É possível resgatar umha figura da cultura popular sem grandes recursos económicos, sem apoios mediáticos, sem a promoçom de figuras intelectuais, e sem inovadoras técnicas de marketing ? É possível fazê-lo num país onde umha parte importante da populaçom pugna por renegar da sua própria identidade, secundada por umha casta política que representa directamente interesses destrutivos? E ainda mais, é possível fazê-lo com sucesso? É possível. Pouco mais dumha década da sua saída à rua da mao dos centros sociais, o Apalpador é um personagem de primeira orde do nosso Natal. Qualquer vista de olhos à programaçom de festas do movimento popular, das instituiçons locais e do sistema escolar permite comprovar como se abriu passo, com rapidez assombrosa, umha figura que desafia a partes iguais o consumismo e o mimetismo com as modas da metrópole.
Umha outra vista de olhos, esta ao mundo virtual, também permite detectar um outro fenómeno lógico : a carragem que provoca a redescoberta do carvoeiro nos inimigos da causa galega. Boa parte dos criadores de opiniom da extrema direita ravejam contra este ‘invento nacionalista’, por vezes com impropérios e mau gosto. O Apalpador adoutrina as crianças, expande ‘o português’ e recorre a tradiçons fantasiosas. Por que tal fúria quando se trata apenas dumha figura da cultura popular, sem aparente transcendência política ? Umha explicaçom é psicológica: a nenhum renegado, com todos os conflitivos esforços que fai por livrar-se do sotaque, do idioma, da história, dos devanceiros, lhe fai nenhuma graça que lhe recordem a sua atitude descastada, e menos que ponham em causa a autenticidade do seu ‘patriotismo’. Por isso os mais feros imperialistas -na Galiza, em Córcega ou em Puerto Rico- som sempre as tropas formadas pola canalha das colónias. Por inversom, este ‘invento nacionalista’ pujo de destaque que os mais dos nacionalistas espanhóis, celebram o seu Natal com um personagem fabuloso promocionado por grandes casas comerciais estadounidenses.
Há também umha explicaçom política : si, levam parte de razom, o Apalpador é um ‘invento’. Umha redescoberta e reconstruçom dumha figura arcaica, própria dumha civilizaçom há muito tempo esmorecida, nas chaves absolutamente diferentes dumha sociedade industrial e urbana. Mas o que diferencia os inventos populares dos inventos das elites alheeiras é que os primeiros nos conectam com quem fomos, com a nossa realidade imediata de hoje, com a geografia das nossas vivências e com as arelas do nosso futuro. Encarnam os nossos referentes ideais, em nenhum caso estratégias aculturizadoras fabricadas em latitudes afastadas, e adoitam ter umha força mobilizadora que rivaliza misteriosamente com as mais requintadas elaboraçons da mercadotécnia.
Tampouco se trabucam ao assinalar que o Apalpador é um produto independentista. Pois em geral sabem que, se o galeguismo e o arredismo tenhem perdido batalhas decisivas, há muitas décadas que livrárom com sucesso a batalha polos símbolos. Já os regionalistas galego-espanhóis de há um século se zangavam com que a bandeira moderna da Galiza, o hino de Pondal ou os poemas agraristas de Ramom Cabanilhas eram ‘produçons dos nacionalistas’ e com que o nome do ‘Real Clube Celta’ tinha ressonáncias políticas ; já nos nossos tempos, emblemas sociais e políticos tam poderosos como o escudo da sereia, a grafia histórica do idioma, ou até o nome autêntico do país, fôrom primeiro resgatados e logo popularizados pola acçom constante dum voluntariado independentista cujos núcleos iniciais poderíamos contar com os dedos das maos. Algum dia haverá que escrever a história da reconstruçom simbólica da nossa Terra, que terá que recalar -entre dúzias de exemplos- naquela senlheira revista Gralha (primeira difusora do emblema GZ), na sala de juntas do CS Revolta (sede da recuperaçom do Merdeiro) ou na Comissom de Memória Histórica da Gentalha do Pichel, que umha tardinha de Inverno se decidiu a pôr na rua aquele carvoeiro que José André Gonçález Lôpez descobrira caminhando a serra do Courel.
Há segredos do sucesso ? É possível : um é o trabalho anónimo. Nom há autores nem autoras, nom há copyright, nom há lucros, nom há vanidade, nom há mais assinatura que o nome legítimo da associaçom que pariu a iniciativa ; mas tampouco há apropriaçom, porque cada colectivo deseja que o seu ‘invento’ seja o invento de toda a rede popular do país, e ainda que transcenda as simpatias dos independentistas, para captar as simpatias de toda a Galiza com dignidade e autoestima. E há obviamente, muito trabalho duro : acçom desinteressada, horas da vida privada dedicadas ao comum, actividade sempre gratuíta e quase sempre financiada polos petos da classe trabalhadora. Apoiada nesse entusiasmo infrequente que por vezes prende nas causas colectivas, quando som todo nobreza e conviçom, para se extenderem imparáveis como grandes labaradas.
Com a máxima humildade de recursos, mas com génio e inventiva, temos força e capacidade para produzir símbolos que o povo acolhe e assume como próprios. Este sucesso emenda o arreigado derrotismo galego -que por vezes apodrece também as nossas filas- e dá pé a pensar que, além das batalhas dos emblemas e da cultura, com o mesmo êxito temos que abordar as batalhas essenciais, aquelas nas que se jogam o poder e os recursos materiais que fundam o bem comum. Adeus aos laios e adiante com esse orgulho que abre as portas do futuro.