Por Robert Kurz /

Continuaçom dos artigos publicados em semanas prévias (I) e (II).

A Terceira Guerra Mundial nas Estradas

O carro consome pola sua vez o consumidor. Isso nom se deve entender como umha imagem, mas literalmente. Ernst Jünger já se manifestou cinicamente sobre a mortal maquinaria automobilística da Primeira Guerra Mundial, dizendo que nos campos de batalha “um consumo sangrento assumiu o papel de consumidor(!)”. A inversom capitalista dos meios e do fim, do sujeito e objeto, aparece aqui como umha inversom do consumidor e do produto: consome-se o próprio homem. Primeiro polo “trabalho”, depois polo “cam policial lustroso”. Nom é nenhuma novidade que esse “consumo sangrento” teve continuidade nos tempos de paz e neles até encontrou os seus pontos culminantes. Até hoje foram assassinadas, no mundo todo, em acidentes automobilísticos, 17 milhons de pessoas, e um número muitas vezes superior foi ferido e mutilado. A cada ano, todos os países atingem um número de mortos e mutilados por acidentes de trânsito, que alcança a quantidade de falecidos nas maiores guerras do século XIX. Já durante a Guerra do Vietnã houve mais mortes causadas por automóveis nos Estados Unidos, que vítimas de guerra no Vietnã. Durante a Guerra do Golfo, as Forças Armadas dos Estados Unidos sofreram nos desertos da Arábia Saudita mais perdas em acidentes de trânsito entre os seus próprios veículos do que por intervençom bélica do inimigo.

Nom se pode mais imaginar a cidade sem o carro, nem sem a cadeira de rodas. E a maioria das pessoas condenadas à cadeira de rodas som vítimas de acidentes de trânsito. Por isso, nom é nenhum exagero denominar produçom e consumo automobilísticos de “Terceira Guerra Mundial nom declarada” (Heathcoate Williams, 1992). Tornaram-se realidade as condiçons apocalípticas da festa semanal de matança no trânsito, da forma apropriada, como Jean Luc Godard evocou no seu angustiante filme “Weekend” (1968). O artista da grande matança, Ernst Jünger, que estetizou a batalha de material bélico da Primeira Guerra Mundial, admira-se com o fato de que as pessoas aceitam, “com umha certa naturalidade”, a quantidade enorme de vítimas de trânsito. Ele desconfia que as vítimas parecem “necessárias” porque “som adequadas ao nosso espaço, isso é, ao espaço do trabalho” (Über den Schmerz, “Sobre a Dor”, 1934). Esse cinismo já é quase umha autojustificaçom. Onde está o protesto de todos esses humanistas liberais e esquerdistas socialistas, que habitualmente comemoram os seus dias antiguerra, contra o programa sistemático de vítimas fatais da produçom automobilística fordista?

Os participantes dos movimentos pacifistas nom estám de jeito nenhum moralmente acima do autor do livro Stahlgewitter (“Tempestade de Aço”), pois todos eles som também meros condutores de automóveis, isto é, assassinos potenciais “por engano”. Aliás, som preferencialmente assassinos de crianças, pois pequenas crianças, pola sua natureza menos adaptadas à “disciplina de trânsito”, pertencem ao grupo das vítimas mais freqüentes do automóvel, aquele “cam de briga encerado”, A sangrenta “tempestade de chapa de ferro” nas ruas nunca terminou. É a normalidade cotidiana automobilística da nossa vida atual desprovida de consciência. Umha sociedade, na qual o tempo livre sempre é “trabalho”, e na qual paz sempre significa guerra, umha sociedade que apesar do “consumo sangrento” de vidas humanas e de tempo de vida, se entende como “sociedade civil do bem-estar”, umha tal sociedade nom precisa mais de nenhum “Big Brother” para fazer do diálogo de Orwell o seu idioma cotidiano.

Fechando a torneira

Analisando o capitalismo fordista segundo o seu conteúdo material, constatamos que ele é um sistema de combustom de materiais de energia fóssil. Na forma desses materiais foi armazenada energia solar na terra em centenas de milhons de anos. Diferente de civilizaçons agrárias, que se contentaram com o fogo de lenha, o modo de produçom capitalista recorreu a materiais de combustom fósseis como fonte de energia mais importante. O problema nom é a mudança da base energética em si, mas, antes de tudo, a aceleraçom enorme e o aumento excessivo do consumo, o que corresponde à imoderaçom da lei da valorizaçom do dinheiro. Também nesse aspecto, a indústria automobilística está novamente no centro, porque somente o motor de combustom, a “mobilizaçom total” e a “sistematizaçom fordista”, que nele se fundamentam, aqueceram o fogo infernal capitalista e mantém desde entom a sua chama.

A indústria automobilística e o uso do carro em massa se tornaram assim condiçom fundamental para a continuidade da existência do capitalismo. Por isso, também estám sendo “protegidos” os “campos de petróleo estratégicos” (principalmente no Oriente Próximo) através de permanentes ameaças de violência e de intervençons militares sangrentas. Obviamente e de novo, através de consumo gigantesco de energia fóssil em forma de porta-avions, máquinas bélicas, foguetes, etc. Aliás, com consentimento de muitos trabalhadores fordistas do Ocidente que, há tempo, já venderam a sua alma à máquina de combustom global e que, antes, prefeririam liberar todos os árabes para a matança, do que pôr em questom, somente por um segundo, o seu estilo de vida ridículo.

No entanto, é traçado assim também, com segurança mortal, um primeiro limite da sociedade do trabalho e do automóvel. Pois as reservas das matérias fósseis som absolutamente limitadas. Nem podiam ser petrificadas tantas plantas e tantos animais na pré-história biológica e geológica, suficientes para manter o capitalismo fordista, contando a partir de hoje para mais um meio século. Ao contrário, ele realizou umha queima de fogos de tal forma que a energia solar acumulada em milhons de anos explodiu de umha vez só. Um trabalho bem feito. Poderíamos cair na gargalhada. Mas, as reservas gastas pola loucura infantil desse modo de produçom nom estarám nunca mais à disposiçom para toda a futura humanidade, nem para objetivos mais inteligentes do que o uso de automóveis. Já no início da década de 70, foram apresentados cálculos relativamente precisos, informando que as reservas globais de petróleo se esgotariam em poucas décadas (Dennis Meadows “Os limites do crescimento”, 1972). A matéria está se esgotando. As restriçons comuns, apresentadas contra esse conhecimento, nom convencem. Mesmo que se descubram ainda novos campos de petróleo, eles som cada vez menores e de qualidade inferior. Isto é, a mineraçom de petróleo custa cada vez mais caro. É impossível gastar rentavelmente tanto “trabalho” para poder equilibrar, de um lado, as despesas extremamente crescentes de umha futura exploraçom das fontes de energia fóssil e, de outro lado, a quantidade solicitada para o atual consumo em massa. E quanto mais naçons entram no ciclo fordista (por exemplo, a China e o Sudoeste da Ásia), tanto mais rápido se esgotam os recursos.

Também nom estám à vista outras fontes de energia como substitutos. A energia nuclear nom só traz problemas insolúveis de produçom e de depósito do lixo nuclear. Ela, além disso, é cara demais e demasiadamente capital-intensiva (mais ainda do que a ferrovia) para poder ser individualizada na economia de mercado. Um reator nuclear por debaixo do capô do “cam policial lustroso” é impensável. O grau de eficiência da energia solar direta é, a longo prazo, insuficiente para manter o funcionamento da máquina total capitalista. Ela é, segundo a sua natureza, umha “energia lenta”, tal como outras fontes de energia (dependentes da topografia), como o vento e a energia hidráulica. É, portanto, um erro acreditar que a lógica económica do capitalismo seja minimamente compatível com umha outra energia básica, que nom seja matéria de combustom fóssil. O fordismo, com motor de combustom e automóvel como coraçom, com jactos e foguetes como órgãos de ampliaçom, é realmente a forma definitiva e em si do capitalismo. Quanto maior o êxito da economia total de combustom, tanto mais rápido fecham-se as torneiras de energia.

A sociedade automobilística asfixia-se

Poderia acontecer, todavia, que o modo de produçom e de vida da “mobilizaçom total” acabe antes. Os “efeitos secundários nom intencionados” da produçom industrial fordista traçam com objetividade férrea um segundo limite. Se o crítico Thoreau, no século XIX, já tinha alertado para umha “nivelaçom do mundo”, face a construçom da ferrovia, encontramo-nos hoje em um estado de impermeabilizaçom da paisagem, que dificilmente poderia ser aumentada. Mesmo assim, a infra-estrutura de transporte está estourando. A maré alta de chapas de ferro cresce incessantemente. Segundo um prognóstico da Shell Alemã S.A., devem rodar até o final do milênio mais do que 500 milhons de automóveis no mundo. Segundo um estudo do Ministério do Meio Ambiente, o número de carros deve mais do que duplicar-se na Alemanha Oriental. Na Alemanha, como um todo, o número de carros de passeio registrados aumentará para 46 milhons (sem falar de caminhons; etc.). A “mobilizaçom total” leva ao absurdo de um “engarrafamento total”. O automóvel se torna um “auto-estático”.

Porém, nom apenas o trânsito, mas também, como sabemos, o homem e a natureza, se asfixiam. Destruiçom da floresta, buraco de ozônio, catástrofes de enchentes ou falta de água, destruiçom do clima ou novas doenças: o crescente processo de destruiçom ecológico é, sem dúvida, um resultado da economia fordista de combustom e, principalmente, do automóvel. Um estudo do Instituto de Medicina para Higiene Ambiental de Düsseldorf e do Instituto de Higiene e Medicina de Trabalho de Aachen, comprovou que os alunos do primeiro ano primário nos centros de aglomeraçom urbana possuem umha concentraçom alta de benzol no sangue e sofrem de funçons pulmonares deficientes e elevada propensom alérgica. Os causadores som os gases do escapamento dos carros. Umha pesquisa do Greenpeace comprovou que as matérias causadoras de câncer no trânsito ultrapassam todos os valores de limite. Segundo mediçons realizadas em amostras colhidas “à altura do nariz das crianças”, a poluiçom atinge principalmente os baixinhos. Mas nem dos seus próprios filhos os empreendedores fordistas têm a mínima pena. Sempre remetem às “necessidades” econômicas.

Já é quase um conforto saber que os senhores da criaçom capitalista estám sendo atingidos polos efeitos da sua orgia de combustom, em um lugar muito central. O sexólogo francês Xavier Boquet supõe que somente polo estresse no trânsito a metade de todos os habitantes masculinos de Paris sofre de impotência temporária. Isso só nom basta. Segundo pesquisas recentes, resíduos de certos produtos químicos na água, que resultam, entre outros, da produçom de plásticos, levam a compostos, semelhantes ao hormônio sexual feminino estrógeno, e que se ligam também no corpo humano aos receptores correspondentes. A consequência é que essas matérias provocam os mesmos processos bioquímicos como os estrógenos naturais. No sangue dos homens, reduzem o nível de hormônio sexual testosterona. Fala-se de “minúsculos pênis”. E o médico dinamarquês Niels Skakkebaek descobriu que a quantidade de espermatozoides se reduziu muito, desde 1938, enquanto no mesmo período se triplicaram os casos de câncer de próstata. O homem, capitalisticamente socializado, pode ir se preparando para que, no futuro, nom só os seus 100 ou 200 cavalos de agressividade mecânica ficarám parados no “engarrafamento total”, como ele próprio ficará sentado, sexualmente deformado no volante da sua potência: por assim dizer, fordisticamente castrado.

A crise da economia mundial fordista

O terceiro limite é traçado pola grande crise social e econômica do capitalismo de combustom que, até há poucos anos, ninguém poderia imaginar. Mas, agora, o sistema da administraçom científica de empresas leva também economicamente ao absurdo. Há algum tempo, isso era possível de ser previsto. A racionalizaçom adaptou, desde os memoráveis inícios de 1911/14, nas fábricas de Ford em Detroit, antes de tudo, a força de trabalho humana, “no interior mesmo da sua própria atividade”, aos imperativos ditatoriais do tempo, enquanto ampliava o mercado através do barateamento dos produtos. De sorte que se precisava cada vez mais força de trabalho em grande escala. Somente dessa forma podia ser produzida a sistematizaçom fordista.

As novas ondas de racionalizaçom, desde o início da década de 80, por assim dizer, se “desracionalizaram” em massa a força de trabalho humana. A microeletrônica, como nós sabemos, é a base tecnológica desse processo. O decurso do trabalho humano, antes já adaptado ao ritmo da máquina, agora pode ser totalmente substituído polo comando técnico e pola robótica. Na indústria automobilística, socialmente numha posiçom central, encontramos esse processo de forma mais avançada. Milhons de empregos foram “desracionalizados” e o processo parece ainda nom ter fim. Ao lado do “auto”, produto fordista (o automóvel), temos o “auto”, o homem de lata (o autômato), cujo cérebro somente é formado por circuitos eletrônicos.

Os “colegas robôs” podem construir os carros de umha forma ainda mais eficiente, produzindo ainda mais em massa. Porém, umha cousa eles nunca poderám fazer nas suas vidas de aço e chapa de ferro: comprar automóveis. Nesse ponto, rompe-se a “sistematizaçom fordista”, essa engrenagem de produçom em massa, poder de compra em massa, êxito de mercado e consumo em massa, que Henry Ford evocou para se justificar. Esse modo econômico se demonstra agora também economicamente como ilusório: historicamente de vida curta e capaz de se reproduzir apenas por algumhas décadas. A cobra da racionalizaçom engole o seu próprio rabo.

Essa contradiçom econômica insolúvel se torna cada vez mais aguda face à expansom global e à generalizaçom do capitalismo fordista. Esse processo nom se abre em primeira linha para os novos consumidores, mas, ao contrário, para novos concorrentes. A produçom automobilística no Japom, na Coréia do Sul e, mais recentemente, na China, pesa ainda de umha forma complementar no mercado mundial, que já se apresenta bastante tenso. Os “newcomers” asiáticos, desde o início, nom conseguem produzir, nos seus mercados internos, um poder de compra suficiente para um desenvolvimento razoavelmente equilibrado. Pola combinaçom de baixos salários na pré-fabricaçom e alta tecnologia na montagem final, eles dependem de ofensivas unilaterais de exportaçom para as velhas regions centrais fordistas do Ocidente. A concorrência torna-se entom umha briga de foice no escuro.

As indústrias automobilísticas ocidentais, pola sua vez, reagem a essa crise repassando a pressom de custos, através de outras demissons em massa, reduçom de salários e acentuada pressom de preços para os seus fornecedores. Esses, pola sua vez, estám sendo obrigados a racionalizar, ou estám sendo levados à falência. Segundo pesquisas realizadas pola empresa de consultoria Price Waterhouse projeta-se somente para a República Federal da Alemanha que das 3.000 empresas atuais apenas 500 sobreviverom. Esse desenvolvimento leva, ao mesmo tempo, a umha concentraçom de capital entre os próprios produtores de automóveis. As maiores empresas compram os concorrentes falidos, que sucumbiram à competiçom. Dessa forma, a Volkswagen engoliu a Seat (espanhola) e a Skoda (Tcheca) e está construindo, entretanto, carros em Shangai (República Popular da China). A Mercedes-Benz produz, entre outros lugares, em Vitória (Espanha), e a partir de 1997 no Alabama (EUA). A BMW comprou em Janeiro de 1994, surpreendentemente, por um preço de mais de 2 bilhons de marcos, a tradicional empresa britânica Rover. Com essa concentraçom, foram e estám sendo criadas sobrecapacidades gigantescas, sempre seguindo o lema cínico: a falência é para os outros! Conseqüência disso é novamente a racionalizaçom e demissons.

Trata-se, portanto, de umha espiral de crise que se auto-reforça. Racionalizaçom, competiçom, concentraçom de capital destroem o poder de compra social, levam assim à nova racionalizaçom etc., etc. Em nenhum lugar está à vista um novo desenvolvimento, que poderia num toque de magia fazer aparecer a cegamente esperada “prosperidade”. Também como? Umha volta à “sistematizaçom fordista” nom é mais possível. Puxa-se pouco a pouco o tapete de polo menos 4 milhons de “empregos”, que, somente na República Federal da Alemanha, estám em total dependência do automóvel. Juntam-se mais de 3 a 4 milhons de empregos indiretamente ligados ao automóvel, sem falar das restantes indústrias do capitalismo de combustom. Nom se trata mais de um “buraco da conjuntura”, mas aqui, no caos da crise, todo um modo de vida está em fase terminal.

A todo o vapor para o abismo

Mesmo ficando evidente para quase todo mundo os limites objetivos, a maioria fordista mantém o seu lema comum: “a todo o vapor continuando do mesmo jeito”. A brutalidade da vontade de continuar está se manifestando através de vários fenômenos. Segundo umha notícia do Boletim Informativo “VDI-Nachrichten”, a grande maioria da populaçom deseja “a continuidade da construçom de estradas”, para chegar ao ponto da “auto-estrada de oito pistas”. Qualquer limitaçom do transporte, mesmo feito de umha forma somente meio assumida, provoca protestos irados de umha massa de automobilistas imbecis. As limitaçons, no fundo totalmente incoerentes, do tráfego nos centros das cidades, provocam a resistência aferrada do comércio varejista, que teme a reduçom de vendas, no momento em que os fetichistas do automóvel nom podem mais dirigir os seus carros até a porta das lojas. E segundo umha pesquisa do Instituto de Tempo Livre -BAT, muitos dos motoristas alemães até entram em delírio sibarítico quando pensam no caos do trânsito. O engarrafamento, principalmente aquele engarrafamento extremo com pernoite no carro, com alimentaçom servida pola polícia ou pola Cruz Vermelha, está sendo vivenciado cada vez mais com umha lascívia sensacionalista. Parece que a vida capitalista normal tornou-se tam pobre de conteúdo e tam miserável, que até um engarrafamento ganha “valor de vivência”.

Som principalmente homens, na idade de 20 a 40 anos, que curtem, com telefone celular no carro, tais sentimentos neuróticos e infantis. Nisso tudo, também som envolvidas fantasias agressivas militares, que transformam o engarrafamento de filas de automóveis em umha experiência bélica. O inconsciente coletivo desenvolve um desejo sufocante por catástrofes. Pertence à mesma síndrome, que o número de pancadaria aumenta, ou até os tiroteios para concorrer a vagas em estacionamentos. Também aumentam os ataques nervosos em pleno trânsito. Nas cidades da Alemanha Ocidental ferve a febre do “Mantaísmo” infantil (MANTA = modelo de carro da marca GM, modelo dos “mauricinhos” novos-ricos) entre os adolescentes, que escarnecendo de qualquer sentido ecológico e humano disputam os seus “rachas” ilegais. Em todo mundo, crescem, no cotidiano, crises reativas irracionais, que nom se diferenciam mais da plena loucura.

Os novos racismos e anti-semitismos, germinando em todas as camadas sociais e faixas etárias, devem ser associados a esses processos de colapsos psíquicos. O mesmo vale para os incêndios contra refugiados políticos e para o novo desprezo às mulheres. O cinismo da “Feira de Automóveis” de 1994 em Genebra, cujo tema era “O automóvel dá prazer”, no fundo, está ligado ao prazer que a “matança brutal” de seres humanos propicia. Mais umha vez, encontramos aqui a decadente normalidade fordista. As imagens de inimigos nom som, de forma algumha, ocasionais, pois a síndrome anti-semita, o racismo e o desafeto contra o feminino, pertencem a toda a história da cultura de morte fordista. Chamam especial atençom, ultimamente, as crescentes agressons contra deficientes físicos em cadeiras de rodas, nos quais o deformado homem automobilístico se auto-reconhece. Executa assim o seu próprio autoódio e autodesprezo.

O protesto moral oficial das pessoas consideradas “pilares da sociedade”, em relaçom ao terror urbano, se desmascara como pura hipocrisia, pois tais pilares andam no mesmo percurso cego do Crash. Se o presidente da Volkswagen, Ferdinand Piech, só consegue descrever a luta concorrencial na linguagem da violência e do racismo, manifesta-se o parentesco interno dos representantes fordistas com as gangues de rua. Os “skinheads de smoking” apenas pensam e agem em outras dimensons. E especialmente na República Federal da Alemanha nom precisamos de um “Partido dos Motoristas de Automóvel”, partido radical da direita como na Suíça, porque na Alemanha todos os grandes partidos, desde sempre, som “partidos de motoristas de automóvel”, se deslocando cada vez mais para a direita. Umha mera “mudança de guarda política” em Bonn nom alteraria nada, pois o Partido Social Democrata (SPD) se apresentou, desde os seus princípios, como um partido do capitalismo de combustom. Foi Hans Jochen Vogel, posteriormente presidente do SPD, que em 1961, ainda prefeito de Munique, fez propaganda da “cidade adaptada ao automóvel”. Scharping e Schröder, os “matadores” atuais do SPD, também nom querem outra cousa além de provocar fanaticamente a “capacidade de concorrência” e o consumo de combustom. Scharping retirou pessoalmente o item da “limitaçom de velocidade de automóveis” do programa do partido. O aumento do imposto do petróleo foi congelado. E Schröder defendeu até a exportaçom de armamentos bélicos.

Nom nos enganemos a nós mesmos! Os seres humanos, postos sob a tutela do mercado e do Estado, que gritam ferozmente, porém em vão, por “emprego”, estám presos à lógica autonomizada do dinheiro, como o enforcado está preso à corda. E a administraçom democrática da crise exclui cada vez mais seres humanos da “dignidade humana”. Enquanto as engrenagens compulsivas da economia de mercado continuarem a ser interiorizadas, as pessoas nem mesmo serám capazes de colocar as questons decisivas:

O que nós precisamos realmente? Como organizaremos a nossa vida comunitária? Como trataremos com bom senso os recursos? O que riqueza e felicidade poderiam ser, além do consumo assassino de combustom?

Consertos no atual modo de economia e de vida nom adiantam mais. Precisa-se, inevitavelmente, de umha ruptura profunda de princípios. Para isso poder acontecer, os homens precisam recuperar o controle sobre a sua própria vida, desdobrar atividades autônomas ultrapassando o trabalho assalariado e superar a sua dependência total de “empregos” da economia de mercado. Nom sobra mais muito tempo para a minoria pensante nos sindicatos, entre os executivos e na política. Até agora, ela agiu sem perspectivas e com “meio coraçom”, isto é, sem assumir toda a responsabilidade.