No passado inverno, um cabeçalho da imprensa comercial recolhia umha notícia chamativa: dez javarins eram atropelados, em apenas seis horas, em distintas estradas da Galiza. Um dos animais resistia mesmo um atropelo e era vítima dum segundo, tempo depois, na A-52, à altura de Ribadávia. A informaçom, obviamente, nom era anedótica. Representava mais um exemplo dum problema crescente: em 2018 registárom-se em território da CAG 1180 accidentes relacionados com javarins, os mais deles com resultado de morte para o animal.

A luita dos gadeiros contra a proliferaçom do javarim, reclamando compensaçons económicas que a todas luzes resultam legítimas, está a criar um imagem impopular do porco bravo, e por extensom, a ideia dumha explossom incontrolável de fauna selvagem na Galiza. A imagem nom pode ser mais distorcida. Se bem o javarim, e outras espécies como o corço, proliferam caoticamente polo medre do mato e o recuar da terra cultivada, na realidade, centos de espécies de mamíferos, aves e insectos estám a ver-se ameaçados pola extensom das infraestruturas energéticas e de transporte. O pulo que o capitalismo das últimas décadas deu à circulaçom de mercadorias inçou o território de vias de comunicaçom e grandes infraestruturas de extracçom e evacuaçom energética. Com elas chegou umha alteraçom do meio que, além de desruralizar a sociedade e impor umha mobilidade motorizada de longo alcanço, desordenou a vida selvagem.

Estradas, rodovias, autoestradas: fauna cercada e deslocada

De nom mediar um colapso acelerado, num prazo de quinze anos, a extensom de superfície coberta polo betom no planeta terra equivalerá à distáncia que nos arreda do planeta Marte. É umha comparativa da imprensa comercial, que dá ideia do cerco que a fauna selvagem pode sofrer polas fracturas territoriais que imponhem as grandes rodovias. Se continuar este ritmo construtivo, o 22 % da populaçom de aves e o 47 % da populaçom de mamíferos desaparecerá do nosso continente.

Desde que as avaliaçons de impacto ambiental (AIA) tenhem virado obrigatórias no capitalismo desenvolvido, legions de cientistas avaliam em informes minuciosos o dano causado. Um exemplo temo-lo na pesquisa que veu a luz em 2016 na prestigiosa publicaçom estadounidense ‘Proceedings of the National Academy of Sciences’, focada nos danos causados à fauna pola rede de estradas e autoestradas europeias. Os atropelos massivos, os entornos que se degradam por estarem cercados por betom, e portanto som abandonados por parte da fauna, e a perda de diversidade genética causada pola remoçom no meio, som todos eles considerados problemas de grande envergadura. Apenas o 2 % dos mamíferos na Europa estám livres dos efeitos lesivos do betom, que alcança também o 60 % das aves.

Grandes redes viárias deslocam e cercam movimentaçom natural da fauna

Como é isto possível? Segundo as especialistas, há três efeitos nocivos muito claros das infraestruturas construídas em favor do carro: o efeito barreira, que impede espécies variadas de cruzarem dumha zona a outra da autoestrada; com a maior imobilidade dos animais (e nomeadamente das aves), entorpece-se a mobilidade de sementes e froitos, o que produz um empobrecimento geral do ecossistema. Ao efeito barreira acrescenta-se o efeito borde: nas beiras das autoestradas dá-se umha alteraçom dos índices de temperaturas, humidade e radiaçom; mudanças à que som especialmente sensíveis as aves e os insectos. E finalmente, os atropelos, que constituem a dimensom mais espectacular, mas nom a mais grave, do problema.

Se olharmos um mapa de infraestruturas rodoviárias, podemos ver que a Galiza tem umha rede relativamente pouco densa, e isso explica a proliferaçom do javarim, do corço, ou do lobo; muito longe, é certo, das imensas zonas virgens que apresentam a Islándia, a Noruega e a Estónia, mas bem menos agredida que áreas tam humanizadas como Bélgica, Luxemburgo ou a Holanda.

Aves, as vítimas esquecidas dos moinhos eólicos

Lá onde as desfeitas do industrialismo se consumárom primeiro, também foram desenvolvidos os primeiros estudos críticos com a desconsideraçom capitalista com o meio. Quando ainda nom se desenvolvera o negócio do ‘capitalismo verde’ e a energia eólica era considerada umha fonte impoluta, capaz de superar sem custes a dependência das energias fósiles, certas pesquisas desvendárom os seus efeitos na avifauna. Em tempos mais recentes, um estudo da Universidade de Purdue e do Serviço Geológico dos USA apontou que as áreas inçadas de turbinas eólicas viravam hostis para a alimentaçom, o repouso e a nidificaçom de muitas espécies. E ainda que se pudesse pensar que som as colónias de aves locais as atingidas, o estudo salientou que estas grandes infraestruturas disuadem aliás as aves migratórias e mudam seriamente as suas rotas. As aves que nom som directamente seccionadas polas pás perdem zonas de caça e alimentaçom, abandonam hábitats, e deixam os territórios irremisivelmente desequilibrados e empobrecidos.

A visom dominante, quer na casta política, quer na maioria da populaçom, aponta estes serem ‘danos menores’, simples preocupaçons de ornitólogos devotados à paixom quase caprichosa polos paxaros. Mas mesmo associaçons nada suspeitosas de radicais como Seo Bird Life criticam duramente o modelo. Apoiando-se em estudos de alcanço europeu, ambientalistas afirmam que, ‘embora cada parque eólico isoladamente puder implicar umha ameaça mínima sobre o ambiente (…) o impacto acumulativo das instalaçons eólicas (…) pode ser significativo’. O avanço tecnológico na construçom de parques está a levar à instalaçom de torres muito mais altas (as projectadas para a comarca de Ordes, por exemplo, superarám os 160 metros) e com maior diámetro de pás. O seu poder destrutivo será ainda maior contra as aves.

Outro lugar comum em favor da ocupaçom massiva do território por eólicos afirma que estes apenas afectam a aves de grande tamanho, como as de rapina; e além disso, que as cifras de mortalidade nom som tam elevadas. Estudiosos argumentam, pola contra, que conhecemos a desfeita causada nas aves de grande envergadura (águias ou butres) por serem muito visíveis os seus restos, mas isto nom exclui a provabilidade de danos nos pequenos animais, cujas mortes nom detectamos por razons óbvias. Quanto ao pequeno número de vítimas, SeoBirdLife explica que ‘taxas de mortalidade muito pequenas podem ser condenatórias para espécies ameaçadas’.

Preocupaçom institucional?

Num estudo do CSIC publicado em 2011 no ‘Journal of Applied Ecology’ denunciava-se com rigor que ‘o 80 % dos parques licitados em território espanhol’ incumpriram nos seus AIA a correcta atençom ‘à distribuiçom, abundáncia e uso do território’ por parte de aves. Foi umha primeira chamada de atençom, formulada dentro da institucionalidade académica, ao entusiasmo acrítico das energias renováveis.

Na actualidade, qualquer política institucional que se preze deve ter verniz verde; e está-se a dar umha confluência poderosa entre essa cosmética e grandes blocos empresariais que pensam em remoçar umha parte do capitalismo na sua (mais teórica do que real) descarbonificaçom. Quiçá seja esta inserçom do ecologismo superficial nas chaves do poder a que explique certa política de gestos e algumha anedota curiosa. Neste verao, sem irmos mais longe, a Junta ordenava a paralisaçom temporal de 94 moinhos, pertencentes a três parques diferentes, na Serra do Cando. A razom, a protecçom dum exemplar do muito ameaçado butre negro (‘Aegypus monachus’) que pairava sobre a zona, procedente de Portugal. No país vizinho acoplara-se-lhe um GPS de controlo para o estudo científico, e assim amantes da fauna puidérom detectar o perigo que corria.

No ámbito empresarial, a companhia Vortex Bladeless tem anunciado desde 2015 a construçom de aerogeneradores sem pás. Trata-se de cilindros verticais semi-rígidos que se ancoram ao chao, entram em resonáncia com as correntes de vento que se generam no seu ronsel, e transformam-nas em energia por induçom electromagnética. Por enquanto, a empresa afirma estar na fase de ‘certificaçom e planificaçom’ das instalaçons, e lançou umha campanha de Beta testing com a que se apresenta em eventos internacionais do sector energético.

Críticas severas

Os dados, até o momento, som rotundos. Segundo a Sociedade Galega de História Natural, entre médio milhom e dous milhons de aves e quirópteros podem morrer cada ano na nossa Terra polo efeito das turbinas. É a consequência directa, segundo os ambientalistas, de ‘a Junta nom ter elaborado, entre 1992 e 2004, umha proposta de Rede Natura aceitável em Bruxelas’, o que deu lugar a umha ocupaçom indiscriminada dos nossos cúmios por estas infraestruturas.

Há já mais dumha década, o ecologista Xabier Vázquez Pumariño sintetizava num artigo no desaparecido digital Vieiros que o produtivismo cego que guiava a instalaçom eólica na Galiza: ‘o perfeito exemplo de como umha boa ideia é convertida polas corporaçons energéticas, em conivência com os diferentes governos (bem por interesse, bem por ignoráncia) numha ideia perversa.’ O projecto de habilitar no nosso território 6500 MW, duplicando o volume de países como Dinamarca, apesar de contarmos com menos território e habitantes, foi um desenho fraguiano assumido polo bipartido, e obviamente continuado por Feijoo e as divisons industriais do PP na década que andamos. Com o património cultural, a vizinhança das aldeias cercanas, e a paisagem, também padecerám as aves, sempre que o movimento popular nom seja quem de reduzir o alcanço da desfeita.