Por Isaac Lourido /
Um estudo apresentado nos últimos dias pola FORTA, a entidade que agrupa as televisons públicas autonómicas do estado, deu como resultado que o 90% das pessoas consideram que a Televisión de Galicia representa de maneira positiva a cultura galega e contribui para a promoçom da nossa identidade. Para além da suspeita legítima sobre o rigor do inquérito, esta percentagem, a mais alta no conjunto das televisons autonómicas, coloca os nossos movimentos perante um desafio poucas vezes ensaiado: desenvolver um pensamento crítico sobre cultura e identidade nas últimas quatro décadas.
Ainda lembramos o dilema que perseguiu durante bastantes anos muitas das bandas galegas: ir ou nom ir, aceitar ou nom a possibilidade de atuarem no Luar, e assumir o risco de ficarem encaixadas na grelha do programa entre Juanito Valderrama e o enéssimo epígono de Xan das Bolas. Bandas que partilhavam com maior ou menor intensidade a crítica promovida polo nacionalismo e por outros movimentos sociais e que, portanto, viam naquele espetáculo o produto mais acabado do modelo cultural promovido polo fraguismo. Eram os tempos – década de 90, digamos – em que os conceitos de “telegaita”, “gaiteirada”, “folclorada”ou “pailanada” passárom a integrar a magra vulgata da nossa crítica cultural antagonista.
A distância temporal fai-nos repensar os fundamentos daquela crítica frontal, habitualmente esquemática e paternalista, que ao mesmo tempo que desprezava o produto como um todo, nom se importava com desprezar os seus públicos, reduzindo-os ao estereótipo: pessoas de idade, do rural, alienadas nos seus gostos musicais e humorísticos, e submissas votantes do partido de sempre. Umha crítica que, acreditando que a cultura galega moderna tinha de ser outra cousa, evidenciava preconceitos bem reconhecíveis e umha certa incapacidade para analisar as formas de um conflito que se nutre a partes iguais do popular e do massivo. Um tipo de crítica que nom sabendo como lidar com aquele corpo social irremediável, preferia ignorá-lo na construçom da cultura normalizada, a cultura da miragem, do como se, ontem como hoje funcional ao status quo.
A fraqueza daquela análise persiste hoje nas dificuldades para identificar e contestar as mutaçons da hegemonia cultural. Podemos defender que o humor galego é e deve ser algo substancialmente diferente do que propom o Land Rober, mas pouco avançaremos se obviamos que mais de 600.000 pessoas seguírom em algum momento a entrevista feita a Julio Iglesias em junho do ano passado ou se reduzimos a crítica à péssima qualidade linguística do espetáculo. E podemos continuar a denunciar o servilismo político da televisom pública, mas será inútil ignorar as importantes quotas de audiência que a presença de Núñez Feijóo retribuiu a este programa em setembro de 2016. Umha audiência co-partícipe, aí está a mutaçom inexplicada, de idade, procedência, formaçom e interesses diversos e dificilmente redutíveis ao estereótipo e ao estigma. O mesmo para a Panorama e a Paris de Noia. E suponho que também para Fariña.
Fácil é criticar os produtos que constroem e reproduzem a subalternidade da cultura galega. Mais difícil é reconhecer as práticas que a originam, os lugares em que enraíza, as consequência que provoca, os grupos humanos que a sustentam. Culturas híbridas e crioulizadas? Identidades duais, imbricadas ou cindidas? Duplas consciências? Pensemos sobre isso e chamemos-lhe, ao processo, realismo.