A modernidade organiza o mundo ontologicamente em termos de categorias homogêneas, atômicas, separáveis. A crítica contemporânea ao universalismo feminista feita por mulheres de cor e do terceiro mundo centra-se na reivindicação de que a intersecção entre raça, classe, sexualidade e gênero vai além das categorias da modernidade. Se mulher e negro são termos para categorias homogêneas, atomizadas e separáveis, então sua intersecção mostra-nos a ausência das mulheres negras – e não sua presença. Assim, ver mulheres não brancas é ir além da lógica “categorial”. Proponho o sistema moderno colonial de gênero como uma lente através da qual aprofundar a teorização da lógica opressiva da modernidade colonial, seu uso de dicotomias hierárquicas e de lógica categorial. Quero enfatizar que a lógica categorial dicotômica e hierárquica é central para o pensamento capitalista e colonial moderno sobre raça, gênero e sexualidade. Isso me permite buscar organizações sociais nas quais pessoas têm resistido à modernidade capitalista e estão em tensão com esta lógica. Seguindo Juan Ricardo Aparicio e Mario Blaser, chamarei de não moderno tais formas de organizar o social, o cosmológico, o ecológico, o econômico e o espiritual. Com Aparicio e Blaser e outros, uso o não moderno para expressar que aquelas formas não são pré-modernas. O aparato moderno as reduz a formas pré-modernas. Assim, conhecimentos, relações e valores, práticas ecológicas, econômicas e espirituais são logicamente constituídos em oposição a uma lógica dicotômica, hierárquica, “categorial”.

Colonialidade do gênero

Eu compreendo a hierarquia dicotômica entre o humano e o não humano como a dicotomia central da modernidade colonial. Começando com a colonização das Américas e do Caribe, uma distinção dicotômica, hierárquica entre humano e não humano foi imposta sobre os/as colonizados/as a serviço do homem ocidental. Ela veio acompanhada por outras distinções hierárquicas dicotômicas, incluindo aquela entre homens e mulheres. Essa distinção tornou-se a marca do humano e a marca da civilização. Só os civilizados são homens ou mulheres. Os povos indígenas das Américas e os/as africanos/as escravizados/as eram classificados/as como espécies não humanas – como animais, incontrolavelmente sexuais e selvagens. O homem europeu, burguês, colonial moderno tornou-se um sujeito/agente, apto a decidir, para a vida pública e o governo, um ser de civilização, heterossexual, cristão, um ser de mente e razão. A mulher europeia burguesa não era entendida como seu complemento, mas como alguém que reproduzia raça e capital por meio de sua pureza sexual, sua passividade, e por estar atada ao lar a serviço do homem branco europeu burguês. A imposição dessas categorias dicotômicas ficou entretecida com a historicidade das relações, incluindo as relações íntimas. Neste trabalho, quero imaginar como pensar sobre interações íntimas e cotidianas que resistem à diferença colonial. Quando penso em intimidade aqui, não estou pensando exclusivamente nem principalmente sobre relações sexuais. Estou pensando na vida social entretecida entre pessoas que não estão atuando como representativas ou autoridades.

Começo, então, com uma necessidade de entender que os/as colonizados/as tornaram-se sujeitos em situações coloniais na primeira modernidade, nas tensões criadas pela imposição brutal do sistema moderno colonial de gênero. Sob o quadro conceitual de gênero imposto, os europeus brancos burgueses eram civilizados; eles eram plenamente humanos. A dicotomia hierárquica como uma marca do humano também tornou-se uma ferramenta normativa para condenar os/as colonizados/as. As condutas dos/as coloniza-dos/as e suas personalidades/almas eram julgadas como bestiais e portanto não gendradas, promíscuas, grotescamen-te sexuais e pecaminosas. Mesmo que nesse tempo a compre-ensão do sexo não fosse dimórfica, os animais eram diferencia-dos como machos e fêmeas, sendo o macho a perfeição, a fêmea a inversão e deformação do macho. Hermafroditas, sodomitas, viragos e os/as colonizados/as, todos eram entendidos como aberrações da perfeição masculina.

A missão civilizatória, incluindo a conversão ao cristianismo, estava presente na concepção ideológica de conquista e colonização. Julgar os/as colonizados/as por suas deficiências do ponto de vista da missão civilizatória justificava enormes crueldades. Proponho interpretar, através da perspectiva civilizadora, os machos colonizados não humanos como julgados a partir da compreensão normativa do “homem”, o ser humano por excelência. Fêmeas eram julgadas do ponto de vista da compreensão normativa como “mulheres”, a inversão humana de homens. Desse ponto de vista, pessoas colonizadas tornaram-se machos e fêmeas. Machos tornaram-se não-humanos-por-não-homens, e fêmeas colonizadas tornaram-se não-humanas-por-não-mulheres. Consequentemente, fêmeas colonizadas nunca foram compreendidas como em falta por não serem como-homens, tendo sido convertidas em viragos. Homens colonizados não eram compreendidos como em falta por não serem como-mulheres. O que tem sido entendido como “feminização” de “homens” colonizados parece mais um gesto de humilhação, atribuindo a eles passividade sexual sob ameaça de estupro. Esta tensão entre hipersexualidade e passividade sexual define um dos domínios da sujeição masculina dos/as colonizados/as.

É importante observar que, frequentemente, quando cientistas sociais pesquisam sociedades colonizadas, a bus-ca pela distinção sexual e logo a construção da distinção de gênero resultam de observações das tarefas realizadas por cada sexo. Ao fazê-lo, eles/elas afirmam a inseparabilida-de de sexo e gênero, característica que desponta principal-mente das primeiras análises feministas. Análises mais contemporâneas têm introduzido argumentos pela reivindica-ção de que gênero constrói sexo. Mas, na versão anterior, sexo fundamentava gênero. Geralmente se confundiam: onde você vê sexo, verá gênero e vice-versa. Porém, se estou certa sobre a colonialidade do gênero, na distinção entre humano e não humano, sexo tinha que estar isolado. Gênero e sexo não podiam ser ao mesmo tempo vinculados inseparavel-mente e racializados. O dimorfismo sexual converteu-se na base para a compreensão dicotômica do gênero, a característica humana. Alguém bem poderia ter interesse em argumentar que o sexo, que permanecia isolado na bestialização dos/as colonizados/as, era, afinal, gendrado. O que é importante para mim aqui é que se percebia o sexo existindo isoladamente na caracterização de colonizados/as. Isso me parece como um bom ponto de entrada para pesquisas que levam a colonialidade a sério e pretendem estudar a historicidade e o significado da relação entre sexo e gênero.

A “missão civilizatória” colonial era a máscara eufemística do acesso brutal aos corpos das pessoas através de uma exploração inimaginável, violação sexual, controle da reprodução e terror sistemático (por exemplo, alimentando cachorros com pessoas vivas e fazendo algibeiras e chapéus das vaginas de mulheres indígenas brutalmente assassina-das). A missão civilizatória usou a dicotomia hierárquica de gênero como avaliação, mesmo que o objetivo do juízo normativo não fosse alcançar a generização dicotomizada dos/as colonizados/as . Tornar os/as colonizados/as em seres humanos não era uma meta colonial. A dificuldade de imaginar isso como meta pode ser vista nitidamente quando percebemos que a transformação dos/as colonizados/as em homens e mulheres teria sido uma transformação não em identidade, mas em natureza. E colocar os/as colonizados/as contra si próprios/as estava incluído nesse repertório de justificações dos abusos da missão civilizatória. A confissão cristã, o pecado e a divisão maniqueísta entre o bem e o mal serviam para marcar a sexualidade feminina como maligna, uma vez que as mulheres colonizadas eram figuradas em relação a Satanás, às vezes como possuídas por Satanás.

A transformação civilizatória justificava a colonização da memória e, consequentemente, das noções de si das pessoas, da relação intersubjetiva, da sua relação com o mundo espiritual, com a terra, com o próprio tecido de sua concepção de realidade, identidade e organização social, ecológica e cosmológica. Assim, à medida que o cristianis-mo tornou-se o instrumento mais poderoso da missão de transformação, a normatividade que conectava gênero e civilização concentrou-se no apagamento das práticas comunitárias ecológicas, saberes de cultivo, de tecelagem, do cosmos, e não somente na mudança e no controle de práticas reprodutivas e sexuais. Pode-se começar a observar o vínculo entre, por um lado, a introdução colonial do con-ceito moderno instrumental da natureza como central para o capitalismo e, por outro, a introdução colonial do conceito moderno de gênero. Pode-se notar como este vínculo é macabro e pesado em suas ramificações impressionantes. Também se pode reconhecer, com o alcance que estou dando à imposição do sistema moderno colonial de gênero, a desumanização constitutiva da colonialidade do ser. O conceito de colonialidade do ser que entendo como relacionado ao processo de desumanização foi desenvolvido por Nelson Maldonado Torres.

Uso o termo colonialidade seguindo a análise de Aníbal Quijano do sistema de poder capitalista do mundo em termos da “colonialidade do poder” e da modernidade – dois eixos inseparáveis no funcionamento desse sistema de poder. A análise de Quijano fornece-nos uma compreensão histórica da inseparabilidade da racialização e da exploração capitalista como constitutiva do sistema de poder capitalista que se ancorou na colonização das Américas. Ao pensar a colonialidade do gênero, eu complexifico a compreensão do autor sobre o sistema de poder capitalista global, mas também critico sua própria compreensão do gênero visto só em termos de acesso sexual às mulheres. Ao usar o termo colonialidade, minha intenção é nomear não somente uma classificação de povos em termos de colonialidade de poder e de gênero, mas também o processo de redução ativa das pessoas, a desumanização que as torna aptas para a classificação, o processo de sujeitificação e a investida de tornar o/a colonizado/a menos que seres humanos. Isso contrasta fortemente com o processo de conversão que constitui a missão de cristianização.

Teorizando a resistência/descolonializando o gênero

A consequência semântica da colonialidade do gênero é que “mulher colonizada” é uma categoria vazia: nenhuma mulher é colonizada; nenhuma fêmea colonizada é mulher. Assim, a resposta colonial a Sojouner Truth é, obviamente, “não”. Diferentemente da colonização, a colonialidade do gênero ainda está conosco; é o que permanece na intersecção de gênero/classe/raça como construtos centrais do sistema de poder capitalista mundial. Pensar sobre a colonialidade do gênero permite-nos pensar em seres históricos compreendidos como oprimidos apenas de forma unilateral. Como não há mulheres colonizadas enquanto ser, sugiro que enfoquemos nos seres que resistem à colonialidade do gênero a partir da “diferença colonial”. Tais seres são, como sugeri, só parcialmente compreendidos como oprimidos, já que construídos através da colonialidade do gênero. A sugestão é não buscar uma construção não colonizada de gênero nas organizações indígenas do social. Tal coisa não existe; “gênero” não viaja para fora da modernidade colonial. Logo, a resistência à colonialidade do gênero é historicamente complexa.

Quando penso em mim mesma como uma teórica da resistência, não é porque penso na resistência como o fim ou a meta da luta política, mas sim como seu começo, sua possibilidade. Estou interessada na proliferação relacional subjetiva/intersubjetiva de libertação, tanto adaptativa e criativamente opositiva. A resistência é a tensão entre a sujeitificação (a formação/informação do sujeito) e a subjetividade ativa, aquela noção mínima de agenciamento necessária para que a relação opressão ¬ ® resistência seja uma relação ativa, sem apelação ao sentido de agenciamento máximo do sujeito moderno.

A subjetividade que resiste com frequência expressa-se infrapoliticamente, em vez de em uma política do público, a qual se situa facilmente na contestação pública. Legitimidade, autoridade, voz, sentido e visibilidade são negadas à subjetividade oposicionista. A infrapolítica marca a volta para o dentro, em uma política de resistência, rumo à libertação. Ela mostra o potencial que as comunidades dos/as oprimidos/as têm, entre si, de constituir significados que recusam os significados e a organização social, estruturados pelo poder. Em nossas existências colonizadas, racialmente gendradas e oprimidas, somos também diferentes daquilo que o hegemônico nos torna. Esta é uma vitória infrapolítica. Se estamos exaustos/as, completamente tomados/as pelos mecanismos micro e macro e pelas circulações do poder, a “libertação” perde muito de seu significado ou deixa de ser uma questão intersubjetiva. A própria possibilidade de uma identidade baseada na política e o projeto da descolonialidade perdem sua base ancorada nas pessoas.

Conforme me desloco metodologicamente dos feminismos de mulheres de cor para um feminismo descolonial, penso sobre feminismo desde as bases e nelas, e desde a diferença colonial e nela, com uma forte ênfase no terreno, em uma intersubjetividade historicizada, encarnada. A questão da relação entre a resistência ou a contestação à colonialidade de gênero e a descolonialidade está mais sendo posta aqui do que sendo respondida. Mas me proponho, sim, a entender a resistência à colonialidade do gênero a partir da perspectiva da diferença colonial.

Descolonizar o gênero é necessariamente uma práxis. É decretar uma crítica da opressão de gênero racializada, colonial e capitalista heterossexualizada visando uma transformação vivida do social. Como tal, a descolonização do gênero localiza quem teoriza em meio a pessoas, em uma compreensão histórica, subjetiva/intersubjetiva da relação oprimir/resistir na intersecção de sistemas complexos de opressão. Em grande medida, tem que estar de acordo com as subjetividades e intersubjetividades que parcialmente constroem e são construídas “pela situação”. Deve incluir “aprender” sobre povos. Além disso, o feminismo não fornece apenas uma narrativa da opressão de mulheres. Vai além da opressão ao fornecer materiais que permitem às mulheres compreender sua situação sem sucumbir a ela. Começo aqui a fornecer uma forma de compreender a opressão de mulheres subalternizadas através de processos combinados de racialização, colonização, exploração capitalista, e heterossexualismo. Minha intenção é enfocar na subjetividade/intersubjetividade para revelar que, desagregando opressões, desagregam-se as fontes subjetivas-intersubjetivas de agenciamento das mulheres colonizadas. Chamo a análise da opressão de gênero racializada capitalista de “colonialidade do gênero”. Chamo a possibilidade de superar a colonialidade do gênero de “feminismo descolonial”.

A colonialidade do gênero permite-me compreender a opressão como uma interação complexa de sistemas econômicos, racializantes e engendrados, na qual cada pessoa no encontro colonial pode ser vista como um ser vivo, histórico, plenamente caracterizado. Como tal, quero compreender aquele/a que resiste como oprimido/a pela construção colonizadora do lócus fraturado. Mas a colonialidade do gênero esconde aquele/a que resiste como um/uma nativo/a, plenamente informado/a, de comunidades que sofrem ataques cataclísmicos. Assim, a colonialidade do gênero é só um ingrediente ativo na história de quem resiste. Ao enfocar naquele/a que resiste situado/a na diferença colonial, minha intenção é revelar o que se torna eclipsado.

O longo processo da colonialidade começa subjetiva e intersubjetivamente em um encontro tenso que tanto constitui a normatividade capitalista, moderna colonial, quanto não se rende a ela. O ponto crucial sobre esse encontro é que sua construção subjetiva e intersubjetiva informa a resistência oferecida aos ingredientes da dominação colonial. O sistema de poder global, capitalista, moderno colonial, que Anibal Quijano caracteriza como tendo início no século XVI nas Américas e em vigor até hoje, encontrou-se não com um mundo a ser estabelecido, um mundo de mentes vazias e animais em evolução. Ao contrário, encontrou-se com seres culturais, política, econômica e religiosamente complexos: entes em relações complexas com o cosmo, com outros entes, com a geração, com a terra, com os seres vivos, com o inorgânico, em produção; entes cuja expressividade erótica, estética e linguística, cujos saberes, noções de espaço, expectativas, práticas, instituições e formas de governo não eram para ser simplesmente substituídas, mas sim encontradas, entendidas e adentradas em entrecruzamentos, diálogos e negociações tensos, violentos e arriscados que nunca aconteceram.

Ao invés disso, o processo de colonização inventou os/as colonizados/as e investiu em sua plena redução a seres primitivos, menos que humanos, possuídos satanicamente, infantis, agressivamente sexuais, e que precisavam ser transformados. O processo que quero seguir é o de oprimir ¬ ® resistir no lócus fraturado da diferença colonial. Ou seja, quero seguir os sujeitos em colaboração e conflito intersubjetivos, plenamente informados como membros das sociedades americanas nativas ou africanas, na medida em que assumem, respondem, resistem e se acomodam aos invasores hostis que querem expropriá-los e desumanizá-los. A presença invasiva os subjuga brutalmente, de forma sedutora, arrogante, incomunicante e poderosa, deixando pouco espaço para ajustes que preservem seus próprios sentidos de si mesmos na comunidade e no mundo. Mas, em vez de pensar o sistema global capitalista colonial como exitoso em todos os sentidos na destruição dos povos, relações, saberes e economias, quero pensar o processo sendo continuamente resistido e resistindo até hoje. E, desta maneira, quero pensar o/a colonizado/a tampouco como simplesmente imaginado/a e construído/a pelo colonizador e a colonialidade, de acordo com a imaginação colonial e as restrições da empreitada capitalista colonial, mas sim como um ser que começa a habitar um lócus fraturado, construído duplamente, que percebe duplamente, relaciona-se duplamente, onde os “lados” do lócus estão em tensão, e o próprio conflito informa ativamente a subjetividade do ente colonizado em relação múltipla.

O sistema de gênero é não só hierárquica mas racialmente diferenciado, e a diferenciação racial nega humanidade e, portanto, gênero às colonizadas. Irene Silverblatt, Carolyn Dean, Maria Esther Pozo e Johnni Ledezma, Pamela Calla e Nina Laurie, Sylvia Marcos, Paula Gunn Allen, Leslie Marmon Silko, Felipe Guaman Poma de Ayala e Oyeronke Oyewumi, entre outros, permitem-me afirmar que o gênero é uma imposição colonial. Não apenas por se impor sobre a vida vivida em sintonia com cosmologias incompatíveis com a lógica moderna das dicotomias, mas também por habitar mundos compreendidos, construídos. E, conforme tais cosmologias, animaram o ente-entre-outros/as em resistência a partir da diferença colonial e em sua tensão extrema.

O longo processo de subjetificação dos/as colonizados/as em direção à adoção/internalização da dicotomia homens/mulheres como construção normativa do social – uma marca de civilização, cidadania e pertencimento à sociedade civil – foi e é constantemente renovado. Encontra-se esse processo em carne e osso, mais e mais nas oposições ancoradas em uma longa história de oposições, experienciadas como sensatas em socialidades alternativas, resistentes, situadas na diferença colonial. É o movimento rumo à coalizão o que nos impulsa a conhecer uma à outra como entes que são densos, relacionais, em socialidades alternativas e alicerçadas nos lugares tensos e criativos da diferença colonial.

Examino e dou ênfase à historicidade da relação oprimir ¬ ® resistir e, portanto, saliento as resistências concretas, vividas, à colonialidade do gênero. Quero marcar especialmente a necessidade de manter uma leitura múltipla do ente relacional que resiste. Isto é uma consequência da imposição colonial do gênero. Vemos a dicotomia do gênero operando normativamente na construção do social e nos processos coloniais de subjetificação opressiva. Mas, se vamos fazer uma outra construção do ente relacional, necessitamos colocar entre colchetes o sistema de gênero colonial dicotômico humano/não humano, que é constituído pela dicotomia hierárquica homem/mulher para os coloniais europeus + os/as colonizados/as não gendrados/as, não humanos/as. Como explica Oyewumi, uma leitura colonizante do Yoruba lê a dicotomia hierárquica na sociedade Yoruba, apagando assim a realidade da imposição colonial de um sistema de gênero multiplamente opressivo. Portanto, é necessário que tenhamos muito cuidado com o uso dos termos mulher e homem e que os coloquemos entre colchetes quando necessário ao tecer a lógica do lócus fraturado, sem causar o desaparecimento das fontes sociais que se tecem nas respostas de resistência. Se apenas urdimos homem e mulher no próprio tecido que constitui o ente em relação à resistência, apagamos a própria resistência. Somente ao colocá-los entre colchetes podemos apreciar a lógica diferente que organiza o social na resposta de resistência. Assim, a percepção e a habitação múltiplas, a fratura do lócus, a consciência dupla ou múltipla são estabelecidas em parte por essa diferença lógica. O lócus fraturado inclui a dicotomia hierárquica que constitui a subjetificação dos/as colonizados/as. Mas o lócus é fraturado pela presença que resiste, a subjetividade ativa dos/as colonizados/as contra a invasão colonial de si próprios/as na comunidade desde o habitar-se a si mesmos/as. Vemos aqui o espelhamento da multiplicidade da mulher de cor nos feminismos de mulheres de cor.

Acima mencionei que estava seguindo a distinção que Aparicio e Blaser fazem entre o moderno e o não moderno. Eles tornam a importância da distinção nítida quando nos dizem que a modernidade tenta controlar, ao negar a existência, o desafio da existência de outros mundos com diferentes pressuposições ontológicas. A modernidade nega essa existência ao roubar-lhes a validez e a coexistência no tempo. Esta negação é a colonialidade. Ela emerge como constitutiva da modernidade. A diferença entre moderno e não moderno torna-se – na perspectiva moderna – uma diferença colonial, uma relação hierárquica na qual o não moderno está subordinado ao moderno. Mas a exterioridade da modernidade não é pré-moderna. É importante ver que um referencial conceitual pode muito bem ser fundamentalmente crítico da lógica “categórica”/essencialista da modernidade, criticar a dicotomia entre homem e mulher, e até o dimorfismo entre macho e fêmea sem ver a colonialidade ou a diferença colonial. Tal referencial não teria sequer a possibilidade de resistência ao sistema de gênero moderno colonial e à colonialidade do gênero – e poderia excluir essa resistência porque não pode ver o mundo se multiplicar através de um lócus fraturado na diferença colonial.

Pensando na metodologia da descolonialidade, procedo a ler o social a partir das cosmologias que o informam, em vez de começar com uma leitura gendrada das cosmologias que subjazem e constituem a percepção, a motilidade, a incorporação e a relação. Assim, o giro que estou recomendando é muito diferente de um que lê o gênero no social. A mudança pode nos permitir compreender a organização do social em termos que desvendam a profunda ruptura da imposição do gênero no ente relacional . Traduzir termos como koshskalaka, chachawarmi e urin no vocabulário de gênero, na concepção dicotômica, heterossexual, racializada e hierárquica que dá significado à distinção de gênero é exercer a colonialidade da linguagem por meio da tradução colonial e, portanto, apagar a possibilidade de articular a colonialidade do gênero e a resistência a ela.

Conversando com Filomena Miranda, perguntei a ela sobre a relação entre o aymara qamaña e utjaña, ambos frequentemente traduzidos como “vivente”. Sua resposta complexa relacionou utjaña com uta, residir coletivamente na terra comunal. Ela me disse que não se pode ter qamaña sem utjaña. Segundo ela, quem não tem utjaña está waccha e pode virar misti. Mesmo vivendo grande parte do tempo em La Paz, distante das suas terras comunais, ela mantém utjaña, que agora está lhe convocando a participar do Governo. No próximo ano ela governará com sua irmã. A irmã de Filomena substituirá seu pai, e portanto será chacha duas vezes, já que sua comunidade, tanto como seu pai, são chacha. A própria Filomena será chacha e warmi, uma vez que governará no lugar da sua mãe em uma comunidade cha-cha. A minha posição é que traduzir chacha e warmi como homem e mulher violenta a relação comunal expressa por utjaña. Filomena traduziu chachawarmi ao espanhol como opostos complementares. A nova constituição boliviana, o governo de Morales e os movimentos indígenas de Abya Yala expressam um compromisso com a filosofia de suma qamaña (frequentemente traduzido como “bem viver”). A relação entre qamaña e utjaña indica a importância da complementaridade e sua inseparabilidade do florescimento comunal na produção constante de equilíbrio cósmico. Chachawarmi não é separável de utjaña em significado e prática; ambos se constituem em um só. Logo a destruição de chachawarmi não é compatível com suma qamaña.

Certamente não estou defendendo não ler, ou não “ver” a imposição das dicotomias humano/não humano, homem/mulher, ou macho/fêmea na construção da vida cotidiana, como se isso fosse possível. Fazer isso seria esconder a colonialidade do gênero e apagaria a própria possibilidade se sentir – ler – o tenso habitar a diferença colonial, bem como as respostas a partir daí. Ao marcar a tradução colonial de chachawarmi como homem/mulher, estou ciente do uso de homem e mulher na vida cotidiana das comunidades bolivianas, incluindo o discurso interracial. O êxito da complexa normatização de gênero, introduzida com a colonização na constituição da colonialidade do gênero, tornou esta tradução colonial um assunto cotidiano, mas a resistência à colonialidade de gênero é também vivida linguisticamente na tensão da ferida colonial. O apagamento político, a tensão vivida do linguagismo (languaging)de se mover entre modos de viver na linguagem – entre chachawarmi e homem/mulher constitui a lealdade à colonialidade de gênero ao apagar a história de resistência a partir da diferença colonial. A utjaña de Filomena Miranda não é um viver no passado, é apenas o modo de viver chachawarmi. A possibilidade de utjaña, hoje, depende, em parte, de vidas vividas na tensão linguageira da diferença colonial.

Diferença colonial

Walter Mignolo começa Local Histories/Global Designs nos dizendo que “o tópico principal deste livro é a diferença colonial na formação e transformação do sistema moderno/colonial mundial”. Conforme a frase “a diferença colonial” desloca-se pela escritura de Mignolo, seu significado torna-se aberto. A diferença colonial não é definida em Local Histories. De fato, uma disposição definidora não é bem-vinda na introdução de Mignolo a esse conceito. Assim, conforme apresento algumas citações do texto de Mignolo, não as estou introduzindo como sua definição da “diferença colonial”. Ao invés disso, a partir da complexidade do seu texto, essas citações guiam minhas ideias sobre resistência à colonialidade de gênero na diferença colonial.A diferença colonial é o espaço onde a colonialidade do poder é exercida.Uma vez que a colonialidade do poder é introduzida na análise, a ‘diferença colonial’ se torna visível e as fraturas epistemológicas entre a crítica eurocêntrica ao eurocentrismo se distinguem da crítica ao eurocentrismo ancorada na diferença colonial […].

Eu preparei a nós mesmos para escutarmos estas afirmações. Pode-se olhar o passado colonial e, como observador/a, ver os/as nativos/as negociando a introdução de crenças e práticas estrangeiras, como também negociando serem assignados/as a posições inferiores e considerados/as contaminantes e sujos/as. Obviamente, ver isso não é ver a colonialidade. Melhor dizendo, é ver as pessoas – qualquer um/uma, na verdade – pressionadas sob circunstâncias difíceis a ocupar posições degradantes que as tornam seres enojantes aos superiores sociais. Ver a colonialidade é ver a poderosa redução de seres humanos a animais, a inferiores por naureza, em uma compreensão esquizoide de realidade que dicotomiza humano de natureza, humano de não-humano, impondo assim uma ontologia e uma cosmologia que, em seu poder e constituição, indeferem a seres desumanizados toda humanidade, toda possibilidade de compreensão, toda possibilidade de comunicação humana. Ver a colonialidade é tanto ver a jaqi, a pessoa, o ser que está em um mundo de significado sem dicotomias, quanto a besta, ambas reais, ambas lutando por sobrevivência sob diferentes poderes. Assim, ver a colonialidade é revelar a degradação mesma que nos dá duas interpretações da vida e um ser interpretado por elas. A única possibilidade de tal ser jaz em seu habitar plenamente esta fratura, esta ferida, onde o sentido é contraditório e, a partir desta contradição, um novo sentido se renova.[A diferença colonial] é o espaço onde as histórias ‘locais’ inventando e implementando os desígnios globais encontram histórias ‘locais’, o espaço onde os desígnios globais têm que ser adaptados, adotados, rejeitados, integrados ou ignorados. [A diferença colonial] é, finalmente, a localização tanto física como imaginária onde a colonialidade do poder opera na confrontação entre dois tipos de histórias locais dispostas em diferentes espaços e tempos ao redor do planeta. Se a cosmologia ocidental é o ponto de referência historicamente inevitável, as múltiplas confrontações de dois tipos de histórias locais desafiam dicotomias. Cosmologias cristã e indígena-americana, cosmologias cristã e ameríndia, cosmologias cristã e islâmica, cosmologias cristã e confuciana, entre outras, só acionam dicotomias onde você as olha uma por uma, não quando você as compara nos confins geohistóricos do sistema moderno/colonial mundial.

Assim, não se trata de um assunto do passado. É uma questão da geopolítica do conhecimento. É uma questão de como produzimos um feminismo que pegue os desígnios globais para a energia do feminino e masculino racializados e, apagando a diferença colonial, recolha essa energia para usá-la em direção à destruição dos mundos de sentidos de nossas próprias possibilidades. Nossas possibilidades apoiam-se na comunalidade, não na subordinação; não estão na paridade com nosso superior na hierarquia que constitui a colonialidade. Por sua relação íntima com a violência, essa construção do humano encontra-se viciada por completo.A diferença colonial cria as condições para situações dialógicas nas quais uma enunciação fraturada é mobilizada pela perspectiva subalterna como resposta ao discurso e perspectiva hegemônicas. A transcendência da diferença colonial só pode ser feita a partir de uma perspectiva de subalternidade, de descolonização e, portanto, a partir de um novo terreno epistemológico onde o pensamento de fronteira é exercido.

Vejo esses dois parágrafos em tensão precisamente porque se o diálogo for com o homem e com a mulher modernos, sua ocupação da diferença colonial envolve sua redenção, mas também sua autodestruição. O diálogo não só é possível na diferença colonial, mas necessário para aqueles/as resistindo a desumanização em localidades diferentes e entremescladas. Assim, de fato, a transcendência só pode ser feita desde uma perspectiva de subalternidade, mas rumo a novidade de ser-sendo.O pensamento de fronteira […] é uma consequência lógica da diferença colonial. […] [O] lócus fraturado de enunciação a partir da perspectiva subalterna define o pensamento de fronteira como resposta à diferença colonial. É também o espaço onde a restituição do saber subalterno está tomando lugar e onde o pensamento de fronteira está emergindo. As diferenças coloniais, ao redor do planeta, são a casa que a epistemologia de fronteira ocupa.

Estou propondo um pensamento de fronteira feminista, onde a liminaridade da fronteira é um solo, um espaço, uma fronteira, para usar o termo de Gloria Anzaldúa, não apenas uma fenda, não uma repetição infinita de hierarquias dicotômicas entre espectros do humano desalmados.

Frequentemente no trabalho de Mignolo, a diferença colonial é invocada em níveis outros que subjetivo/intersubjetivo. Mas quando ele a utiliza para caracterizar o “pensamento de fronteira”, conforme a interpretação que faz de Anzaldúa, ele a concebe exercitando a diferença colonial. Ao fazer isto, ele entende o lócus de Anzaldúa como fraturado. A leitura que eu quero efetuar vê a colonialidade de gênero e rejeição, resistência e resposta. Se adapta à sua própria negociação sempre de maneira concreta, desde dentro, por assim dizer.

Lendo o lócus fraturado

O que estou propondo ao trabalhar rumo a um feminismo descolonial é, como pessoas que resistem à colonialidade do gênero na diferença colonial, aprendermos umas sobre as outras sem necessariamente termos acesso privilegiado aos mundos de sentidos dos quais surge a resistência à colonialidade. Ou seja, a tarefa da feminista descolonial inicia-se com ela vendo a diferença colonial e enfaticamente resistindo ao seu próprio hábito epistemológico de apagá-la. Ao vê-la, ela vê o mundo renovado e então exige de si mesma largar seu encantamento com “mulher”, o universal, para começar a aprender sobre as outras que resistem à diferença colonial. A leitura move-se contra a análise sociocientífica objetificada, visando, ao invés, compreender sujeitos e enfatizar a subjetividade ativa na medida em que busca o lócus fraturado que resiste à colonialidade do gênero no ponto de partida da coalizão. Ao pensar o ponto de partida desde a coalizão, porque o lócus fraturado é comum a todos/as, é nas histórias de resistência na diferença colonial onde devemos residir, aprendendo umas sobre as outras. Compreende-se a colonialidade do gênero como exercícios de poder concretos, intrincadamente relacionados, alguns corpo a corpo, alguns legalistas, alguns dentro de uma sala onde as mulheres indígenas fêmeas-bestiais-não-civilizadas são obrigadas a tecer dia e noite, outros no confessionário. As diferenças na concretude e na complexidade do poder sempre circulando não são compreendidas como níveis de generalidade; a subjetividade corporificada e o institucional são igualmente concretos.

Conforme a colonialidade infiltra cada aspecto da vida pela circulação do poder nos níveis do corpo, do trabalho, da lei, da imposição de tributos, da introdução da propriedade e da expropriação da terra, sua lógica e eficácia são enfrentadas por diferentes pessoas palpáveis cujos corpos, entes relacionais e relações com o mundo espiritual não seguem a lógica do capital. A lógica que seguem não é consentida pela lógica do poder. O movimento desses corpos e relações não se repete a si próprio. Não se torna estático e fossilizado. Tudo e todos/as continuam respondendo ao poder e na maior parte do tempo respondem sem ceder – o que não quer dizer na forma de desafio aberto, mesmo que às vezes seja em desafio aberto – de maneiras que podem ou não ser benéficas para o capital, mas que não são parte de sua lógica. A partir do lócus fraturado, o movimento consegue manter modos criativos de reflexão, comportamento e relacionamento que são antitéticos à lógica do capital. Sujeito, relações, fundamentos e possibilidades são transformados continuamente, encarnando uma trama desde o lócus fraturado que constitui uma recriação criativa, povoada. Adaptação, rejeição, adoção, desconsideração e integração nunca são só modos isolados de resistência, já que são sempre performados por um sujeito ativo, densamente construído pelo habitar a diferença colonial com um lócus fraturado. Quero ver a multiplicidade na fratura do lócus: tanto o acionamento da colonialidade de gênero como a resposta de resistência a partir de uma noção subalterna de si, do social, de ente-em-relação, do cosmos, tudo enraizado numa memória povoada. Sem a tensa multiplicidade, vemos somen-te a colonialidade do gênero como algo já dado ou uma memória congelada, uma compreensão fossilizada do ser-em-relação a partir de uma noção pré-colonial do social. Parte do que vejo é movimento tenso, pessoas se movimentando: a tensão entre a desumanização e a paralisia da colonialidade do ser, e a atividade criativa de ser-sendo.

Não se resiste sozinha à colonialidade do gênero. Resiste-se a ela desde dentro, de uma forma de compreender o mundo e de viver nele que é compartilhada e que pode compreender os atos de alguém, permitindo assim o reconhecimento. Comunidades, mais que indivíduos, tornam possível o fazer; alguém faz com mais alguém, não em isolamento individualista. O passar de boca em boca, de mão em mão práticas, valores, crenças, ontologias, tempo-espaços e cosmologias vividas constituem uma pessoa. A produção do cotidiano dentro do qual uma pessoa existe produz ela mesma, na medida em que fornece vestimenta, comida, economias e ecologias, gestos, ritmos, habitats e noções de espaço e tempo particulares, significativos. Mas é importante que estes modos não sejam simplesmente diferentes. Eles incluem a afirmação da vida ao invés do lucro, o comunalismo ao invés do individualismo, o “estar” ao invés do empreender, seres em relação em vez de seres em constantes divisões dicotômicas, em fragmentos ordenados hierárquica e violentamente. Estes modos de ser, valorar e acreditar têm persistido na oposição à colonialidade.

Finalmente, marco aqui o interesse em uma ética de coalizão-em-processo em termos de ser-sendo e ser-sendo-em-relação, a qual estende e entretece sua base povoada. Posso pensar o ente em relação como respondendo à colonialidade do gênero na diferença colonial a partir de um lócus fraturado, respaldado pela fonte alternativa de sentido que torna possível elaborar respostas. A possibilidade de fortalecer a afirmação e a possibilidade do ente em relação assenta-se não pelo repensar a relação com o opressor a partir do ponto de vista do/a oprimido/a, mas pelo avançar a lógica da diferença, da multiplicidade e da coalizão no ponto da diferença. A ênfase está em manter a multiplicidade no ponto de redução – não em manter um “produto” híbrido, que esconde a diferença colonial -, nas tensas elaborações de mais de uma lógica, que não serão sintetizadas, mas sim transcendidas. Entre as lógicas em operação estão as muitas lógicas que se encontram com a lógica da opressão: muitas diferenças coloniais, mas uma lógica de opressão. As respostas a partir dos lócus fragmentados podem estar criativamente em coalizão, um modo de pensar na possibilidade de coalizão que assume a lógica da descolonialidade e a lógica da coalizão de feministas de cor: a consciência oposicional de uma erótica social, a qual assume as diferenças que tornam o ser-sendo criativo, que permite encenações que são totalmente desafiadoras da lógica das dicotomias. A lógica da coalizão é desafiadora da lógica das dicotomias; as diferenças nunca são vistas em termos dicotômicos, mas a lógica tem como sua oposição a lógica de poder. A multiplicidade nunca é reduzida.

Assim, marco isto como um começo, mas é um começo que afirma um termo profundo que Maldonado Torres chamou de “giro descolonial”. As perguntas proliferam neste momento e as respostas são difíceis. Elas requerem colocar, novamente, a ênfase em metodologias que se adequam a nossas vidas, de maneira que o sentido de responsabilidade seja máximo. Como aprendemos umas das outras? Como faremos isso sem nos causar dano, mas com a coragem de retomar a tessitura do cotidiano que pode revelar profundas traições? Como nos entrecruzarmos sem assumir o controle? Com quem fazemos esse trabalho? O teórico aqui é imediatamente prático. Minha própria vida – as maneiras de usar meu tempo, de ver, de cultivar um pesar profundo – é animada por uma grande ira e dirigida pelo amor que Lorde, Emma Pérez e Sandoval nos ensinam. Como praticamos umas com as outras, engajando-nos em diálogo na diferença colonial? Como saber que estamos fazendo isso?

Não seria porque aquelas de nós que rejeitam a oferta – feita repetidamente por mulheres brancas em grupos de conscientização, conferências, oficinas e reuniões de programas de estudos de mulheres – percebem-na como um fechar de portas à coalizão que iria realmente nos incluir? Não seria o caso de termos sentido uma noção de reconhecimento tranquila, plena e substancial quando perguntamos: “O que significa seu ‘nós’, mulher branca?” Não seria o caso de termos rejeitado a oferta a partir do lugar de Sojourner Truth e estarmos prontas para rejeitar a resposta delas? Não é o caso de termos recusado a oferta na diferença colonial, certas de que para elas havia somente uma mulher, uma realidade apenas? Não seria o caso de já nos conhecermos umas às outras como videntes múltiplas na diferença colonial, concentradas em uma coalizão que nem começa nem termina com essa oferta? Estamos nos movendo em um tempo de encruzilhadas, de vermos umas às outras na diferença colonial construindo uma nova sujeita de uma nova geopolítica feminista de saber e amar.