O interesse polos efeitos do capitalismo sobre a saúde mental das pessoas medra cada dia. Na populaçom existe umha sensaçom crescente de os malestares íntimos relacionarem-se com um modo de organizar a vida, e particularmente a economia, movido polo lucro. Neste portal temos debulhado a relaçom das psiques danadas com a questom social. Ainda, tem-se reparado menos num aspecto igualmente importante : se o povo trabalhador padece um certo desequilíbrio induzido polo contexto, que acontece com os quadros e classes dominantes? Umha palavra temida, ‘psicopatia’, aparece como chave explicativa do comportamento dos que mandam.
Psicópatas: o mal oculto
O sociólogo Iñaki Piñuel y Zabala, professor na Faculdade de ADE de Alcalá de Henares, tem estudado em profundidade o perfil psicopático nas nossas sociedades. E numha entrevista concedida em 2012 ao programa ‘El Vórtice’, advertia contra o erro de interpretarmos o psicópata com os perfis que popularizou o cinema de Hollywood : ‘um mau malíssimo, com olhar perverso, pensando sempre em fazer o mal’. Os psicópatas, segundo estudos psiquiátricos recentes, representam perto do 2 % da populaçom (embora nom chegam ao 0,8 % no caso das mulheres). Nom padecem umha percepçom distorcida da realidade nem delírios fantasiosos, tampouco estám pensando em cometer assassinatos. Som, pola contra, tristemente realistas. O seu traço mais acusado e perigoso é a frialdade sentimental, a ausência de empatia. Recorda Piñuel que se revestem sempre com ‘muita inteligência e encanto, estám integrados socialmente, apresentam bom aspecto.’ Um traço senlheiro delata-os : gostam, por cima de todo, do poder. Por isso este perfil prolifera especialmente nos postos de mando da sociedade, forem económicos, políticos ou administrativos. Dacordo com Piñuel, autor dum livro intitulado ‘Mi jefe es un psicópata. Por qué la gente normal se vuelve perversa al alcanzar el poder’ as condiçons sociais do capitalismo fam proliferar a personalidade psicopática. ‘Por volta dum 12-13 % da populaçom desenvolve tendências que apontam a este modelo de comportamento.’ Até certo ponto, na consciência social intui-se o problema. Segundo um inquérito de começos da década que andamos, ‘36 % dos assalariados e assalariadas do Estado espanhol recomendariam que o seu chefe fosse à consulta do psicólogo.’
Frialdade, coiraça, psicopatia
O mal existiu sempre e, segundo os sábios de todas as épocas, aninha no mais fundo da condiçom humana. Se historicamente o ser humano amossou insensibilidade com os seus congéneres, há na actualidade algo de novo? Para psicólogos e psiquiatras críticos, a resposta é evidente. ‘Podemos dizer que vivemos numha sociedade nom inmoral, mas si amoral’, diz o psiquiatra asturiano Guillermo Rendueles numha entrevista. Passamos dumha sociedade do dever, onde se considerava boa pessoa quem demonstrava lealdade e honradez, a umha sociedade que premia a habilidade para o triunfo individual, sem mais matizes, afirma este profissional, historicamente comprometido com a esquerda. Para Rendueles, há dous modelos condutuais que virárom paradigma, mesmo nas classes populares. Um é o ‘lura’ ou ‘free-rider’, estudado polo cientista norteamericano Mancus Olson. Trata-se da pessoa que pretende ser beneficiária da acçom colectiva sem participar dela, isto é, evitando os seus custos e gozando das suas conquistas; e outra é o emprendedor que, como diz Rendueles, semelha-se demasiado ao estafador. É a pessoa que demonstra ‘gosto polo risco, rapidez de avaliaçom situacional, ambiçom, seduçom, desejo de lucro, hipocrisia afectiva e inteligência emocional.’
Piñuel dá outras chaves de explicaçom, nom contraditórias, mas complementares das apontadas por Rendueles. Vivemos em ‘sociedades frias’ onde o contacto humano é escasso ou apenas digital. ‘Apesar do avanço em direitos no último século, vivemos rodeados de estímulos traumatizantes que conduzem à insensibilidade’. O distanciamento emocional ou, por palavras de Piñuel, o ‘neopreno emocional’ é umha medida de autodefesa da própria psique para viver um mundo com escassos vencelhos, precariedade laboral e mobilidade geográfica. Se Rendueles fala dumha sociedade inmoral, Piñuel define-nos como ‘umha sociedade de indiferentes’. Nela medra o psicópata, e mesmo a populaçom mais saudável chega a vê-lo como um perfil convencional, um tipo de pessoa com a que conviver, e pola que nom cumpre alarmar-se.
Psicopatia e mobbing
Falar em psicologia leva-nos a falar em ‘mobbing’, um fenómeno que nom por acaso começou a fazer-se popular nos alvores do neoliberalismo. Do inglês ‘acossar’, foi tomado da ornitologia, e refere-se à conduta defensiva de pequenos paxaros que atosigam um ave mais grande. Na sociedade humana, refere-se às manobras constantes de erossom no centro de trabalho, que muitas vezes rematam na ruína psicológica do trabalhador ou trabalhadora que as padecem. Foi o cientista sueco Heinz Leyman o primeiro em estudá-lo, e desde aquela medrou como problema social. O feito de que no código penal espanhol esteja tipificado como um delito de tortura e contra a integridade moral dá prova do seu alcanço ; de feito, em maio de 2011, o governo espanhol viu-se na obriga de promulgar um regulamento contra o mobbing nas administraçons públicas.
Sobram os exemplos que ratificam a magnitude do fenómeno: na Galiza, como em outros países, tenhem-se formado associaçons destinadas a combater os efeitos desta forma de mau trato. A Associaçom Galega contra o Mau Trato Moral no Trabalho, que se define como aconfessional, independente e nom política, tem dado voz a pessoas que padecem na sua pele o mobbing.
Entre o 10 % e o 15 % da classe trabalhadora, segundo estatísticas oficiais, sofre mobbing. Umha parte da explicaçom topa-se na fraqueza sindical e na individualizaçom extrema das relaçons laborais ; umha outra, em quadros psicológicos psicopáticos em postos de mando, que se sentem fortes ante um perfil de trabalhadora sozinha, falta de autoestima e sem ferramentas de defesa. ‘Só numha sociedade narcisista -isto é, insegura, composta por pessoas desejosas de reconhecimento- pode triunfar o psicópata’, diz Piñuel.
Do micro ao macro: as corporaçons
O que acontece nos nossos ámbitos quotidianos translada-se, tristemente, à dimensom global da economia e as finanças. Partido do conceito psicopatia elaborou-se um afamado documentário em 2003 sobre o capitalismo. Intitula-se ‘The Corporation’ e foi dirigido por Marck Achbar e Jennifer Abbot, que se inspiraram no livro ‘A Corporaçom. Perseguiçom patológica do lucro e do poder’ (Joel Backan). No documentário som entrevistadas 43 pessoas relacionadas com o mundo das multinacionais, para se concluir que os quadros dirigentes das finanças apresentam um perfil ‘antisocial, amoral e irresponsável’. De se aplicar umha análise psicológica às grandes empresas, tratando-as como se fossem humanas, o diagnóstico seria claro: psicopatia.
A reproduçom do mal
A literatura especializada nom é concluinte sobre se a personalidade psicopática nasce ou se fai. Há quem a atribua a traços genéticos, e há quem fale do peso do ambiente. Seja como for, parece evidente que ter padecido lideranças psicopáticas contribui para exercer, chegado o momento, mandos psicopáticos. Piñuel fala do fenómeno de ‘clonaçom de neomanagers’ para explicar a multiplicaçom dos chefes tóxicos na empresa neoliberal. A semelhantes conclusons chegou o escritor e jornalista británico Jon Ronson. No livro ‘The Psychopath Test’, elaborado também através de entrevistas a quadros dirigentes, afirmou: ‘o sistema capitalista premia muitas características do psicópata’.