(lustraçom de Kathe Kolwitz) Segundo o dicionário, umha instituiçom é ‘um conjunto de regras e normas estabelecidas para a satisfaçom de interesses colectivos’; e também umha ‘organizaçom que, pública ou privada, busca resolver as necessidades dumha sociedade ou comunidade.’ Tem-se dito, com razom, que o povo galego entrou na modernidade desapegado das instituiçons liberais, percebidas como alheias, e que só procurou com elas umha relaçom utilitária. Tratou-nas com umha mestura de temor e oportunismo. Do Estado, do governo civil ou do concelho cumpria defender-se; e chegado o caso, tirar proveito baseando-se em clientelas e amizades
Sobre esta conduta amoral, mais bem adaptativa, a contemporaneidade foi-se imponhendo, somando novos apoios e consensos. Nom se tratou, porém, dumha imposiçom perfeita. Umha parte importante da populaçom, de lealdade nacional galega, continuou numha orfandade institucional aparentemente irresolúvel. Alheia ao Estado autoritário, surgido da reforma tutelada da ditadura; desconfiante dumha autonomia aferrolhada desde Espanha e desenhada para blocar um processo constituinte galego; obviamente hostil às burocracias judiciais e policiais que, em corenta anos de suposta divisom de poderes, empenhárom-se em demostrar que a militáncia galega consequente supunha perder muitos direitos legalmente consagrados. Bem é certo que milhares de nacionalistas, num processo de ascenso social, colonizárom o funcionariado espanhol, nomeadamente a sanidade e o ensino. Nessas trincheiras, mui em consonáncia com o ideário esquerdista dos direitos universais, habilitárom espaços de certa reivindicaçom e exercício de direitos: língua e memória, atençom às desfavorecidas ou solidariedade de classe. Mas mesmo o galeguista mais tépedo, por satisfeito que estiver nesse nicho de relativa coerência, sabe-se incómodo, um simples convidado numha administraçom alheia, sempre submetido a vigiláncia. Tutelado do exterior e baixo a ameaça permanente do amo se o seu comportamento beira o desacato com Espanha.
Temos os independentistas instituiçons? Nom é umha pregunta retórica. Temo-las, e fugindo de toda grandiloquência e aplicando a acepçom ampla do diccionário, podemos identificá-las facilmente: ‘organizaçons que buscam resolver as necessidades dumha sociedade ou comunidade’. As nossas instituiçons som as organizaçons do movimento galego. Organizaçons políticas e sectoriais, meios de comunicaçom, centros sociais, entidades desportivas ou sindicatos. Por precárias ou ameaçadas que estiverem, nom perdem as suas funçons. A primeira é transmitir valores, aqueles precisamente obviados ou negados no ordenamento espanhol vigente: a cooperaçom por diante da concorrência, o dever por cima do dinheiro, e obviamente, a existência da Galiza como bem a preservar. A segunda é o oferecimento de serviços. Frente às mega-estruturas burocráticas que ensombrecem qualquer iniciativa voluntária como a nossa, parece mui pretencioso falar em ‘serviços’. Mas qualquer repasso às nossas biografias dirá-nos que todo o tecido associativo independentista ofereceu-nos mais do que se soi reconhecer: o acesso à formaçom, o diálogo intergeracional, conhecimento da Terra, outras formas de sociabilidade, informaçom sem dependências, ou infraestruturas materiais diversas. Os serviços som transcendentais quando fam possível a defesa de direitos. E como qualquer trabalhadora sindicada ou qualquer militante nas gadoupas da repressom podem certificar, a defesa obreira e a defesa solidária tenhem amortecido, e muito, os golpes que nos propinou o Estado durante décadas. Com toda a modéstia que quigermos, as nossas instituiçons tenhem garantido direitos num mundo no que, progressivamente, estes viram privilégios.
Vítimas como somos, tantas vezes, da frustraçom e da carragem, desprezamos sem vacilaçom toda palavra que saia dos lábios dos nossos inimigos. Esquecemos assim que pessoas cheias de poçonha podem pronunciar também palavras certas e justas, ainda que pervirtam o seu uso ou pretendam mudar o seu significado. A casta política espanhola pronuncia muitas vezes as palavras ‘lealdade institucional’ e ‘respeito institucional’. Nom som expressons desencaminhadas. Umha instituiçom é mais que umha simples organizaçom, e sem dúvida muito mais que um ‘colectivo’ ou um ‘espaço’.
As instituiçons tenhem vontade de ser históricas, umha espécie de ponte entre os mortos, os vivos e as pessoas que virám, e asseguram assim a transmisom de valores perduráveis, os que dam sentido a umha sociedade. Por isso mesmo, a instituiçom integra diferenças ideológicas e nom sucumbe a elas. Também sobrevive aos egos, os ódios pessoais, e as febres (depressivas ou eufóricas) momentáneas, que tanto condicionam viragens de rumo precipitadas. O lado incontrolável e paixonal do ser humano actua na esfera política e de nada serve negá-lo ou censurá-lo; é tam real como as variaçons climáticas ou os accidentes do relevo. Mas as pessoas soubemos erguer, ao longo da história, ámbitos de consenso blindados aos arrebatos e úteis para fazer perviver valores e formas de vida.
Se deitarmos umha olhada fria sobre o nosso movimento, concluiremos que a lealdade e a responsabilidade tenhem faltado em momentos decisivos. Pugemos em andamento organizaçons úteis e perduráveis, mas malbaratamos muitas outras, nomeadamente na luita política. Confundindo os tempos biográficos com os tempos históricos, temos clausurado estruturas, esbanjado enormes patrimónios humanos e políticos. Confundindo as liortas das nossas individualidades cativinhas e efémeras com os interesses gerais e os direitos colectivos, temos perdido décadas e lustros.
O filósofo Santiago Alba perguntava-se num artigo onde está o valor do ser humano, além dos cálculos económicos que o convertem numha mercadoria mais. Concluía que o cuidado dum corpo nom se deve a ter valor, senom que, pola contra ‘adquire valor na medida em que o cuidamos e o tocamos e o olhamos; na medida, em definitiva, em que o trabalhamos.’ A noçom de cuidados, recentemente sulinhada na esquerda para defender a conservaçom desinteressada do que amamos, deveria aplicar-se com toda coerência ao apoio e à melhora entusiasta das estruturas colectivas. Qualquer pessoa decente entende os cuidados minuciosos devotados a umha criança, a um idoso, a um familiar doente, ou a umha amizade que vive entre reixas. Por que entom resulta tam difícil comprender o desvelo, a entrega e a energia canalizadas em manter aquelas instituiçons que permitem o nosso futuro como povo? Desleixo, apatia ou irresponsabilidade com as pessoas som sintomas dumha doença moral individual que soi merecer censura unánime; desleixo, apatia ou irresponsabilidade com as instituiçons dum colectivo som sintomas dumha doença moral social. O sentido comum neoliberal olha só de esguelho esta enfermidade, e fai-nos crer que a virtude pode cultivar-se na pura reclusom doméstica.