitude das oligarquias já nom obecede exactamente à estratégia da avestruz.
Vozes científicas
Umha das posiçons mais valentes no ámbito peninsular está representada por Antonio Turiel, científico titular no Instituto de Ciências do Mar do CSIC. O interessante da sua perspectiva intelectual e política é que nom tem vinculaçom aberta com a esquerda, e muito menos com nenhuma aposta rupturista. Assi, se a movimentaçom contra a mudança climática é acusada por vezes de obedecer a programas revolucionários, neste caso nom há nenhum elemento que permita a desconfiança. Com palavras muito transparentes, Turiel escrevia em dias passados no seu blogue que “dentro do capitalismo é impossível à saída à Crise Climática, pois é o capitalismo quem a genera. (…) Estamos em tempo de desconto e fica claro que nom há maneira possível de enfrentar o cenário. (…) Fracassamos porque com o plantejamento que existia era impossível triunfar: nom se pode incrementar o PIB diminuindo o consumo de energia.”
Sem dar o passo a afirmaçons tam valentes, o certo é que sectores da classe capitalista -e nom pequenos nem irrelevantes- som cientes do panorama que se avizinha. E este é um elemento chave para ajudar-nos a entender que entramos num contexto novo. Seguindo de novo Turiel, que foi um dos convidados à COP25 como divulgador científico, “a opiniom maioritária no ámbito empresarial já reconhece que a mudança climática é certa”. Partindo desta conviçom, as grandes empresas, e as suas correias de transmisom partidárias e mediáticas, estám a oficializar um certo discurso ambientalista com intençons evidentes.
Capitalismo, esquerda institucional e imprensa
A expressom ‘Green New Deal’ nasceu no mesmo espaço que o seu modelo inspirador keynesiano, nos Estados Unidos. Formulou-na a senadora democrata Alexandra Ocasio-Cortez, e visa umha nova fase de acumulaçom de capital alentada polo sector público, protagonista dumha conversom da economia fósil às ‘economias circulares’. O novo carimbo tanto serve para lavar a imagem de companhias como Endesa -que há duas semanas comprou as capas dos principais jornais espanhóis- como para ratificar o carácter ‘responsável’ da nova esquerda recém chegada às instituiçons.
Neste mesmo ano, o político Iñigo Errejón redigia o limiar do livro ‘Que hacer en caso de incendio’, auto-apresentado como um ‘Manifesto por um novo Green Deal’, e assinado por Héctor Tejero e Emilio Santiago. Descartada já qualquer possibilidade de superar o capitalismo e de abandonar termos tais como ‘produtivismo’, ‘crescimento’ ou ‘progresso’, a proposta é aceitar umha remoçom a fundo das tecnologias produtivas ‘com muita calma e serenidade’. A situaçom crítica na que entra a Humanidade no seu conjunto dá a estas novas medidas um tom de certa obrigatoriedade, ainda que o seu pragmatismo nom é na realidade o que parece.
Justiça e possibilidade
Ante este novo pacote ideológico, perfeitamente sistematizado, vendido mediática e academicamente, e sostido por parte da casta política oficial e o sector do decrescentismo integrado nas instituiçons, há duas perguntas que resultam obrigadas. A primeira delas, oferece medidas justas? E a segunda: apresenta um programa realizável?
Pola primeira vez desde a sua invençom na década de 90, o capitalismo verde adopta um tom imperativo e de advertência: “vam ser precisos certos sacrifícios”, “as mudanças som importantes e afectarám a formas de vida.” Esses termos acadárom já praticamente tom oficial desde que a nova presidenta da Comissom Europeia, Ursula von den Leyden, anunciou que a UE será ‘continente livre de carbono em 2050’. Esta alegada transiçom afectará fundamente sectores como o transporte, a energia e a agricultura. Como se está a ver nestes meses a raiz do caso francês -como enormes mobilizaçons que estouparam por causa dos impostos aos carburantes diésel-, serám as classes populares as que directamente vam padecer as restriçons. Num antecipo do que acontecerá em mais pontos da nossa Terra, o anunciado feche da térmica de Endesa fará-se, por enquanto, sem a empresa garantir postos de trabalho alternativos na comarca.
Mas nom se trata apenas de injustiça. Estudiosos do ‘peak oil’, que na nossa terra ganhárom difusom graças a colectivos como ‘Véspera de Nada’, questionam de raiz tal possibilidade: lembram-nos que ‘carvom, petróleo, gás e uránio’ produzem ainda o 90% da energia que consumimos. A reduçom dum 7% de emissom de gases de efeito estufa -objectivo prometido e nunca cumprido- suporia umha reduçom de 55% em apenas umha década, o que suporia umha contraçom económica de dimensons gigantescas. Para nos fazermos umha ideia, estima-se que a Grande Recessom que golpeou occidente em 1929 apenas supujo a queda do 8% do consumo energético. Por outras palavras, os grandes blocos económicos ao mando nom vam permitir tal desaceleraçom do crescimento; e enquanto continuam com os seus planos poluintes, aproveitarám certas linhas de discurso ‘verde’ para gravar mais seriamente as classes populares. Em todo caso, se se dá um retrocesso forte no consumo de fósseis será pola sua crescente escasseza, que pode dar lugar a panoramas de desabastecimento e crise.
Salve-se quem puder
Enquanto um sector do capitalismo planteja esta opçom de reconversom só parcial, e com sacrifícios apenas para os humildes, um outro já está mentalmente situado em cenários apocalípticos. Lembra-o o especialista em meios e psicologia humana Douglas Rouskoff, que narrou, numha carta de difusom mundial e de leitura mui recomendável, o seu encontro com oito dos mais importantes milhonários do planeta. Rouskoff, que fora convidado a umha palestra para instruir sobre usos socialmente avançados da tecnologia, ficou apavorado ao constatar que a elite do capitalismo concebe já a ‘tecnologia como forma de fuga’. Construçom de búnkeres blindados à escasseza, colonizaçom de terras que ficam fora dos efeitos mais lesivos do quecimento global, militarizaçom, utópicas migraçons marcianas…seja como for, nom há nesta posiçom umha vontade de salvar o conjunto da espécie e de reintegrá-la com a natureza.
A dureza do cenário está a motivar a emergência de novos fascismos, todos eles unidos polo feito do negacionismo climático, mas também umha corrente subterránea de cinismo e resignaçom que aposta por baixar os braços ante o terrível panorama. Apenas umha opçom que combine a defesa da Terra com os direitos de todas e todos pode alimentar a esperança, e esta só pode ser anticapitalista.