UM OLHO DE VIDRO

Desde Por Chantada-CUP se algo temos claro é que só tem sentido ter um pé dentro das instituições, na lama, se temos outro pé fora: nas lutas do tecido social, na auto-organização cívica que é o verdadeiramente transformador fronte aos partidos convertidos em lobbies a todos os níveis, ao serviço das camarilhas já denunciadas há mais de 100 anos no seio das Irmandades da Fala pelos irmãos Vilar Ponte, Castelao ou Otero Pedrayo. Este 2018 comemoramos o centenário precisamente da Assembleia de Lugo e do nascimento do soberanismo galego.


No quadro do Reino de Espanha em 2016 não se foi capaz de mandar ao infausto Mariano para a sua casa. E disse Europa faça-se o governo (que queremos cobrar), e o Governo fez-se. Se para isso cumpria imolar no altar da monarquia os casacos de pana do 82 inmolavam-se, total virar ou fazer unha jaqueta nova com calaças velhas pouco leva. Logo, tocava completar o que Jaime Miquel denominou a petrestroika de Filipe VI e o sistema de partidos completou o selado do lanho da rutura, não sem colaboração da esquerda inane. Sánchez presidente.


A única conclusão possível é que o problema é todo o entramado jurídico-político. É o extremo-centro que sustenta politicamente o Regimem. É a versão pós-moderna e sem bridas da Transição, daquela tragédia, hoje farsa. Mas como lembrava David Rodríguez em O canastro sem tornarratos a esquerda ainda não foi capaz de deglutir a derrota e atuar em consequência, também a galega preocupada demais pelas contendas eleitorais e nada pela criação dos torna-ratos ou pelo Colapso territorial de que nos fala Xosé Constenla.


Con tudo, o mais triste já não é que não haja, fora de Catalunya, uma alternativa que diga às claras que o que quer é um processo constituinte de rutura real com a podrémia, com a monarquia a e com o Regimem da II Restauração bourbónica; é que fora disso apenas existe a alternância, o velho turnismo, antítese da alternativa: que mude a aparência para que nada mude realmente e as redes clientelares e a corrupção herdadas do franquismo sigam incólumes, por enquanto a mídia atua como arma de desinformação maciça e avança o espanholismo mais reacionário e as forças do irracionalismo, a besta como lhe chamava Brecht. A desolação real é que nem existe essa demanda numa parte significativa da sociedade, já não digo que seja maioritaria.


Não há voz, não há ideias, não há compromisso com o público. O espólio invisível dos plebeus, a reconversão dos cidadãos em súbditos, que por não ter nem temos imaginação coletiva para lutar por outra Galiza que vaia além da substituição de tírios por troianos mantendo intacto o essencial da tramoia da II Restauração enquanto se completa a liquidação dos torna-ratos e da nossa nação.


Fiar a mudança e o futuro dos nossos filhos a meter um papel numa caixa cada 4 anos e não trabalhar em erguer contra-poder é querer vindimar sem estercar nem podar (do latim PUTO, também pensar), sem atar nem tirar as más ervas. É como botar as patacas novas na morica sem tirar as velhas comestas pela couça e apodrecidas. O relato da «maioria silenciosa» e da «pós-verdade» não é outra cousa do que isso: a sublimação da idiócia política dos que querem que o público seja o seu coto privado de casa, dos que pelo dia nos vendem as patacas da semente e pela noite roubam-no-las para volver-no-las vender ao dia seguinte.