Em 8 de setembro de 2017 em Compostela um grupo de ativistas feministas reúne-se para continuar a trabalhar numha proposta de Protocolo para prevenir e sancionar comportamentos violentos em espaços, atividades e com pessoas de movimentos sociais. Já começárom meses atrás e esperam poder apresentar quanto antes a proposta. É só um dos resultados dum longo processo de debates e encontros[1] que tivérom lugar na Galiza nos últimos anos no quadro da luita contra a violência machista.
Mas algo mais está a ferver
Em 9 de setembro de 2017 mais de 30 mulheres estám organizadas ao redor de 5-6 mesas, no Centro Social A Comuna (Vereda do Polvorim, 35 Corunha @csacomuna). É o dia de “E se fôssemos violentas?”, encontro-diálogo organizado pola Revirada para falar da violência como resposta política às agressons machistas. As mulheres – só mulheres, porque se trata dum encontro nom-misto – chegam curiosas e um pouco perplexas: muitas nom se conhecem entre sim e nom esperam as mesas, os cartazes, os marcadores, os lápis. O encontro nom è umha conferência, é um debate de grupo, onde mulheres falam livremente da possibilidade de serem violentas em resposta a agressons machistas.
Que aconteceu e acontece para que mulheres feministas se encontrem para falar de violência? Na parede do Centro Social A Comuna penduram notas sobre alguns casos de violência acontecidos nos últimos anos na Galiza e noutros lugares.
Como reage o movimento feminista diante das agressons? Há concentraçons, petiçons, comunicados, debates, jornadas das feministas autónomas, encontros de auto-formaçom feminista. Fala-se de autodefesa feminista, mas nom se nomeia a palavra “violência”. Por quê? O feminismo está ligado ao pacifismo, a açons políticas que procuram soluçons coletivas nom violentas. Mas a nom-violência é eficaz como arma política?
Três as perguntas no debate:
1) Como nos sentimos face aos casos de violência machista? Como fazemos com as nossas emoçons?
2) O que é que queremos dizer quando falamos de responder com violência à violência machista?
3) Quais poderiam ser as consequências de utilizar(mos) a violência como resposta? O que é que ganharíamos? Que dificuldades se nos apresentam?
“E se fôssemos violentas?” tem como objetivo responder a esta e a outras questons e nasce mesmo de um episódio violento. Durante a manifestaçom do 8 de março de 2017 companheiras ativistas forom agredidas e denunciadas por outras companheiras. O motivo de este ataque foi a atitude combativa das companheiras agredidas, o facto de elas proclamarem a vontade de usar a violência como resposta política às agressons. A reivindicaçom da legitimidade da violência como resposta foi imediatamente criminalizada e censurada por outras companheiras. Por quê? Por que temos que auto-censurar-nos quando falamos de violência?
Toda resposta que nom seja submissom e aceitaçom da agressom será considerada violenta pola sociedade.
Voltamos ao nosso Encontro-diálogo “E se fôssemos violentas”. Os sentimentos identificados com mais frequências som a impotência, a frustraçom e a raiva, associadas também à sensaçom de vulnerabilidade em relaçom ao sistema, que nos questiona, e pré-julga em caso dumha denúncia. Às vezes temos também pouca consciência crítica da existência da violência: nom a identificamos por tê-la naturalizada tantas vezes. Frequente é também o pânico, juntamente com o esgotamento e o desejo de esquecer, já que “o momento mais complicado depois de viver umha violência é pegar no telefone e denunciá-la”. Infelizmente, muitas vezes nom conseguimos canalizar estas sensaçons e isso provoca-nos ainda mais frustraçom. Umha companheira fala da “pira emocional” a sua estratégia para baixar a tensom: imagina determinadas pessoas numha pira e consegue descarregar a raiva.
Muitas comentam que a mesma sensaçom de estar em alerta frente a umha ocasiom de perigo é tam antinatural e desagradável que se torna umha violência mais contra nós mesmas. Algumhas chegam a sentir compaixom polo agressor, querendo indagar a origem da violência, ou sentem-se igualmente insatisfeitas pola resposta violenta e abatidas pola vulnerabilidade em que nos deixa o sistema. Esta insegurança assimilada pode provocar sentimentos contraditórios: força e alívio por responder violentamente, mas também sentimentos de culpa por ser a resposta violenta talvez “excessiva” ou “desproporcionada” à agressom recebida. Por exemplo, presenta-se o caso dumha violaçom, em resposta a qual se coloca a possibilidade dumha reaçom violenta nom imediata, mas posterior ao delito. Algumhas participantes aderem a esta hipótese, enquanto outras exprimem sentimentos de conflito por um comportamento que entraria em contradiçom com valores pessoais de nom-violência. Para outras companheiras, ao contrário, a violência como resposta é legítima e nom levanta dúvidas, porque consideram que nom se podem equiparar os dous tipos de agressons, o ataque e a defesa. O facto de parar ou repelir umha agressom pode tornar-se um fator de dissuasom para o agressor, umha experiência de empoderamento pessoal para a pessoa agredida e um elemento de sensibilizaçom social.
Neste sentido a maioria pensa que: “Toda resposta que nom seja submissom e aceitaçom da agressom será considerada violenta pola sociedade”, por isso, valoriza positivamente a possibilidade de juntar-se com mais mulheres – numha manada feminista – nom só para dar respostas coletivas violentas, mas também para um trabalho de sensibilizaçom da sociedade. Mas as dificuldades continuam aí: as consequências legais dumha açom violenta, os sentimentos de questionamento pessoal e, o mais difícil de todo, o confronto com o machismo institucional.
Que ficou por aprofundar? De que poderíamos falar em próximos debates? Alguém sugere abordar o impacto sobre a nossa saúde mental do bombardeamento mediático da violência-ambiente e as consequências disso nas nossas relaçons pessoais. Outra pergunta como fazer para assumir esta parte violenta de nós: se resolvemos responder violentamente, como anular o sentimento de culpabilidade que pode surgir e que nos fai sentir “exageradas” na resposta? E sobretodo, como podemos organizar-nos para aplicar todo o que ficou dito e encontrar estratégias de defesa violenta?
No fim do encontro a companheira Mariola Mourelo da Revirada recolhe nomes de interessadas em participar num obradoiro de autodefesa feminista organizado na Corunha por Cristy Tojoi e Mai Insua de Lésbicas Creando[2].
Autodefesa individual, autodefesa coletiva
Umha companheira lembra novamente o que aconteceu na manifestaçom do 8 de março deste ano em Compostela e que foi o germe deste Encontro: companheiras agredidas e denunciadas por outras feministas por proclamarem a violência como autodefesa, por reivindicarem esta resposta política coletiva. Qual é, entom, o nosso posicionamento diante destas companheiras? Se graduamos subtilmente a violência, decidindo o que é e o que nom é umha “resposta exagerada”, já estamos a deslegitimar-nos na resposta, além de deslegitimar o sofrimento da pessoa agredida. Mas a violência machista nom tem gradaçons, nem nuances e nom imos escusar-nos por defender-nos. Entom, adiante com a autodefesa feminista e adiante com trabalhos coletivos de elaboraçom de protocolos para prevenir, sancionar e eliminar violências machistas. Um protocolo é um procedimento de atuaçom e um posicionamento inequívoco frente ao machismo estrutural: ou somos agentes de mudança contra o machismo ou somos cúmplices.
* Texto publicado originalmente em Revirada Revista Feminista.
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[1] Lembramos a Iª Jornadas de Autoformaçom sobre Violências Machistas (Ourense, Serra de Sam Mamede, nas Corceriças, 15-16-17 de janeiro de 2016: através destas ligaçons podes consultar os objetivos das Jornadas assim como material de interesse relativo ao quadro teórico e umhas conclusons comuns), o IV Encontro Feministas Autónomas da Galiza (Vigo, 20 de fevereiro de 2016), o II Encontro_de Autoformaçom sobre Violência Machista (Ourense, Serra de Sam Mamede, nas Corceriças, 14-15-16 de outubro de 2016).
[2] Lésbicas Creando (https://lesbicascreando.wordpress.com) “é un proxecto interdisciplinar para o benestar e empoderamento das identidades nas marxes, que recibimos violencias específicas polo noso xénero e/ou pola nosa identidade-orientación sexual”. Cristy e Mai Insua organizam palestras de autodefesa feminista em diferentes partes do País.