Nas últimas linhas do anterior artigo desta série destacávamos a importância dos centros sociais para definir umha nova cultura independentista. Frente à funçom representativa das organizaçons políticas clássicas, sempre dependentes numha ou noutra medida da política formal, os centros sociais assomem umha funçom expressiva e prática. Recolhem neste sentido a herança do associativismo nacionalista que tanto medrou nas décadas de 70 e 80, mas com dous fatores diferenciais: a preponderância juvenil e as largas margens de independência a respeito de estruturas partidárias.

Nesta imaginaçom cultural renovada que surge sobretodo dos centros sociais, mas nom só, a língua continua a ter umha importância central, já que constitue a primeira linha defensiva em termos simbólicos. A persistência na reivindicaçom linguística permite aos centros sociais serem, em muitos casos, e dada a sua habitual inserçom em contextos urbanos altamente castelhanizados, verdadeiros espaços de segurança e liberdade para o uso do galego. Nom há melhor indício desta configuraçom que a predominância da tendência reintegracionista nestes centros, tam desvalorizada, marginada ou incompreendida noutros espaços.

Nas áreas da literatura e da música os centros sociais também tenhem estabelecido, com especificidades, o seu próprio caminho. Enquanto a cultura independentista das décadas precedentes parecia centrar-se mais no conhecimento e na reivindicaçom de figuras representativas do movimento, a presença da literatura nos centros sociais tendeu a concentrar-se em apoiar projetos editoriais de escala pequena, em favorecer o contacto direto com as autoras de proximidade (geográfica ou ideológica), em promover atividades formativas e participativas como os clubes de leitura e, em geral, em constituir um circuito alternativo a aquele mais institucionalizado, que funciona igualmente para o teatro, para a fotografia ou para o cinema.

A mesma dinâmica pode ser observada com muito mais vigor no referente à música, dada a capacidade daqueles centros sociais mais consolidados – a Gentalha do Pichel e a Fundaçom Artábria seriam os casos emblemáticos – para fazerem parte imprescindível dum circuito específico para a música em galego, com independência dos estilos. Neste mesmo âmbito da música, é necessário destacar a importância das atividades formativas e a vontade de atualizar e resignificar politicamente a tradiçom musical própria. O trabalho do coletivo Andar cos tempos, com iniciativas como “Um lote de dicas para bailar em igualdade”, seria o melhor exemplo do que tentamos expressar.

O ciclo dedicado à oralidade, organizado em Ponte Vedra na primavera passada polo Quilombo, é um sintoma claro da crescente atençom que o movimento arredista está a dar às práticas culturais orais e, muito especialmente, à regueifa e a outros géneros da improvisaçom oral. A matriz participativa e comunitária destas práticas parece potenciar a possibilidade de inscreve-las numha dinâmica antagonista e transformadora, tal e como explicou Xian Naia há pouco neste mesmo meio, apesar da herança patriarcal e da folclorizaçom – ambas em processo de superaçom – a que estas práticas fôrom submetidas em décadas anteriores.

O facto de a Escola Semente ter nascido da Gentalha do Pichel indica a vontade de avançar numha planificaçom mais clara, e com visom de futuro, desta nova imaginaçom cultural. Se a centralidade concedida à preservaçom da língua nom estranhou a ninguém num projeto destas caraterísticas, muito mais expressiva foi a aposta num modelo pedagógico aberto ao assemblearismo, ao ambientalismo ou ao feminismo, que finalmente tentava levar à prática aquilo que tinha sido apenas enunciado tantas vezes. Mas na Semente encontramos ainda muitos outros elementos que podemos ligar a esta nova imaginaçom cultural, que desenvolvemos a seguir.

A transiçom dum paradigma mais centrado na crítica às instituiçons oficiais para outro mais centrado num savoir faire prático é muito visível na área dos desportos, do jogo e, em geral, do lazer ligado à atividade física. Enquanto nas décadas de 80 e 90, e ainda nos primeiros anos do século XXI, a reivindicaçom da existência de seleçons nacionais galegas – quase sempre restringida à seleçom de futebol masculino – esgotava umha parte muito significativa das energias, a capacidade popular para erguer e manter no tempo umha Liga Nacional de Bilharda, um número significativo de equipas de futebol gaélico – organizadas em diferentes torneios com critérios vários, mas com o acicate da projeçom internacional – ou umhas Olimpíadas Populares, apesar dos diferentes folgos que a iniciativa tivo cada ano, mostram de maneira clara a mudança nos objetivos, nas estratégias e nos meios. Quais as chaves desta nova tendência? Procurar umha alternativa ao desporto-espetáculo e às suas nocivas consequências sociais, afirmar a nom discriminaçom de género, reintroduzir no século XXI práticas populares em risco de desapariçom e construir a diferença nacional em áreas que transgridem os limites das elites cultas.

A história, o património ou a simbologia som alguns dos múltiplos âmbitos que completariam esta panorâmica da imaginaçom cultural independentista. Conhecer, resgatar, desintoxicar, reapropriar e divulgar parecem ser as pautas reitoras do trabalho desenvolvido polos centros sociais e por outros núcleos ativistas nestas áreas agora referidas. Alguns dos resultados mais bem sucedidos deste trabalho coletivo som a divulgaçom de referências históricas pouco ou mal conhecidas há quinze ou vinte anos como o reino suevo ou a república galega de 1931; a compilaçom dos dados concretos do genocídio iniciado em 1936 e a dignificaçom das vítimas, ou um melhor conhecimento geral dos patrimónios artístico, arquitetónico, natural ou imaterial.

Um horizonte parcialmente diferente estaria representado por aquela imaginaçom que aspira a fazer frente à assimilaçom cultural (globalizadora, ianqui, espanhola) resgatando e reinterpretando elementos tirados da tradiçom cultural galega. É nesse sentido que se recupera e se aposta no Samaim ou que, para as festas do solstício de inverno, foi promovido com rapidíssimo e inesperado sucesso a figura do Apalpador. Seria injusto, no entanto, restringir o êxito desta nova cultura soberanista a aquelas duas ou três iniciativas de maior projeçom mediática, quando podemos pôr o foco no abandono de qualquer elitismo, no fomento de dinâmicas participativas e inclusivas, na abertura às práticas feministas, na recusa da mercantilizaçom ou no seu caráter predominantemente auto-crítico. Que o alcance ainda limitado desta nova imaginaçom cultural nom nos impida apreciar a qualidade dos seus vímbios.