Nalgumhas biografias cruzam-se os grandes acontecimentos do século XX com as vicissitudes da galeguidade: politizaçom obreira e fascismo, guerra mundial e regime concentracionário, derrotas e esperanças; e também exílio, associativismo emigrante e afirmaçom nacional. Hoje resgatamos ao noiês Vázquez Valiño, mais um dos milhares de esquecidos. Deve voltar à nossa memória por justiça; e através da sua vida, compreenderemos melhor quem fomos, e como chegamos até aqui.

Retrato do noiés

O galego combativo longe da Terra foi umha figura importante no século passado, até o ponto de fazer-se um modelo difundido na cultura popular. O lugar comum reduziu-nos ao emigrante servil e laborioso ou, no pior dos casos, ao dirigente ao serviço da metrópole. Há, porém, outra imagem mui forte. ‘Venho a limpar Argentina de gringos e galegos anarquistas’, dixera o ditador Uriburu na década de 30. Naquele país, o presidente Ortiz, que presumia de ascendência euscaldum, manifestara: ‘quando um basco desembarca em Bos Aires, o primeiro que fai é ouvir missa na igreja de Santo Inácio; o primeiro que fai um galego é buscar outro mais…e abrir-me um sindicato’. Era mui forte a pegada do grande líder ferrolao, ‘Gallego Soto’, que sublevara a Patagónia e se negara a umha negociaçom trampeira com o exército, a que rematara com o fusilamento de mais de mil trabalhadores: ‘eu nom som carne para os cans; se há que ficar a pelejar, eu fico’.

Vázquez Valiño é mais um dessa Galiza errante polo mundo que pujo as virtudes do povo ao serviço de causas nobres. As suas origens estám em Noia. Nasce em 1910 e forma-se como sapateiro. Emigra à Argentina de mocinho para nom servir o exército espanhol. De volta à sua vila, integra-se na CNT e fai parte da corporaçom municipal nas fileiras de Izquierda Republicana. Desde que os golpistas iniciam o genocídio, a sua sorte liga-se à do movimento libertário durante mais de duas décadas. Fugindo num bou dumha morte segura, instala-se em Astúrias, onde ajuda a artelhar a Federaçom Regional de Juventudes Galaicas no Norte. Deslocado à Catalunha com o avanço fascista, continua integrado na Federaçom de Agrupaçom Galegos Libertários. É um dos dinamizadores da revista ‘Galicia Libre’, que partilha nome e espírito combativo com este portal, embora se escreva em espanhol e se posicione no antinacionalismo de que faziam gala os libertários. Escreveu-se em zona leal entre 1937 e 1938. Na mesma jeira, Seoane e Núñez Búa lançavam na Argentina a revista republicana do mesmo nome, subtitulada ‘Semanário popular informativo’. Na realidade, a extensom de legendas patrióticas como esta provam que as ideias força do galeguismo iam ganhando espaço, nem que for no mais simbólico. Para além disso, se os libertários galaicos se agrupam em estruturas de seu, isso demonstra o calado da solidariedade étnica inclusive em projectos cosmopolitas, e o peso da irmandade forjada em muitos anos de luita social. For ou nom por acaso, o ilustrador de ‘Galicia Libre’, e desenhador do seu cabeçalho, Manuel Crestar, era um ex-militante das Irmandades da Fala de Betanços, colaborador de Céltiga, vinculado a Álvaro Cebreiro, que passa ao mundo libertário por influência dos ambientes livre pensadores da Corunha. Percurso em sentido inverso, como logo veremos, fará o militante de Noia. Com Vázquez Valiño estám, ainda ciscados pola geografia peninsular polas contingências da guerra, sindicalistas como Fandiño Ricart ou Pita Armada, e também ‘faistas’ procedentes da acçom directa como o compostelano Amil Barcia, o pontevedrês Chamorro Castro ou um ourensano incombustível, Ledo Limia. Os mais deles morrerám em soidade, bem no exílio distante, bem na amargura do exílio interior, esmagados pola lousa de silêncio do franquismo.

A derrota republicana leva Vázquez ao exílio e aos campos de concentraçom da França; nos estertores do nazismo, colabora com a Resistência, e ainda tem tempo para formar umha delegaçom na Europa da Confederaçom Regional Galaica da CNT. Os estudos do anarquismo (‘Fernández e Pereira: O anarquismo na Galiza. Apuntes para umha enciclopedia’) situam-no em tarefas organizativas da CNT de Toulouse e em postos de responsabilidade no Movimento Libertário Espanhol. Alguns estudos apontam que constituiu, junto com Sánchez Triñanes, Antonio Martínez, Rafael Muertes e José Vergara, um grupo de acçom decidido a executar Franco a finais dos 40, coincidindo com as férias corunhesas do ditador. Precisamente nessa etapa fam-se públicas as suas sérias desavinças com várias figuras libertárias como José Peirat Valls. A consciência galega de Vázquez Valiño, que sempre deveu ser forte, parece avivecer na altura. Em 1949 escreve o limiar do livro homenagem a um dos nossos vates: ‘Curros Enríquez. Poeta épico de la España heroica’, do libertário viguês Campio Carpio.

Díaz Valiño estivo recluiso em um campo de concentraçom francês ao rematar a guerra civil espanhola

Além mar, nacionalismo

No ano 1950, Vázquez está no Brasil e, segundo Fernández e Pereira, a sua ruptura com o anarquismo é definitiva, depois de polémicas acedas. Em 1955, com 45 anos, recala no Uruguay, o país onde sobrevive o centro galego mais antigo do mundo (foi fundado em 1879). Numha trajectória que recorda a de tantos arredistas em Cuba ou Bos Aires, além mar encontra-se com a ideia nacional e a auto-organizaçom sem dependências. Anima as actividades da Casa de Galiza e do Centro Corunhês, o que motiva críticas dos seus afins, pola obediência franquista da primeira entidade; dirige a revista ‘Finisterre’, e integra-se na Irmandade Galeguista de Montevideo, com umha decantaçom ideológica clara. A sua pluma e as suas dotes organizativas estám por trás da ediçom d’O Irmandiño, vozeiro da entidade.

Vozeiro da Irmandade Galeguista de Montevideu

Em 1964, no momento em que o nacionalismo se reorganiza na Terra, Valiño é um dos fundadores do Patronato da Cultura Galega de Montevideo, que neste verao cumpriu 55 anos. Entre as muitas actividades desenvolvidas pola entidade, salienta a emisom radiofónica de ‘Sempre em Galiza’. O programa mantém desde entom umha ediçom semanal na nossa língua. Continuava assi o esforço por situar o idioma nas formas mais modernas de comunicaçom, encetada em 1933 com as emissons de Uniom Rádio e a plataforma pro-estatuto, que tanto popularizaram ‘O Velho dos Contos’. Este galeguismo radiofónico foi importantíssimo na hora de manter a bandeira ergueita em tempos difíceis. Bos Aires, Londres ou Portugal fôrom outros focos de emissons galegas em quatro décadas de ditadura.

Vázquez Valiño, como tantos outros e outras compatriotas decididos a empresas colectivas e castigados por circunstáncias exigentes, demonstrou grandes capacidades organizativas, que nos galegos adoitam brilhar longe da Terra. Possivelmente aguilhoado pola dor da distáncia, extremou o seu sentimento patriótico até fazê-lo ideário galeguista. Este nasceu e desenvolveu-se aquém e além mar, sempre arredor do Atlántico, ao alento de correntes de pensamento e tradiçons políticas que vencelhárom a nossa causa com um pensamento avançado de alcanço universal.