Imagem: Sermos Galiza
No passado sábado 10, dúzias de solidários e solidárias bretás concentravam-se diante do concelho de An Oriant para reivindicar a condiçom nacional da Galiza e Bretanha. Um gesto valente e sensível com o nosso país convocado na Fisterra do norte, ante a política negacionista de franceses e espanhóis com os respectivos feitos diferenciais do occidente dos seus Estados.
Nas mesmas datas em que a Junta manipulava as palavras literais dos organizadores do Festival do Mundo Celta de An Oriant, para eliminar a palavra ‘naçom’ e substituí-la por ‘território’, as e os soberanistas bretons alporiçavam-se polo silenciamento francês. Em todas as filmaçons da televisom gala baniam-se as imagens reivindicativas a prol da unidade bretá. Hoje o o país está fracturado em vários departamentos artificiosos, e mesmo a capital histórica, Naoned (Nantes) fica fora da demarcaçom tolerada da Bretanha. Nos últimos anos, a luita pola reunificaçom bretá numha entidade auto-governada está a ser um dos esforços fundamentais do arredismo, nomeadamente do agrupado em Breizhistance. Trata-se dumha reivindicaçom de massas que transcende o próprio independentismo. Baixo o nome 44=Breizh, dúzias de colectivos enchêrom as ruas da capital no setembro passado, berrando contra o centralismo francês.
Irmaos desde os alvores
A história, como sempre, serve-nos para entender de onde procede esta compreensom recíproca entre ambas as terras, que abrolha quando tem ocasiom. O galeguismo tivo entre os seus horizontes internacionais preferidos, bem é certo, a Irlanda ou a Catalunha. Cabanilhas falava da ‘irmancinha adourada que passache o mar’, e Branhas vincava na laboriosidade e afouteza catalás. Porém, se queremos topar umha relaçom internacional de longo alcanço e fondura étnica -além do caso óbvio de Portugal- temos que ir a Bretanha, a velha terra de Armórica.
O norte da nossa terra -um área que vai aproximadamente do Eume a Návia- recebeu forte pegada bretá. O bispo Maeloc, fundador da diócese de Bretonha (hoje Mondonhedo) chegou no século VI fugindo das invasons saxonas das Ilhas Británicas. Se o grosso dos seus compatriotas se afincárom na fisterra armoricana, um núcleo dos expatriados baixárom ao Cantábrico e consumárom a achega céltiga mais recente da nossa história.
Laços culturais
Som fundamentais para saber quem somos os contactos oceánicos, e neles incluem-se as vias de comunicaçom do que Paz Andrade chamava o ‘Mar Céltigo’. Diz-se que por ele -como polo Caminho de Santiago- forjárom-se laços culturais importantíssimos. Um deles foi o literário, pois a Matéria de Bretanha tivo e tem umha versom galega de primeira orde. As estórias do rei Artur som porventura a porçom mais exitosa da literatura céltica, umha mestura de épica anti-saxona, mitologia pre-romana e cristianismo. Velhas colunas da catedral de Santiago reproduzem fragmentos da lenda de Tristám, que já era conhecida entre nós no século XI. E em data tam seródia como o século XIV publica-se em francês Ponthus e la belle Sidonie. Narra os amores de Pontus, filho do rei da Galiza, com Sidonie, filha do rei da Bretanha.
Como é sabido, os nossos grandes criadores do século XX som continuadores orgulhosos da Matéria da Bretanha: Ramón Cabanillas, Álvaro Cunqueiro e Méndez Ferrín percorrem este caminho. Nom o fam apoiando-se apenas na cultura letrada das elites. Lendas como a de Sam Brandám e Santo Amaro, buscadores de ilhas paradisíacas, fam parte dos patrimónios culturais de ambos os territórios; também o graal, que loze no nosso escudo mais antigo. Autores como Leandro Carré fôrom mais longe e, há mais dum século, afirmárom que os vizinhos mais idosos mentavam em algumhas aldeias Merlim, ‘um velho que sabia muito.’ Castelao captou muito bem na sua viagem a Breizh o que havia de vencelho galaico-bretom nos ámbitos culto e popular: “os bretons armoricanos -conta o rianxeiro no artigo “Santiago na Bretanha”- fôrom sempre muito dados às grandes pelegrinagens, e depois da que chamam o ‘Trou Breizh’, que consistia em visitar as cinzas dos sete santos bispos evangelizadores da Armórica e criadores da naçom bretoa, a mais popular foi a pelegrinagem a Santiago de Compostela (…) em língua bretá a Via Láctea segue chamando-se caminho de Santiago (Hent San Jakes).”
História, política e luita
Quem consultar guias turísticas de consumo massivo, sem mais intençom política que o mercado, decatará-se de que qualquer alusom à Galiza e à Bretanha passa sempre por mentar as suas asombrosas semelhanças. Gastronomia e paisagem, música e folclore, condiçom de povos emigrantes…mesmo um artigo recente na rede intitulava-se “Bretanha: a Galiza francesa”; evidentemente, nestes repassos falta um elemento central: a mençom à soberania arrebatada. A Galiza perdeu a sua entidade política num período que medeia entre o século XIII e o século XV, e a Bretanha no século XVI. O liberalismo supujo a estocada definitiva ao velho reino e ao velho ducado; no nosso caso, com a divisom provincial de Javier de Burgos, no caso bretom, com o centralismo da Revoluçom francesa. O auto-ódio minou desde aquela o pulo de capas muito amplas de ambos povos.
E ainda que as diferenças som muitas, a resposta identitária também tem paralelismos impactantes. A Galiza desenvolveu o seu arredismo -fundamentalmente além mar- na década de 30, enquanto os nacionalistas bretons apostavam pola conspiraçom e acçom directa do movimento Gwenn ha Du. E se bem parte do Emsav (‘Movimento’) se deslegitimou polo seu apoio aos ocupantes nazis na II Grande Guerra, o ciclo esquerdista europeu da década de 60 volveu ubicar o movimento bretom na opçom revolucionária. Como é sabido, é na cidade fisterá de Brest onde Uniom do Povo Galego, Uniom Democrática Bretá e Movimento Republicano Irlandês assinam a ‘Carta de Brest’. Decorre 1974, e um ano mais tarde, organizaçons bascas, catalás, occitanas, corsas, sardas… somarám-se à iniciativa. Foi um exemplo de livro de como podem congeniar nacionalismo e internacionalismo num mesmo contexto geopolítico.
Como na Galiza, as décadas de 70 a 2000 som na Bretanha de integraçom no sistema do nacionalismo maioritário, de tentativas de organizaçom independentista, luita armada e dura repressom, com dúzias de presas e retaliados. Um movimento teimudo, numericamente pequeno mas mui persistente, com certa capacidade de influência e grande liderado cultural. Mais um paralelismo que chama a atençom, e que deu lugar a um acto de irmandade como o do passado fim de semana em An Oriant. É muito provável que a Galiza e a Bretanha continuem a escrever páginas conjuntas, ou quanto menos coincidentes, na sua afirmaçom.