Há centos de anos o rio Lagares era conhecido como rio Sárdoma. Um dos humildes regos que o alimentam ainda conserva o seu nome indígena, o Sardomela. Desde o Alto do Seixo pode contemplar-se o imenso vale traçado polas suas águas. Um Vigo aberto aos montes comunais da Madroa, do Cepudo e do Galinheiro. Com umha vizinhança rururbana que “baixa a Vigo”, porque aquilo nom é Vigo, é Lavadores, um concelho formado por oito freguesias de populaçom estremadamente disseminada, onde canta o merlo e medram as berças. Neste antigo município “que las hordas rojas llamaron Pequeña Rusia”, concentrárom-se numerosas entidades agraristas e proletárias que forom sedimentando umha reja cultura combativa.
No Alto do Seixo, na atual rua Ramon Nieto 64, permanece em pé o edifício inaugurado em 1911 pola Sociedade de Agricultores de Lavadores e sede da Federaçom Agrária que integrava as diferentes sociedades paroquiais. Desde a sua constituiçom, a Sociedade de Agricultores de Lavadores somou-se à celebraçom do Primeiro de Maio. Pois este agrarismo conjugava as suas reivindicaçons com as do movimento operário. Para além disto, fundou umha escola, umha cooperativa e um coro de música tradicional, o “Queixumes dos pinos”.
Em 1900 as sociedades agrícolas lavadorenhas publicam “El Campesino”, um semanário que encetou a história da imprensa agrarista. Em 1913 a Federaçom Agrária decide participar na política municipal e consegue derrotar o caciquismo. Sai eleito Julián Estevez, membro do Diretório Antiforista de Teis e primeiro alcalde agrarista da Galiza. A sua filha, Helena Estévez, junto com a também lavadorenha Carme Álvarez forom das primeiras mulheres propagandistas. Naquela heroica campanha pola redençom foral iam acompanhadas do incombustível Chinto Crespo, que se caracterizava por empregar em público o nosso idioma.
Durante a Segunda República, a Federaçom Provincial Agrária de Pontevedra contava com mais de 13.000 pessoas associadas em 12 federaçons e 134 sindicatos. O motor da Federaçom Provincial atopava-se na Sociedade de Agricultores de Lavadores. Ramón Alonso Martínez conseguira a sua rearticulaçom. Entre outras iniciativas, erigem por suscriçom popular o monumento aos Mártires de Sobredo. Encomendam-lho ao escultor, Camilo Nogueira, pois residia ali ao carom, na rua Triunfo 32. Nas eleiçons a Cortes de fevereiro de 1936 verificárom o enorme potencial mobilizador da Federaçom Provincial Agrária. No congresso celebrado no local de Lavadores, elegem como candidato a Antón Alonso Ríos que se unirá aos deputados do Partido Galeguista.
No bairro de Riomao (da rua Pino até a rua Cantábria), a Pequena Rússia palpitava com especial intensidade: gravatas vermelhas, punhos fechados, solidariedade, UHP. Na rua Manuel Llaneza 4 reunia-se o comité socialista de Lavadores, que formava a agrupaçom por número de militantes mais importante da Galiza. No período republicano, o seu líder, o camareiro Jose Antela Conde, foi eleito presidente da câmara municipal. Neste mesmo local, o raio comunista realizava as juntanças e as juventudes comunista e socialista efetuárom a sua unificaçom.
Uránia Mella e Humberto Solleiro moravam na rua Manuel Llaneza 7. Uránia Mella foi a principal organizadora da Uniom de Mulheres Antifascistas. A filha de Ricardo Mella considerava umha prioridade quebrar as cadeias da ignorância e dedicava-se a alfabetizar as suas companheiras. Humberto Solleiro fazia parte da diretiva da Associaçom de Amigos da Uniom Soviética, que patrocinava a viagem a este país dumha delegaçom operária para conhecer os avanços do socialismo.
O Ateneu Cultural Desportivo Obreiro de Lavadores abrira as suas portas na rua da República 55. O seu presidente, Urbano Rodriguez Moledo, dirigia o quadro de declamaçom “Máximo Gorki” em honra ao genial escritor bolchevique. A sua secçom de desportos contava com umha equipa de atletismo. O Ateneu Cultural Desportivo junto com a equipa de futebol da Associaçom Cultural Deportiva de Riomao alentam a Federaçom Cultural Desportiva Obreira que coordenou a participaçom galega na Olimpíada Popular de Barcelona em boicote à Olimpíada de Berlim.
José Gomes Gaioso exercia de mestre em Lavadores e nomeiam-no comissário político para acompanhar esta expediçom de desportistas galegos. Umha década depois converterá-se no principal dirigente do Exército Guerrilheiro da Galiza. Quem o incorporou à causa proletária foi a sua companheira, Carme Diaz Brunet, da estirpe combativa das conserveiras.
Daquela era admirada a trajetória de Manuel Llaneza, fundador do Sindicato de Mineiros de Astúrias. Hoje a rua Manuel Llaneza chama-se rua Leom; a rua da República, Urzaiz; e a rua Triunfo, Estremadura. Nom só estes nomes mudárom. A rua Pablo Iglesias é a atual rua Catalunha; a rua Garcia Hernandez, rua Aragom; a rua Concepción Arenal, rua Cantábria. A absurda recordaçom das Comunidades Autónomas por todo o bairro oculta um roteiro republicano, marxista e feminista que refletia as aspiraçons populares.
O movimento libertário também enraizara e dinamizou várias entidades que manifestavam umha boa sintonia com as sociedades agrárias. Em Beade constituem a pioneira Agrupaçom Cultural “La Antorcha del Porvenir”. Seguindo este modelo, inaugurárom o Centro de Estudos Científicos Sociais “La Libertad” em Bembrive, a Agrupaçom “La Nueva Humanidad” em Candeám, o Ateneu de Divulgaçom Social em Lavadores e o Centro Cultural e Artístico Desportivo em Teis. Umha rede de espaços auto-geridos onde forjar a emancipaçom humana.
No semanário anarquista “Tierra y libertad”, Francisco Villar orgulha-se de que seiscentas pessoas assistam na freguesia de Beade a umha palestra sobre comunismo libertário de José Moreno Torres e Jaime Baella. Aliás, celebram vários casamentos e enterros civis e conseguem que onze crianças fiquem sem batizar.
Espalhados polo concelho existiam grupos de Pioneiros Vermelhos em Sampaio, Poulo, Cabral, Guixar, Teis e Riomao. Neste último bairro as crianças começavam a chamar-se “Lenine”, como o heroico militante das Juventudes Socialistas Unificadas: Lenin Moreda Vázquez. Quase os podemos ver com o pano vermelho ao pescoço a pregoar o seu orgulho de pertença à classe trabalhadora: “Somos pioneiros,/ a vanguarda do mundo./ Do novo dia os mensageiros”.
O Comité Regional do Partido Comunista tinha a sua sede em Vigo no local do Ateneu Obreiro de Divulgaçom Social. Porém, o seu secretario político, Eduardo Araújo morava em Lavadores na rua Casal 14. Como presidente do Sindicato da Uniom Metalúrgica, Araujo coordena unha duríssima greve de três meses que melhora o convénio do metal e implanta a jornada de 44 horas semanais. Por primeira vez os operários galegos desfrutavam do sábado inglês.
A hegemonia marxista atingia mesmo aos gaiteiros como acontecia com o afamado Constante Moreda, fundador de “Airinhos de Cabral”, agrupaçom que dará lugar aos emblemáticos “Morenos de Lavadores”.
Tal acumulaçom de organizaçons e ativistas coalhou numha consciência de classe excecional. “El Pueblo Gallego” fai-se eco da gesta dum grupo de moços que saiu de Ferrol caminhando e chegara em cinco dias ao campo de futebol de Barreiro. O jornal reproduze a fotografia daqueles afoutos rapazes. Ali o socialismo organizara havia um mês outro multitudinário ato. Mas eles vinham ao comício impulsado polas organizaçons bolcheviques em prol do Frente Popular. Nom havia melhor lugar para compreender a simbiose da fouce e do martelo. Literalmente, aquele domingo 10 de novembro de 1935 Lavadores tornou-se num centro de peregrinaçom antifascista. Vinte mil punhos fechados alçárom-se contra a dominaçom do ser humano polo ser humano e cantárom a Internacional.
Todo este povo trabalhador ergueu três barricadas para travar o avanço do exército sublevado. A esperança resistiu dous dias nos Chorons, no Calvário e no Seixo. Depois, os filhos da burguesia vestírom a camisa azul e desatárom um banho de sangue inconcebível. Decretárom o terror e a fame, o espólio e a amnésia. Em 1941 o governo local de Vigo anexou o município de Lavadores. Em 1954 a conquista continuou. O capitám-general da VIII Regiom Militar, o infame Mohammed ben Mizzian, visita as obras do quartel de Barreiro. Dous mil soldados iam ocupar território inimigo.
No entanto, nom lográrom sepultar as ânsias de assaltar os céus. Aginha a dignidade proletária abalou as fábricas de Álvarez e Vulcano. Como um rio soterrado que aflorou de novo, recuperou o seu verdadeiro nome, fecundou a consciência de Moncho Reboiras e chegou até nós. As luitas do passado projetam um excedente emancipador. Lavadores, espelho da Galiza futura.