Pontevedrês de 1998, mui ligado à contorna rural da cidade do Leres, Pablo Diego dirige o Ferrado, coletivo cultural de interesses galegos. Antropólogo, escritor e gaiteiro, mantém na emigraçom suíça um intenso compromisso com o país, e tem achegado nos últimos tempos o seu grao de areia a novos paradigmas da galeguidade, por vezes participando de acendidas controvérsias. Com ele falamos das novas geraçons envolvidas com a causa do país, dos limites e possibilidades do nacionalismo, e das possibilidades de soster debates além de enfrentamentos viscerais.
Que leva um moço pontevedrês, nascido nos 90, à causa galega?
No meu caso, há um grande peso da herança familiar. Por parte de pai, provenho dumha família com raiceiras entre Noia e Tui, muito vencelhada ao galeguismo, na minha estirpe há nomes como Domingo Fontám, Joám de Trava, e familiares mais recentes ligados à UPG dos 70, mesmo à frente armada. Nos anos 30, a minha família noiesa, que podemos considerar de algum jeito burguesia galega, estivo ligada aos Ultreia de Álvaro das Casas. Logo, por parte de mae, de origem mais popular, há ligaçom também com o galeguismo e com ideologias de esquerdas. Minha mae finou quando eu era muito novinho e eu botei muito tempo com a minha tia na Fraga de Abaixo, em Ponte Caldelas, o que me marcou enormemente. Estamos a falar dumha zona do país, na faixa atlántica, que tem uns indicativos demográficos semelhantes aos das serras orientais, um avelhentamento brutal. Pois bem, eu crio-me alô, nessa dualidade, e sempre digo que de manhá era um meninho urbano, a estudar em Ponte Vedra, e à tarde um neno labrego a falar com os velhos, dos que tanto aprendim.
Como dás o passo ao compromisso?
Estudei no Sanches Cantom, com a fortuna de ter professores que me formárom na galeguidade, e com um grupo de amigos que reforçárom as minhas conviçons. Começo a escrever literatura, já na adolescência envolvo-me em grupos de normalizaçom linguística no liceu, e como tantos moços, entro em contato com dous dos grandes agentes galeguizadores: um o futebol, pois formamos a claque de seareiros Mocidade Granate, já desaparecida; e outro a música, pois uns rapazes amigos constituiram o grupo Fondo Norte; eu metim-me na música tradicional e fixem-me gaiteiro. Som daquela geraçom que se curtiu no ativismo em defesa do rio Gafos, ou que participa daquela luita pola Ria que culmina com a designaçom de Rajoy como pessoa nom grata em Ponte Vedra. Logo, todos os meus estudos, já na na universidade, afondam na questom da Galiza e da sua identidade.
A universidade afonda a tua identificaçom com o país?
Eu identificaçom já a tinha, na realidade, e o que fago é alargá-la conhecendo o mundo. Aos 18 estudo Sociologia e Relaçons Internacionais em Madrid, logo vou à Polónia; dado que o meu sonho era estudar em galego, marcho para o Brasil, onde fago um mestrado em Economia. E assim começa o meu périplo emigrante por falta de oportunidades laborais na Galiza. Morei na Alemanha, nos Países Baixos, e agora estou em Zurich a trabalhar de economista na indústria farmacêutica.
Como és capaz de compatibilizar esta vida académica e laboral com o galeguismo?
No inteletual, som apaixonado da Antropologia, e tentei fazer umha investigaçom de mestrado sobre os cultos galegos. Em Madrid estava a estudar povos da Oceania, que pode ser muito interessante, quando eu queria conhecer sobre a nossa Terra…o caso é que nom permitiram a minha pesquisa, e fixem-na por iniciativa própria.
eu crio-me alô,na Fraga de Abaixo, e sempre digo que de manhá era um meninho urbano, a estudar em Ponte Vedra, e à tarde um neno labrego a falar com os velhos, dos que tanto aprendim.
Que tese pretendias provar?
Imagina, eu nom estava mui longe do Monte Seixo e do Cando que como sabes, junto com o Pindo, é a zona do país que acumula maior densidade de cultos. A minha tese tratava de dar corpo a essa ideia, que já lera, da Galiza ser a zona mais supersticiosa da Europa, e descobrim que, com efeito, através da síntese e da assimilaçom, conformamos umha religiosidade única. Sabemos que houvo umha religiosidade megalítica, conhecemos que os romanos, mais que estritamente romanizar, assimilam a religiosidade dos galaicos, da que chegam a escrever, que logo os suevos trazem algo assim como umha mágia wotanista, e logo que a nossa conversom ao cristianismo dá-se através do arrianismo e do priscilianismo, duas consideradas heregias. Enfim, que temos umha forma muito específica de experimentar a religiom, única diria eu. Isso volquei-no numha obra que intitulei “Além” e que foi premiada pola Deputaçom de Ponte Vedra.
Para além do inteletual, porque nom dás o passo para a militáncia política?
Nom acredito nisso, nom é o meu, nom som de disciplinas orgánicas, e isso que tivem oferecimentos variados, do BNG ao PP. Nom acredito na militáncia política.
Mas o que fas, nas páginas do Ferrado, é política…
Si, é política. Bom, chamemos-lhe entom militáncia partidária, nom me identifico com ela.
Poderias precisar esta crítica?
Penso que há posiçons que se mantenhem muito bem na mocidade, nomeadamente na Galiza, porque como a questom nacional está apenas representada numha versom radical, na esquerda, em termos amplos, pois cadram com o pico forte da juventude. Mas logo a gente precisa outra cousa, essa dinámica de enfrentamento nom se pode manter, ao meu juízo. Comecei a distanciar-me aginha do mundo do BNG. Vivim de perto cousas das que nom gostava: essa sobérbia do militante no rural que nom participa da comissom de festas, logo essas críticas da mocidade, fora de lugar, que se há que criticar a cançom do Caneco porque é patriarcal, ou faltas de respeito à religiom da gente, com essas legendas que se cantam nas manifestaçons, tipo “imos queimar a Conferência Episcopal”…nom, assim nom avança a galeguidade.
E porém, no conselho de redaçom do Ferrado estás com pessoas que se declaram independentistas, ou comunistas, ou libertárias…como geres essa contradiçom?
É que nom é umha contradiçom! Também estamos com gente que vem do PP. Nós temos um nexo de uniom inquestionável: o amor à Galiza e a sua defesa. De resto, cada um tem a sua escolha.
Vivemos num país onde os movimentos sociais tenhem lógica de trincheiras, e dentro do movimento galego, as trincheiras de cada fracçom estám também muito definidas. Como sodes capazes de fugir desta lógica? É possível?
É possível porque o nosso paradigma é outro. As origens do Ferrado estám noutro paradigma. Éramos moços e moças de 17 e 18 anos, que depois das nossas troulas, tínhamos grandes debates políticos. Que podemos fazer polo país? Já que temos que marchar à emigraçom, como continuar o nosso compromisso? Tínhamos claro umha cousa: no 1900 havia uns referentes, no 1950 outros, no 1970 outros…podíamos seguir no 2015 com os mesmos? Fica claro que nom. E dixemos, porque nom trabalhar noutros paradigmas? Cada geraçom pensara a Galiza à sua maneira. A Geraçom Nós, obviamente, logo fijo-o Beiras, a primeiros deste século pessoas como Miguel Anxo Murado…a mim marcara-me muito o Manifesto Mais Alá, e a diferença que esstabelecem Manoel Antonio e Cebreiro entre “velhos” e “devanceiros”. Os velhos nom nos servem, os devanceiros som os que sempre nos marcam.
Penso que há posiçons que se mantenhem muito bem na mocidade, nomeadamente na Galiza, porque como a questom nacional está apenas representada numha versom radical, na esquerda, em termos amplos, pois cadram com o pico forte da juventude. Mas logo a gente precisa outra cousa
Nasce assim o Ferrado?
Nom che podo precisar um dia determinado que nasce, porque se deu esse germolar silencioso, passeninho. Mas si, oficialmente nasce como revista digital em 2020, e o nome nom é casual. O ferrado, essa medida que é totalmente distinta em cada comarca da Galiza, e que reflecte tam bem essa nossa forma de ser, a nossa identidade e a nossa diversidade. Além disso, inspiramo-nos na frase tam atinada de Xurxo Souto, “somos um povo de artistas”. Temos uns talentos incríveis, como país, e isso queríamos plasmá-lo na revista: há labregos que som cracks na música, há um engenheiro aeroespacial, há umha ativista de Návia que pula pola sua comarca e defende o galego da zona…a partir daí, fixemos um manifesto, para ir atualizando, que pretendia representar o país em todos os campos: e aí é onde aparece o que tu me comentas, um militante da MPI, um moço que foi responsável do PP, um comunista, eu próprio, que me defino como um realista em política. E nós dizemos, o poder quer pôr-nos num gueto, quer cercar-nos, e nós dizemos, imos sair daí. Demonstramos aliás que se pode conviver, e umha razom poderosa disto é que nos conhecemos todos, é que somos amigos. Penso que há que pôr em valor a toleráncia galega, essa virtude tam nossa que nos fai conviver, mesmo nas famílias, posiçons políticas tam distintas.
Muitas vezes, no nosso país confunde-se toleráncia com servilismo, e educaçom com baixar a cabeça, nom achas?
Si, é certo. E nom, nom apostamos por isto. Eu estou com Castelao, que foi o melhor intérprete da nossa realidade, quando diz que nom temos vocaçom ofensiva, mas somos indoblegáveis na resistência. Trata-se um pouco disso, e assumindo-o, nom nos podem ofender palavras como aquelas de Ortega y Gasset, que nos chamava niilistas. Nom é niilismo, nom é passividade.
a mim marcara-me muito o Manifesto Mais Alá, e a diferença que esstabelecem Manoel Antonio e Cebreiro entre “velhos” e “devanceiros”. Os velhos nom nos servem, os devanceiros som os que sempre nos marcam.
Imos com as controvérsias. Recentemente dávades espaço na publicaçom a um artigo favorável a Altri. A crítica que se vos formulava é esta: os partidários da papeleira tenhem direito a expressar-se, é claro, mas imos dar-lhe um espaço, quando tenhem por trás todos os meios empresariais e do Regime?
Precisemos isto: a nossa linha vermelha é o amor pola Galiza. Quem se pronunciar por Altri nom tem amor polo país? Eu som contra Altri, mas sei de boa fe que a pessoa que escreveu este artigo tem amor pola Galiza, é um nacionalista e diria que um arredista. Um moço que rechaçou o cargo de Demografia e Meio Rural do PP por princípios. Que diz que o PP nom representa a dignidade galega, e causa baixa. Como nom lhe imos dar espaço a esta pessoa? Pois claro que lho damos, e ao mesmo tempo damos espaço às vozes contrárias.
Que consequências tem esta independência orgánica vossa no trato com meios e partidos?
Pois muito claras: os militantes do BNG tenhem vetado o nosso meio, segundo algum deles nos tem confessado. No extremo contrário, a CRTVG tem vetado O Ferrado, rejeitaram levar-nos a um programa cultural porque dixérom que “estes do Ferrado nom calam nada”. As pessoas do PP da Galiza, cargos que se somaram a nós, acabaram deixando este partido. Enfim, que demonstramos que O Ferrado, se tem um bem, é a sua liberdade, e a esta nom renunciamos. Quando eu manifestei publicamente que nom ia votar no BNG pola sua política internacional, porque eu som um nacionalista, um realista político que pensa que a Galiza nom pode estar dependendo de causas alheias, chamárom-me de todo, que se reaccionário, que se trabalhava para o PP…som acusaçons ignorantes. Nós trabalhamos, ou opositamos, e pagamos a revista com o nosso peto, dedicamos o nosso tempo, conseguimos umhas métricas importantes…ainda temos que justificar-nos? E logo, em 2022, apresentamo-nos a uns prémios da Deputaçom de Ponte Vedra, gerida por BNG e PSOE, e vemos que na categoria de webs ganha umha em espanhol, a segunda é umha cousa muito modesta…e o terceiro prémio fica deserto! Enfim, penso que está dito tudo.
Som acusaçons ignorantes. Nós trabalhamos, ou opositamos, e pagamos a revista com o nosso peto, dedicamos o nosso tempo, conseguimos umhas métricas importantes…ainda temos que justificar-nos?
A que aspirades no futuro como O Ferrado? Atreves-te a fazer umha prospetiva realista?
O projeto tem que ter data de caducidade, nasceu para dar voz à mocidade galeguista em chaves plurais. Andamos entre os 24 e os 28 anos, logo terá que haver relevo, ou morrerá, como morreu Vieiros, para deixar umha pegada. O objectivo, hoje e no futuro imediato, é catalizar mais energias galegas e galeguistas. Eu conheço bem a emigraçom e vivim em primeira pessoa o avelhentamento e o feche de centros galegos, vim-no na América e na Europa, onde a média de idade das pessoas associadas mais novas andava polos 60. Eu, obviamente, estou contra a globalizaçom porque ameaça a identidade dos povos, mas dado que fomos forçados a emigrar, dado que há milhares de galegos e galegofalantes no mundo, porque nom aspirar a que O Ferrado seja umha espécie de centro galego digital? E se o conseguimos, digo modestamente, se calhar no futuro podemos falar dumha “Geraçom O Ferrado”.