Por Enrique Dussel /
Michel Foucault na sua obra Vigiar e punir descreve as técnicas polas que o Estado moderno europeu disciplina os corpos da cidadania, com mecanismos de informaçom que ele denomina panóptico, que como um serviço de inteligência sito em todos os intersticios do poder político fita e castiga a cidadania. Este panóptico exerce-se derriba para baixo, do Estado e a representaçom política para a comunidade política ou o povo. A Inquisición no Estado moderno espanhol do século XVI foi já um aparato ideológico do Estado que cumpria essa funçom.
Estou agora a referir-me a um tema inovador na história mundial; um acontecimento, diria Alain Badiou, que tinge desde agora para diante o processo político das decisons públicas das burocracias dos governos das democracias representativas, especialmente nos Estados que organizárom a sua dominaçom no planeta para cumprir os seus interesses metropolitanos (como Estados Unidos, os países europeus, Japom e alguns mais). Trata-se da posta à disposiçom da cidadania do comum de milheiros de documentos, que exprimem juízos secretos habituais nas comunicaçons das burocracias destes Estados dominantes, que fundamentam decisons políticas que afectam milhons de seres humanos de países dependentes ou neocoloniais. Esse secretismo abeirado sob a razom de Estado (por cima do tam pregoado Estado de direito) define a estrategia política como umha angueira cínica que exige agachar-lhe certas verdades à própria comunidade política, ou o povo, e muito mais a aqueles povos que ham sofrer essas decisons políticas. Isto supom um juízo de fundo desprezo polo próprio povo, e mais polos povos alheios, como nom aptos para entenderem essas razons em favor do Estado que os governa e representa. A chamada democracia representativa arroga-se assim todo o poder, caindo num fetichismo político que desvirtua a política como tal, e igualmente à democracia que lhes serve como ponta de lança na sua cruzada guerreira no mundo.
A democracia representativa cumpre e é conveniente, porque responde a um princípio de realismo político. Nom é possível governar numha assembleia permanente de milhons de cidadás. Porém, de aí à aceitaçom, e à nom institucionalizaçom da -com maior razom, e também precisa e substantiva- democracia participativa, há muita distância.
O acontecimento da posta a disposiçom polos meios electrónicos de milheiros de documentos que nunca devérom ser secretos (já que a cidadania tem direito a conhecer as razons que fundamentam as tomas de decisons do governo representativo, e mais quando pola corrupçom beneficiam só a certas oligarquias que proliferam à sombra do poder) para poderem ser lidos por milhons de leitoras anónimas, mas que constituem as comunidades políticas ou os povos do planeta, é um facto que muda a natureza da participaçom. É a expressom dum panóptico agora justo, legítimo, substantivo de baixo para arriba, que permite cumprir coa sua condiçom a funçom essencial da democracia participativa (articulada e nom negaçom da democracia representativa). A democracia participativa é o sistema de legitimaçom polo que o povo cumpre a funçom, entre outras, fiscalizadora respeito da burocracia do governo no seu momento democrático representativo. Se a representaçom se está a corromper em todos os países neste momento; se os governos vegetam na impunidade, é porque o povo nom tem instituiçons participativas de fiscalizaçom. Fiscalizar é poder julgar, e condenar e castigar (por exemplo coa revocaçom do mandato em casos extremos) aos que cumprem cargos ou encargas representativas. As representantes constituem mafias fetichizadas que nom rendem contas mais que a si próprias, por isso se corrompem impunemente.
E bem, a posta em consideraçom pública de documentos que nunca devérom ser secretos, a verdade revelada das ficçons, mentiras, juízos parciais injustos, etecétera, vem a permitir cumprir com umha condiçom dessa funçom fiscalizadora da democracia participativa. O governo (os burocratas da representaçom fetichizada) estado-unidense escandalizam-se de que informes secretos sejam colocados à luz pública.
E é mais, dispom que essa burocracia nom deve aceder a esses fundos documentais, polo que se viram cegos diante de revelaçons que a cidadania do comum doutro país há poder ter em conta. Quer-se dizer, zouponamente convertem o governo (quando menos aos níveis inferiores da representaçom) em simples monicreques da elite dominante, que vai ser a única (já que por suposto se lhe tenta empecer ao povo esse conhecimento) que vai ter o pleno manejo estratégico dum povo cego e servil, o próprio povo estado-unidense.
Resulta tarefa impossível cegar um povo que começa a conhecer a verdade através dumha revoluçom tecnológica na política, análoga ao que foi a máquina de vapor para a revoluçom industrial no processo de produçom fabril. Os meios electrónicos som o instrumento tecnológico que transforma, subsumindo-o materialmente, no processo de toma de conhecimento e decisom política neste século XXI. Milhons de pessoas podem conhecer por dentro a trama do poder corrupto representativo das grandes potências, e isso há-lhes permitir cumprir a funçom fiscalizadora da democracia participativa, que é a gram revoluçom política em curso no século XXI.
Aclamemos daquela os novos heróis, e mesmo mártires, da liberdade de expressom e imprensa, da liberdade do conhecimento dos materiais necessários para tomar decisons políticas, que se ham objectivar posteriormente numha maior madureça na eleiçom de representantes, e na fiscalizaçom permanente do seu accionar, que poda e deva ser castigado.
Trata-se entom do começo do despregamento dum sistema panóptico, de baixo para arriba, essencial para a democracia participativa, a escala mundial, e contando com os meios tecnológicos ponteiros, que permita a superaçom da crise de representaçom pola perda dos governos fetichizados do monopólio da informaçom. É um auténtico IFAI (Instituto Federal de Acceso a la Información Pública em México) nas maos do povo e posto à disposiçom de todos e todas através das redes electrónicas. Cidadania do mundo, informe-se para derrotar o secretismo cínico e manipulador da representaçom política corrupta!
*Publicado originariamente em rebelion.