Hoje mais dum milhom de pessoas ateigam as ruas de Santiago de Chile numha manifestaçom que ultrapassa todas as reivindicaçons parciais. Supom a emenda à totalidade ao governo de Sebastián Piñera, um dos adalides do capitalismo mais duro no continente americano. Trás umha recuperaçom de posiçons dos governos direitistas nos passados anos, um ronsel de revoltas demonstra a impossível aplicaçom de programas antipopulares sem desatar resposta e organizaçom.

A esquerda real denunciou sempre que no Chile, campo de provas do primeiro neoliberalismo e do terror massivo contra o povo organizado, subsistia um pinochetismo soterrado. A resposta popular produzida cada ano na lembrança do golpe de Estado do 11 de setembro, reprimida polo Estado, assinala umha carência democrática gritante. Do mesmo modo, as políticas de excepçom chamadas antiterroristas contra a comunidade mapuche falam dum autoritarismo de longo alcanço.

Esse talante estatal despontou nos passados dias. De partida, semelhava que o poder se enfrentava a mais umha reivindicaçom sócio-económica das muitas que agitam o continente. Umha multidom começou há semanas a desafiar a suba do preço do bilhete de metro decretada polo executivo. Através da prática desobediente de saltar os torniquetes do metro, a juventude e os reformados (sectores especialmente castigados) apontavam o injusto da medida. Os novos preços suponhem, para quem cobrar o salário mínimo, gastar o 14% dos seus ingressos em deslocamentos. A violência desatada de modo imediato por Piñera precipitou a marcha dos protestos e a sua ampliaçom.

Chile, em luita. Imagem: Rodrigo Abd

Alguns dados

Considera-se que o 80% da populaçom chilena vive endividada com entidades bancárias. O 10% dos ingressos da populaçom assalariada destinam-se a pagar planos privados de pensons. O país sudamericano, como é sabido, foi um dos bancos de provas da privatizaçom do bem comum num modelo neoliberal. O projecto foi desenhado em universidades e instáncias governamentais norteamericanas -inspiradas pola chamada ‘Escola de Chicago’– e aplicada com mao de ferro por um Estado que abolira as liberdades democráticas.

Para Fernando Mires, professor chileno que lecciona aulas em Oldenburg (Alemanha), ‘no Chile leva-se muito tempo de acumulaçom dum malestar oculto e reprimido’. O modelo político post-ditadura, além de deixar incólumes resortes político-policiais da ditadura, continuou a abrir a fenda entre classes sociais. Por palavras de Sergio Bitar, que fora ministro com Salvador Allende, e posteriormente mandatário de altas responsabilidades na social-democracia, declarou à imprensa na passada semana ‘que o ciclo mobilizador aberto vai representar todo um ponto de inflexom.’

Mais dum milhom de pessoas tomam a capital

Enorme magnitude

Com efeito, e em paralelo com o que acontece em outras latitudes, a magnitude da mobilizaçom chilena surprende ao mundo. O governo Piñera viu-se na obriga de suspender a suba de preços do transporte, mas tem-se alcançado um ponto que as reivindicaçons sobardavam umha exigência concreta. O sindicato CUT e outras forças partidárias e sociais convocárom umha greve geral de dous dias com a legenda ‘Cansamos-nos, unimo-nos’. Estoupara umha rebeliom sem aparente cabeça, nem líder nem partido definido na vanguarda, que em certa medida recorda ao movimento dos coletes amarelos na França. Como os seus movimentos irmaos no Ecuador, Honduras ou Haiti, o chileno fijo-se forte com bloqueios de grandes infraestruturas de comunicaçom.

Pola vez primeira desde a ditadura, o exército voltou a patrulhar as ruas e impujo-se o toque de queda nas principais cidades do país. Proibe-se sair das moradas a partir das 10 da noite, e a repressom alcançou umha dimensom desacougante. O Ministro de Saúde, Jaime Mañalich, rejeitou dar diante da imprensa dar informaçons concretas das vítimas civis; organismos de direitos humanos, pola contra, afirmam que pode haver quase vinte pessoas mortas, mais de cem mulheres violadas, e mais de 5000 activistas detidas.

Apelo mapuche

O acontecido no Estado chileno tem aliás, para galegas e galegos, umha dimensom especialmente familiar. Baixo as fronteiras de Chile vive, forçosamente encerrado, o povo mapuche, a única comunidade originária americana que resistiu no seu dia a ocupaçom espanhola. A luita mapuche foi na última década umha ponta de lança contra o extractivismo capitalista. A acçom directa indígena atacou grandes infraestruturas energéticas e industriais dum poder que rouba terras e remata com umha cultura ancestral.

Mapuches chamam ao ‘direito à rebeliom’

Embora numha lógica política distante da esquerda chilena, a Coordinadora Arauco Mallauco soma-se à insurrecçom geral. Os mapuches vindicárom o ‘direito à rebeliom’ e chamárom à continuidade da ofensiva popular, desmarcando-se da ‘esquerda traidora e lacaia da Frente Ampla e Nova Maioria.’