Por Iago Santás /

Desde o seu debut há já umha década no festival da Fundaçom Artábria, Maria Xosé Silvar Sés tem aberto um espaço relevante na música galega, virando um fenómeno social com adesom de várias geraçons. Aberta aos ritmos do mundo com o idioma de bandeira, Sés fala com enorme claridade da mulher, da independência nacional, da injustiça e da música popular. Umha excepçom num mundo cultural tantas vezes tímido e comedido até a autocensura.

Antes de Ses, antes de Chamalle Xis!, algumha banda em garagem/galpom?

Pois o meu grupo de pandeireta, que nom era de garagem porque nem isso tínhamos, assim que ainda éramos mais underground que os underground.

Neste País a gente esquece abraiantemente que a música tradicional também é música e que, já seja dito de passo, ninguém melhor que nós sabe de bourar duro, de agrobolos e de precariedade. Eu era e som mais púnki que muitos wannabes que mercam as calças já rotas.
Para despistadas…podes-nos lembrar que era Chámalle Xis!?

Era um grupo de colegas que, ainda que vínhamos da música tradicional, éramos umhas apaixonadas de mui diversas músicas. Pugérom-nos a fazer o que nos petava sem pretensons nem ambiçom, simplesmente com atitude e paixom. Por isso éramos carismáticas, porque disso quase nom há. Há-che muito “poser”.

“O meu primeiro contacto com a música foi na escola através do folclore”

A continuaçom (re) tomas a tua carreira em solitário. Preparando a entrevista, além de ter seguido em streamming a tua trajectória, em muitas entrevistas o foco está na tua condiçom de galega e mulher. Gostaria de falar (também) um pouquinho de música. Nos teus discos, ainda que nom se pode falar deles em plural porque atopamos diferenças salientáveis, há toques de folk americano, blues de bar e meios tempos, rancheras, tradicional…assim que por partes…que escuitavas de pequena? Qual foi o teu primeiro contacto com a música? e com o rock and roll?

Pois escuitava de todo, desde cantautores ortodoxos a trabalhos de campo realizados em Galiza, Alabama, Mississipi ou Asturies; desde Odetta a Los tres sudamericanos; desde Rumbadeira a Janis Joplin. Esta última foi probavelmente a minha mais precoz e impactante influência dentro da
música norte-americana. Era selvagem, era poderosa e era verdade. Mas também fum criada por um avó que escuitava principalmente música clássica e lírica.

De todos os jeitos, o meu primeiro e mais importante contacto com a música foi na escola já, com o nosso folclore, eu era umha dessas nenas pequenas que subia anonimamente naquelas actuaçons de verao e fim de curso ao cenário para desfrutar com as minhas companheiras. Isso marcou-me musical e humanamente, pois aprendim a respeitar e a gozar do cenário sem imaginar nunca ler o meu nome num cartaz, nem sequer pensando ou pretendendo que isso fosse possível algum dia. Desfrutando simplesmente do que fazia, e isso é o que me ficou daquela e é o que me fai ser quem
som, profissional e pessoalmente.

A evoluçom musical, como consumidora, cara onde te levou?

Pois já che digo…na minha casa havia música, assim, simples e complexamente, havia de todo, até zarzuela havia, e eu gostava de toda. A minha música é resultado dessa heterogeneidade como consumidora, mas sobretodo da minha ausência total de preconceitos e pretensons baratas. Acho que os factores verdadeiramente determinantes par qualquer música som a quantidade e diversidade do seu consumo e a sua valentia; porque por umha banda, como dizia Unamuno: “Quanto menos se lê, mais dano fai o que se lê”, mas por outra, umha vez metabolizado o consumido, cumpre ter valor para ensinar o resultado ainda que este nom se corresponda com o socialmente valorizado.

Qual foi o teu primeiro concerto? Que lembras dele?

Foi em Artábria, no festival, em Julho de 2008, se nom recordo mal. Lembro que ia tranqüila, passei-no bem e ponto. Nom pensava naquilo mais que como numha diversom sem mais. Quase foi como ir vê-lo, só que aliás cantávamos nós um anaco…Nom tenho muitas lembranças daquela época, amaiores de que molávamos muito, porque simplesmente nos prestava tocar, nom éramos nada idiotas (cuido).

2018, imediatez, descargas, youtube…e tens umhas vendas em formato físico mais que dignas…pensas que, às vezes, nisto das queixas dos artistas nom é tanto culpa do consumidor/a senom do produto que se lhe oferece ou às expectativas modus vivendi esperado para o artista?

Sim, claro. Há muitos músicos que som uns flipados, uns classistas (que ainda por cima vestem de progres visionários) e se consideram caste. Consideram que tenhem que viver melhor que o resto porque sim, porque sabem tirar-lhe notas a um instrumento, ainda que a maioria deles estám mui longe de ter talento real. Cuidam que devem ser escuitados e pagados estratosfericamente ainda que nom metam 100 pessoas num teatro, mas depois vam de revolucionários. Bem, já sabes, a progressia barata. Ademais, em geral som gente que trabalha pouco, mui poucos discos em muitos anos… Mas vamos, que eu me escaralho e nom me meto, simplesmente digo o que vejo, mas dá-me mágoa essa gente e sobre todo dá-me mágoa que eles nom sejam quem de vê-lo, porque a mim a minha velha ensinou-me a ser humilde e autocrítica.

Minha nai descarga camions por 850 pavos e eu nom som mais ca ela, deveríades perguntar-lhe a elas se sim consideram que o som.

Umha curta, há algumha possibilidade de editar em vinilo?

Há, sim, mas som um pouco lacazana para o tema dos formatos…ainda que eu sim escuito a música em vinilo. Hei publicar algum dia umha tiradinha se a gente o pede.

Falando de ediçons…suponho que este salto a nível de número de concertos/espaços em que se convive che dá para ter experiências de todo tipo. Há muita diferença entre tocar na Artábria ao Auditório de Galiza ou Radio 3?

Pois nom, nengumha. Os meios técnicos, desgraçadamente. Nom gosto de que me perguntem onde gostaria de tocar, parece-me umha pergunta classista, precisamente por isso, porque todo cenário é respeitável e importante por igual e porque para mim todo público que me venha escuitar merece o 100% do meu esforço e da minha entrega. A todos os cenários vou com a mesma atitude e, ainda que nom podes estar igual de cómoda em todos pola precariedade em muitos sectores, isso é o que menos me importa. Para mim o primeiro é fazê-lo o melhor que sei e já dirá o tempo onde tocarei e onde nom. Whatever will be, will be.

“Há umha delgada linha vermelha que nom há que perder de vista é a que separa a atitude lúcida, analítica e autoexigente dumha crítica dogmática e enfadada”

Achas que é positivo para Galiza, a música em galego e o compromisso, o salto a esses ambientes onde se pode transmitir a mais gente ou pola contra aí perde-se “a essência” ou contacto com a gente? É singelo manter a autonomia para seguir sendo umha mesa? Precisamos umha Rolling Stones?

Já os temos, chamam-se Herdeiros da Crus, e também temos uns The Clash de Montealto. Nunca imos poder aspirar a umha Champions League em galego porque tampouco se pode aspirar em polaco, finês, noreguês ou grego…Mas cuidado, que a maioria dessa liga é entertainment, nom é
arte, é rendível, sim, mas nom sempre admirável.

A respeito disso de se se perde a essência em ambientes maioritários…cuido que a gente se fai umhas palhas mentais às vezes que a mim me dam medo…há quem me tem recriminado que a minha música se venda no Corte inglês, mas nom lho reclamam a Calle 13 ou a Los Chicos del Maíz. Eu pergunto-lhes: Quem infravaloriza entom a nossa música?; ainda por riba de terem dupla moral, tenhem-na em contra nossa?; crem eles que eu lhe podo exigir à minha distribuidora (que tem que vender para sobreviver e que nom deixa de ser um negócio) onde vender e onde nom? Quem crem eles que elege os pontos de venda? Gostam de que se poda mercar música galega em Barcelona e Londres? Querem que a música em galego só poda ser vendida em feiras de artesania polo cantante da banda??… É a eterna luita entre a questom nacional/identitária e a estritamente socioeconómica. Temos que estar em determinados sítios para dignificar-nos, mas à vez esses lugares estám dentro da estrutura económica hegemónica.

Desde logo isto explica-cho mui fácil um velho: “Todo num saco nom colhe”, ou renegas totalmente de determinadas plataformas e industriais, ou queres tentar ser tratado e valorizado coma os demais. Quem me dera a mim que se puder todo, mas para que a mim se me considere como a Natalia Lafourcade eu também tenho que estar na Fnac. Eu pergunto-lhe a essa gente se acham que Dios Que Te Crew é menos que Los Chikos del Maíz, ou se estes últimos se tenhem que considerar menos que Eminen. Quem fai entom as pirâmides? Quem subjuga a quem? Quem pode ou nom pode ser admirado sendo igualmente incoerente? Ou todos som incoerentes por entrar nas distribuidoras maioritárias, ou ninguém o é.

Mas repito, o que me fode de verdade é que quatro panocos que me dim a mim isso, depois paguem 80 bilhetes para ver Calhe 13 e a eles sim que nom lhe exijam coerência…Creio que a gente inteligente e lúcida sabe que o tema nom é singelo e muitas vezes nom há “melhor opçom” senom
“opçom mais pragmática”. De qualquer jeito, isto daria para um ensaio em 3 tomos.

“Tola trás de ti”…amor romântico? Lemos, às vezes, muitas críticas a este tipo de “sentimentos”…o amor/dessamor sempre estivo presente na música popular de diferentes culturas…há umha delgada inha vermelha? Tens umha opiniom sobre isto?

A construçom ocidental do amor romântico, assim como a sua ligaçom com a noçom liberal de propriedade som obviamente nocivos e genocidas e, evidentemente, tenhem que ser criticados e reformulados. Nom cabe dúvida de que a maioria de hits universais que nós consideramos inócuos, constituem umha defesa e perpetuaçom do establishment em geral e do amor capitalista em particular. Mais essa cançom que mencionas está mui longe de nem sequer roçar essa linha vermelha, nom fai apologia de nada mais que da minha autonomia e liberdade para “ligar” ou convidar a quem eu queira a fazer comigo o que ambos queiramos; nom é mais que um jogo de humor e de desenfado, umha cançom lúdica com um ponto reivindicativo que tenta botar por terra essa ideia de que numha relaçom heterossexual tem que ser o homem o que leve a iniciativa. É um toque de atençom para ambos, vítimas neste caso do hetero-patriarcado: “Ei, tia, se che mola um tipo, di-lho!, move-te!” e “Ei, meu, elas também che podem fazer as beiras, nom é a tua obriga ir sempre ti”. Vamos, o que vem sendo cagar-se no conceito de príncipe azul activo e donicela passiva mas desde um tom simpático que eu também tenho e que nom gostaria de perder. Eu som umha tipa mui vacilona e esse é um tema vacilom. Para mim umha delgada linha vermelha que nom há que perder de vista é a que separa a atitude lúcida, analítica e autoexigente dumha crítica dogmática e enfadada. Se luitamos, luitamos por umha sociedade melhor, justa e autocrítica, masante todo feliz. Se nom se pode bailar, nom é a minha revoluçom, dizia Goldman, e seguro que me daria a razom quando engado que se cumpre perder o humor, tampouco é a minha.

Umha moça saindo do ínsti com umha camiseta de “nom som fada”…três discos para recomendar-lhe?

Mujer (Amparo Ochoa)

Prad (Natalia Przybysz)

Cantos revolucionarios de América Latina (Soledad Bravo)

Mas por que me perguntas para elas? Nom som só para elas, nom só tenhem que aprender elas, também som para qualquer rapaz de instituto ou para qualquer um de vós. O racismo nom é só questom da gente com pele escura e o feminismo nom é só cousa minha, é cousa de qualquer um que se queira considerar umha boa pessoa. Nom esqueçamos que Marx e Engels nom eram operários de fábrica. Estas perguntas já nom deveriam ser formuladas assim, se me permitides a crítica. Pois deixam em evidencia que a autocrítica nom é de avondo em nengum sector. Eu nom lhe agradeço a nengum homem que se chame feminista, é a sua obriga, igual que a minha.m Vomito coa penha que pom camisolas de “antifascista” e do “St Pauli” e tal e depois dá-lhe vergonha autodenominar-se feministas. Som revolucionários de postal. Por exemplo, eu pergunto-lhe a quem ler esta entrevista: Por que essas nenas ham de saber mais da injustiça que os seus companheiros? Por que um senhor de cu branco que di que o feminismo nom é assunto seu leva umha camisola dos Black Panthers ou do EZLN???

(NDR: a pergunta nom era para “evangelizar” só mulheres, senom primando a importância de estabelecer imaginários/referentes/cumplicidades próprios (de género) também dentro da música.)

Nos concertos fora de Galiza…que opiniom pensas que se tem de Galiza no eido da música com carácter contestatário?

Acho que nom se tem, porque os músicos mais maioritários que dou Galiza nom fôrom nunca pessoas que se posicionassem ao respeito. Por desgraça a maioria dos nossos dignos representantes nom tivérom a suficiente repercussom internacional…por iso quando chego eu, abraiam, porque nom é habitual ver umha pessoa galega falar do Estado espanhol como pode falar um catalám ou um basco. Se che digo a verdade, a minha impressom é que nos seguem vendo como uns minha-jóias. Mas tendo em conta o que há…pois nom há muito reproche que fazer-lhes, se nem sequer nos mencionam quando falam das nacionalidades históricas e as suas problemáticas, por algo será.
Voltarám-te chamar de Mondariz?

Importa-me pouco se me voltam chamar ou nom, para desgraça deles. Mas tenho que dizer que o governo actual que nos contratou portou-se de maravilha, os que armárom a leia fôrom os quatro palhassos de sempre.

Mas nom sabes até que ponto me rio eu dessa gente.

Projectos futuros:

Fazer música. Trabalhar até que me mate um cancro (graças ás políticas
dos senhores oligarcas), um carro ou o que me toque.

Esperamos que mantenhas o génio pouco destroçado e desejamos-che a melhor das sortes, obrigadíssimas pola entrevista.

A vós, um prazer e apertas!