Na sua exitosa obra de 2005 “Colapso: Como as sociedades escolhem fracassar ou ter êxito”, o geógrafo Jared Diamond focava-se em civilizaçons do passado que defrontárom graves crises climáticas, adaptando-se e sobrevivendo ou fracassando e esfarelando-se. Entre elas achava-se a cultura povo do Cañón del Chaco, no Novo México, a antiga civilizaçom maia de Mesoamérica e os colonos viquingos de Groenlándia. Estas sociedades, que acadaram grande sucesso, implosionárom quando as suas elites governantes nom adoptárom novos mecanismos de sobrevivência para fazer frente a umhas condiçons climáticas radicalmente cambiantes.
Cumpre levar em conta que, para a sua época e lugar, as sociedades estudadas por Diamond matinham populaçons grandes e sofisticadas. Pueblo Bonito, umha estrutura de seis andares no Cañón do Chaco, continha até 600 quartos, o que o fazia o prédio mais grande de Norteamérica até se erguerem os primeiros arranha-céus em Nova Iorque, uns 800 anos mais tarde. Pensa-se que a civilizaçom maia chegou a ter umha populaçom de mais de 10 milhons de pessoas no seu auge, entre os anos 250 e 900 depois de Cristo, enquanto os viquingos de Groenlándia estabeleceram umha sociedade claramente europeia por volta do ano 1.000 d.C. no meio dum páramo geado. Porém, ao fim, cada umha delas desabou de tudo, e os seus habitantes morrêrom com a fome, massacrárom-se os uns aos outros ou emigrárom a outras terras, deixando trás de si nom mais que ruínas.
A pergunta que colocamos hoje é: serám as nossas elites melhores que as dos governantes do Cañón del Chaco, o coraçom dos maias e a Groenlándia viquinga?
Como argumenta Diamond, cada umha dessas civilizaçons xurdiu numha jeira de condiçons climáticas relativamente benignas, quando as temperaturas eram moderadas, e o fornecimento de alimentos e água ajeitado. Em todos os casos, porém, o clima mudou bruscamente, provocando secas persistentes ou, no caso de Groenlándia, temperaturas muito mais frias. Se bem nom ficam registos escritos contemporáneos que nos digam como respostárom as elites governantes, as provas arqueológicas sugerem que persistírom nas suas formas tradicionais a e que o esfarelamento virou inevitável.
Estes exemplos históricos de desintegraçom social suscitaram um animado debate entre os meus alunos quando, como professor do Hampshire College, assignava regularmente “Colapso” como texto obrigatório. Mesmo entom, há umha década, muitos e muitas delas sugerírom que estávamos começando a nos enfrentar a graves desafios climáticos semelhantes aos que sofrêrom as sociedades anteriores, e que a nossa civilizaçom contemporánea também corria o risco de colapsar se nom tomávamos as medidas ajeitadas para frear o aquecimento global e nos adaptarmos às suas iniludíveis consequências.
Mas nessas discussons (que continuárom até que me retirei do ensino em 2018), as nossas análises semelhavam totalmente teóricas: si, a civilizaçom contemporánea poderia colapsar, mas de ser assim, nom ia ser aginha. Cinco anos depois, é cada vez mais árduo suster umha perspectiva tam relativamente optimista. Nom apenas o colapso da civilizaçom industrial moderna semelha cada vez mais provável, senom que o processo semelha estar já em andamento.
Precursores do colapso
Quando sabemos que umha civilizaçom está no limiar do colapso? No seu clássico de há quase 20 anos, Diamond identificou três indicadores chave ou precursores dum esfarelamento iminente: um padrom persistente de mudança meioambiental a pior, como secas de longa duraçom; signos que os modos existentes de agricultura ou produçom industrial estavam a agravar a crise; e a incapacidade das elites para abandonarem práticas prejudiciais e adoptarem novos meios de produçom. Nalgum intre, cruza-se um limiar crítico e invariavelmente sobrevém o colapso. Hoje, é difícil evitarmos os indícios destes limiares estarem-se a cruzar.
De partida, a escala planetária, os impactos meioambientais da mudança do clima som já inevitáveis e pioram ano trás ano. Por citarmos apenas um dos inumeráveis exemplos mundiais, a seca que atinge o oeste dos USA dura já mais de duas décadas, o que levou os cientistas a falarem de “mega-seca”, e supera em amplitude e gravidade todas as secas regionais registadas. Em agosto de 2021, o 99% dos USA ao oeste das Montanhas Rochosas estava sob a seca, algo para o que nom há precedentes modernos. As recentes vagas de calor na regiom nom fixérom senom acentuar esta realidade sombria.
A mega-seca do oeste norte-americano acompanhou-se de outro indicador dumha mudança natural permanente: a descida constante do caudal do rio Colorado, a fonte de água mais importante da regiom. A bacia do Colorado fornece água potável a mais de 40 milhons de pessoas no país, (…) e é crucial para (…) o conjunto da economia americana. Todo isso está agora em perigo devido ao aumento das temperaturas e a diminuiçom das chuvas. O volume do Colorado é quase um 20% inferior ao que tinha ao começar este século, e como as temperaturas globais seguem a aumentar, é provável a descida piorar.
O informe mais recente do Grupo Intergovernamental de Expertos sobre a Mudança Climática oferece numerosos exemplos dessas alteraçons climáticas negativas a escala mundial (o mesmo que os mais recentes cabeçalhos). É evidente que a mudança climática está a alterar acotio a nossa natureza de forma cada vez mais desastrosa.
Também é evidente que o segundo precursor do colapso de Diamond, a negativa a modificar os métodos de produçom agrícola e industrial nom fam mais que agravar ou –no caso do consumo de combustíveis fósseis– simplesmente provocar a crise, é cada vez mais evidente. À frente de qualquer listagem estaria a contínua dependência do petróleo, o carvom e o gás natural, as principais fontes de gases de efeito estufa que agora reaquecem a nossa atmosfera e os nossos oceanos. A pesar de todas as probas científicas que vinculam a combustom dos fôsseis com o aquecimento, e das promessas das elites de se reduzir o consumo dos mesmos, por exemplo em virtude do Acordo de Paris sobre o Clima de 2015, a sua utilizaçom continua a medrar.
Segundo um informe de 2022 elaborado pola Agência Internacional da Energia, o consumo mundial de petróleo, dadas as actuais políticas governamentais, irá aumentar de 94 milhons de barris diários em 2021 a uns 102 milhons em 2030 e logo manterá-se nesse nível ou perto dele até 2050. O consumo de carvom, embora em previsível diminuiçom após 2030, segue a aumentar nalgumhas zonas do mundo. Prevê-se que a procura de gás natural (que recentemente se revelou mais sujo do que se imaginava) supere em 2050 os níveis de 2020.
O mesmo informe da AIE de 2022 indica que as emissons de dióxido de carbono relacionadas com a energia –o principal componente dos gases de efeito estufa– passarám de 19.500 milhons de toneladas métricas em 2020 a uns 21.600 milhons em 2030, e manterám-se por volta desse nível até 2025. As emissons de metano, outro dos principais componentes dos gases de efeito estufa, seguirám a aumentar graças ao incremento da produçom de gás natural.
Nom é surpreendente os expertos preverem que a temperatura média mundial vai superar aginha os 1,5 graus por riba do nível pre-industrial, a quantidade máxima que acham que o planeta pode absorver sem se sofrerem consequências catastróficas irreversíveis, como a extinçom do Amazonas e o derretimento das capas de gelo de Groenlándia e a Antártida (com umha suba do nível do mar dum metro ou mais).
(…) Para rematar, as poderosas elites actuais optam por perpetuarem práticas conhecidas por acelerarem a mudança climática e a devastaçom global. Entre as mais atrozes, a decisom dos altos executivos de ExxonMobil Corporation –a maior e mais rica empresa petroleira privada do mundo– de seguir a bombear petróleo e gás durante intermináveis décadas depois dos seus cientistas advertiram dos riscos do aquecimento global e afirmarem que as operaçons de Exxon nom fariam mais que amplificá-los. Como está hoje bem documentado, os responsáveis de Exxon respostárom investindo fundos da empresa em pôr em causa a pesquisa sobre a mudança climática, mesmo a financiarem grupos de reflexom centrados no negacionismo climático. Se no canto disso espalhassem as conclusons dos seus cientistas e trabalhassem para acelerar a transiçom a combustíveis alternativos, o mundo ia estar hoje numha situaçom menos precária.
Todas estas decisons garantírom que os futuros anegamentos, incêndios, secas, vagas de calor, o que for, serám mais intensas e mais prolongadas. Por outras palavras, os precursores do colapso civilizacional e a desintegraçom da sociedade industrial moderna tal como a conhecemos –por nom falarmos da possível morte de milhons de pessoas– som já evidentes. Ainda pior, numerosos acontecimentos deste mesmo verao sugerem que estamos a ser testemunhas das primeiras etapas de tal colapso.
O apocalíptico verao do 23
Julho de 2023 foi já declarado o mês mais caloroso nunca registado, e é provável o ano inteiro passar também à história como o mais caloroso.
As temperaturas inusualmente altas em todo o mundo som responsáveis por um sem número de mortes relacionadas com a calor em todo o planeta. Para muitos de nós, a calor implacável vai ser recordada como o traço mais sobranceiro do verao de 23. Mas outros impactos climáticos oferecem os seus próprios indícios de nos aproximarmos a um colapso ao modo do analisado por Jared Diamond. A meu ver, há dous fenómenos que encaixam nessa categoria de modo abraiante. Um som os incêndios do Canadá: no dia 2 de agosto, meses depois de estourarem as primeiras labaradas, ainda havia 225 grandes incêndios descontrolados, e outros 430 sob baixo grau de controlo, mas seguiam a arder polo país adiante. Num momento dado, a cifra superou o milheiro. Até a data tenhem ardido uns 81.000 quilômetros quadrados, umha superfície do tamanho do estado de Alabama. Estes assombrosos incêndios, em grande parte atribuídos aos efeitos da mudança climática, destruírom centos de lares e outras estruturas, ao tempo que enviárom fumo carregado de partículas a cidades (…) No processo subírom à atmosfera quantidades record de dióxido de carbono, o que nom fijo mais do que aumentar o ritmo do aquecimento global e os seus efeitos destrutivos. Aliás da sua escala, há fasquias da temporada de incêndios deste ano que sugerem umha ameaça mais funda para a sociedade. De partida, em termos de incêndios –ou para sermos mais exactos, em termos de aquecimento global– o Canadá perdeu claramente o controlo do seu interior. Como sugerem os politólogos desde há tempo, a essência mesma do Estado-naçom moderno, a sua principal razom de ser, é manter o controlo do seu território soberano e proteger os seus cidadaos. Um país que nom é quem de fazê-lo, como Sudám ou Somália, considera-se desde há tempo um Estado falido. Na actualidade, o Canadá abandonou toda a esperança de controlar umha percentagem relevante dos incêndios que assolam zonas remotas do país, e apenas deixa estas se consumirem por si sós. Trata-se de áreas relativamente despovoadas, mas acolhem a numerosas comunidades indígenas cujas terras foram destruídas, e que se vírom na obriga de fugirem, quiçá permanentemente. De se tratar dum facto isolado, poderia dizer-se que o Canadá continua a ser umha sociedade intacta e funcional. Mas dada a probabilidade de o número e virulência dos incêndios aumentar nos vindouros anos com as temperaturas em ascenso, pode dizer-se que o Canadá –por difícil que resultar de acreditar– está a piques de virar um Estado falido.
Um segundo indício som os anegamentos na China: embora a informaçom estadunidense sobre esse país adoita focar-se no económico e no militar, a nova mais relevante deste verao foi a persistência de chuvas intensas em muitas partes da China, que levárom a graves anegamentos. A inícios de agosto, em Pequim registrárom-se as precipitaçons mais intensas desde que há registos, há 140 anos. (…) Ao menos 1,2 milhons de pessoas houvérom de ser evacuadas das cidades da contorna, enquanto 400 km2 de cultivos foram danados ou desfeitos. Nom é raro os anegamentos e outros fenómenos extremos assolarem a China, causando um sofrimento humano generalizado. Mas 2023 distinguiu-se tanto pola quantidade de precipitaçons como polo calor récord que as acompanhou. O que é mais chocante, os fenómenos climáticos extremos deste verao obrigárom o governo a se comportar dum jeito que sugere um Estado submetido a um sistema climático furioso.
Quando as inundaçons ameaçárom Pequim, as autoridades tratárom de evitar que a capital sofresse os seus piores efeitos desviando as águas às zonas da contorna. Deveriam servir “resoltamente de foxo para a capital”, segundo Ni Yuefeng, secretário do Partido Comunista na província de Hebei, que limita com Pequim por três dos seus lados. Ainda que isso poderia ter livrado a capital de graves danos, as correntes desviadas desaguárom em Hebei, danificando as infraestruturas e obrigando a reubicar esses 1,2 milhons de pessoas. A decisom de virar Hebei num “foxo” para a capital sugere umha liderança assediada por forças que fogem ao controlo. Como no caso do Canadá, a China enfrentará-se com toda segurança a catástrofes ainda maiores relacionadas com o clima, o que vai levar o governo a tomar quem sabe que medidas extremas para evitarem-se o caos e a calamidade.
Estes dous acontecimentos semelham especialmente reveladores, mas há outros que me venhem à mente neste verao récord.
Por exemplo, a decisom do governo irani de declarar o 2 de agosto umha festa nacional de dous dias sem precedentes, com o encerramento de todas as escolas, fábricas e gabinetes públicos, em resposta à calor e à seca sem precedentes. Para muitos e muitas iranis, esse “dia feriado” nom era mais do que umha estratagema desesperada para dissimular a incapacidade do regime para fornecer abondo água e eletricidade, umha falência que está chamada a ser cada vez mais desestabilizadora nos vindouros anos.
A entrarmos num novo mundo inimaginável
Há média dúzia de anos, quando comentei pola derradeira vez o livro de Jared Diamond com o meu alunado, falamos das formas em que o colapso da civilizaçom ainda ia poder evitar-se pola acçom concertada das naçons e os povos do mundo. Ainda, pouco imaginávamos algo semelhante ao verao do 23.
Certamente, tem-se avançado muito nos anos transcorridos. Sem irmos mais longe, a percentagem de eletricidade que fornecem as fontes renováveis no mundo inteiro tem aumentado consideravelmente, e o custo dessas fontes desceu de modo drástico. Muitas naçons também tomaram medidas relevantes para reduzirem as emissons de carbono. Com isso e contudo, as elites mundiais continuam a aplicar estratégias que nom farám mais do amplificar a mudança do clima em andamento, garantindo que, nos anos por virem, a humanidade esvare cada vez mais e mais cara o colapso mundial.
É impossível se prever quando e como havemos esvarar cara a catástrofe. Mas como sugerem os acontecimentos deste verao, estamos perto demais do borde do tipo de fracasso sistémico experimentado há tantos séculos polos maias, os antigos poblanos e os viquingos de Groenlándia. A única diferença é que quiçá nom pudermos fugir cara nenhures. Chamem-no, se quigerem, Colapso 2.0.
* Michael T. Klare é professor emérito de estudos sobre paz e segurança no Hampshire College. A traduçom do Galiza Livre a partir da versom espanhola está tomada de https://rafaelpoch.com/2023/08/20/colapso-2-0/, onde se pode ler a versom na íntegra.