Só falo dos horrores que saim à lus depois do caso Pelicot com as mulheres que povoam a minha vida. Para os homens é umha conversa desconfortável. Porque são participantes do silêncio estabelecido? Porque têm vergonha? Porque não sabem até que ponto é algo de que só as mulheres podem falar?

Gostaria de pedir envolvimento, não de “mansplaining”, mas de colaboração e envolvimento. O que achas? como e porquê? já ouviuras falar destes chats e não dissegeches nada? Achas que estás a ser acusado de alguma coisa quando estas perguntas são lançadas no ar? Achas normal que um homem ofereça a sua companheira, a sua mãe ou a sua filha para serem drogados e abusadas? Somos objetos para uso e prazer dos outros? Até que ponto? Gostarias tu de ser um objeto? Que alguém usa as tuas carnes sem o teu consentimento, que não se importa de te contagiar com qualquer doença, que és um ser inerte… o que há para desfrutar neste abuso, no horror, quantas pessoas que se consideram normais podem participar ou não levantar a voz de terem consciência disso, quanto horror pode caber no ‘primeiro mundo’ e ainda ser considerado primeiro mundo, porque claro, os bárbaros vêm de fora.

Nós, que batemos e usamos as nossas (porque são nossas) mulheres somos pessoas respeitáveis, com a nossa posição social, e com os nossos preconceitos merecidamente conquistados porque somos cidadaos inocentes, porque fazemos tudo tão bem, e estas mulheres já estão a levar o feminismo longe demais, porque claro que me incomoda que me digam que ambos os lados têm de consentir, que fria aquela ‘feminazi’ que não quer fazer o que eu lhe digo e que não passa pelo anel dos meus desejos, porque a única coisa que quero depois de toda aquela pornografia que consumo tão violenta e desumanizante é… tenho medo de continuar entrando em suposições com a informação que tenho, porque de qualquer forma, aquela pessoa de quem eu acho que gosto e que nunca faria mal a ninguém… enfim, se ele participasse num destes chats, por curiosidade ou por morbidez, porque pensou foi engraçado, porque vejam como ele está é uma pena, mas ele ficou ali calado, sem fazer nada para ajudar aquelas mulheres vítimas, e agora está com medo e fica na defensiva ou evita que este assunto lhe aconteça, porque ele não sabe o que pensar, mas não falar é colocar-se da parte do opressor, da parte do criminoso, da parte daquele homem, estabelecido num sistema patriarcal e confortável com a desigualdade, a injustiça e, longe de levantar estas questões que, por mais incómodas que possam parecer, apenas pretende torná-lo mais humano.

Enquanto que para mim, levantar todas estas dúvidas depois das notícias recentes apenas aumenta o meu cortisol, faz o meu coração bater na garganta e deixa-me alerta, com predisposição para fugir para salvar a minha vida, para não ser mais uma mulher nas estatísticas deste horror. SEMPRE ALERTA. SOBREVIVÊNCIA.