Recentemente fazia-se um ano do início do que a Rússia denomina operaçom militar especial na Ucrânia, um salto qualitativo no conflito aberto nessa regiom do mundo após o golpe de Estado de 2014 que, no contexto do denominado Maidan, acabou por forçar a fugida do presidente ucraniano eleito (Viktor Yanukovych), dando passo a um novo regime pró-ocidental e decididamente russófobo no qual o peso da extrema direita mais descarnada se fixo evidente. Como é conhecido, esta nova situaçom provocou resistências nas zonas do Estado ucraniano mais vinculadas com a Rússia, resistências que nalguns casos fôrom afogadas de maneira brutal (como sucedeu na cidade de Odessa) enquanto noutros territórios, como o Donbass, conseguírom consolidar-se, dando passo ao conflito militar atual.
Mas, como também se fijo patente nestes meses de maneira mais clara, esta guerra entre a Ucrânia e a Rússia é, na realidade, um conflito entre a própria Federaçom Russa e o Ocidente imperialista liderado polos Estados Unidos, no contexto de um mundo a cada vez mais tensionado pola agressividade ocidental perante os avanços doutras potências mundiais ou regionais que, como a China, a Rússia, a Índia, a África do Sul ou o Irám, estám a tecer laços estreitos na economia, nas alianças políticas e até no terreno militar.
Neste contexto bélico, as tendências e mudanças que se já se estavam a deixar sentir no mundo nos últimos anos estám-se a acelerar em todos os pontos do globo:
Um Ocidente disciplinado polos Estados Unidos
Um dos resultados deste conflito, visível a pesar da descarada propaganda de guerra da imprensa ocidental, é a nova volta de porca na submissom da Uniom Europeia aos Estados Unidos, que parece deixar à Alemanha e à UE sem possibilidades de ter umha posiçom com maior autonomia no económico, no político e no militar. Contundente foi a maneira em que, parece, os Estados Unidos cortárom a possibilidade de qualquer veleidade de autonomia europeia/alemá; segundo revelou o reconhecido jornalista estadunidense Seymour Hersh, a destruiçom com explosivos dos gasoductos Nord Stream 1 e Nord Stream 2 teria sido realizada polos Estados Unidos com a ajuda da Noruega, sendo planificada desde antes da intervençom russa na Ucrânia. A mensagem é clara: nada de boas relaçons económicas e políticas com a Rússia, nada de vínculos euroasiáticos, para a UE só resta a submissom total ao centro imperial.
Fora da Uniom Europeia, os Estados Unidos, conscientes das crescentes ameaças a um domínio que parecia indiscutível após a queda da URSS, também levam tempo a reforçar as suas posiçons militares no oceano Pacífico com a China como alvo e o caso de Taiwan como umha possível repetiçom do ucraniano. Assim, se em 2021 nascia o Aukus, tratado entre os norte-americanos, Austrália e o Reino Unido que proporcionará ao país austral submarinos nucleares, a finais de 2022 confirmava-se a viragem histórica na política de defesa do Japom (outra peça do sistema imperial) com o anúncio de investimentos no período 2023-2027 que suporám duplicar o PIB destinado a gastos militares. E nom só o “perigo chinês” é empregado polo governo nipom para justificar esta controvertida mudança, a guerra da Ucrânia também foi umha razom esgrimida para a mesma. O anúncio, como era previsível, foi saudado com entusiasmo polo governo de Joe Biden e polo secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg.
Precisamente o reforçamento da OTAN, cujo carácter se revelou definitivamente como agressivo e nom meramente defensivo, é outro dos meios de disciplinamento dos seus subordinados por parte dos Estados Unidos. Na cimeira de Madrid de 2022, a OTAN atualizou o seu “Conceito Estratégico de Segurança”, assinalando à Rússia e à China como ameaças e decidindo aumentar o número de tropas destinadas ao cerco da Rússia na Europa oriental. Os indecentes incrementos dos orçamentos militares nom se figérom esperar, com o Estado espanhol como alumno mais aplicado e cumpridor apesar dos impotentes laios do reformismo de Unidas Podemos no governo. No que a povos como o nosso atinge, a reuniom também deixou claro que a OTAN preservará pola força a integridade territorial dos seus Estados membros.
Novas potências por um mundo multipolar
Temos assim, por umha parte, um bloco ocidental imperialista com umha cabeça, os Estados Unidos, e onde nom se percebem possibilidades de posiçons autónomas nem divergentes; um bloco autopercebido de jeito tramposo como “a comunidade internacional” e defensor de umha “ordem internacional baseada em regras” que encobre o seu domínio sobre o resto do mundo e que nom lhe impede saltar-se essas mesmas regras para impor os seus interesses militarmente.
Frente a ele, consolidam a sua crescente influência no globo outra série de Estados, cujo papel imperialista ou nom é causa de controvérsia dentro da esquerda mundial. Estes Estados estám a ser quem de estabelecer alianças de tipo económico, mas também políticas e militares. Isto nom quer dizer que todos eles vaiam ter umha política defensiva ou hostil a respeito do primeiro bloco. Tampouco se vê com claridade a possibilidade de que se defina um Estado central capaz de dirigir todo este grupo, entre outras cousas porque todas estas potências emergentes defendem, a priori, um mundo multipolar baseado no respeito à soberania dos Estados hoje existentes e no que o comércio e as finanças nom estejam ditadas por um único actor para o seu benefício.
E é que, frente à uniformidade liberal no político e no económico do bloco de Estados do Norte global, as potências do Sul apresentam umha grande diversidade. A priori pouco tenhem a ver a República Popular da China, a Rússia, a Índia, o Irám ou a África do Sul. Diferentes regimes políticos, diferentes capacidades económicas, de recursos e demográficas, diferentes relaçons com o mundo ocidental e, também, diferentes potências militares e tecnológicas. O que as une é essa vontade de um mundo multipolar que lhes dê maior margem para o seu desenvolvimento, para o qual é precisa umha ruptura com o desenho ocidental, tanto na economia como nas relaçons entre Estados.
É na economia onde se observam as maiores transformaçons, que som olhadas polos Estados Unidos com preocupaçom, quando nom com alarme.
Entre as questons que podemos destacar, salienta o crescente atrativo da aliança conhecida como BRICS para muitos Estados que ainda nom fam parte da mesma. No passado 2022 a Argentina, a Argélia e o Irám solicitárom a sua entrada formalmente, enquanto outros como a Arábia Saudita, a Nigéria, a Indonésia, o Egipto ou a Turquia estariam também interessados. Como podemos observar, Estados de todos os continentes que procuram um espaço económico, mas também com implicaçons políticas, alternativo ao ocidental e às suas instituiçons de controlo financeiro e económico, o FMI e o Banco Mundial. Frente a estas, o BRICS oferece ferramentas como o Novo Banco de Desenvolvimento.
Outro exemplo de integraçom económica constitui-o a Nova Rota da Seda impulsionada pola China, um projeto para a construçom de grandes infraestruturas de transporte e comunicaçom para o desenvolvimento comercial na Eurásia, África e até a América do Sul. A isto vincula-se umha outra iniciativa chinesa, o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, que conseguiu integrar nom só países asiáticos, mas também europeus, caso da própria Alemanha. Foi este país precisamente quem impulsionou o histórico acordo de investimentos Uniom Europeia-China, posteriormente frustrado, e que nom era bem visto por uns Estados Unidos cujo interesse estratégico, como já indicamos, passa por impedir qualquer achegamento euroasiático que possibilitar umha maior autonomia à Alemanha e à UE.
Outro movimento transcendental é o do esforço por deslocar o dólar como a moeda única das finanças e do comércio internacional. A recente visita à Arábia Saudita do presidente chinês, Xi Jinping, ademais de evidenciar o achegamento à China de um histórico peom dos Estados Unidos na zona, supujo a confirmaçom de que o país árabe está disposto a que o comércio mundial do petróleo se faga noutras moedas, com o yuan chinês em primeiro lugar. De consolidar-se, isto significará um duro golpe para os Estados Unidos e o sistema do petrodólar, umha das bases do domínio económico norte-americano e causa de conflitos na Ásia Ocidental, como foi o caso da guerra do Iraque, cuja motivaçom profunda foi o intento do Iraque empregar o euro em lugar do dólar para o comércio petrolífero.
Também na África se pode comprovar a perda de influência ocidental em favor dalgumhas destas potências alternativas. É notório o crescente papel da China na economia africana, convertendo-se nas duas últimas décadas num importante sócio comercial e na construçom de infraestruturas para muitos países do continente. Rússia, pola sua banda, mantém aliados tradicionais como a Argélia, e ganha peso em países como Burkina Fasso, República Centro-Africana ou Mali mediante o apoio militar através do grupo mercenário russo Wagner, deslocando à França. A recente gira do presidente francês Macron por vários países africanos foi ilustrativa da perda de peso da Europa ali; a pesar das promessas de diminuir a presença militar francesa e das ofertas de colaboraçom económica, Macron tivo que suportar as críticas públicas dos dirigentes africanos pola falta de respeito francesa nas suas relaçons com a África.
Para além dos crescentes laços económicos e, em maior ou menor medida, políticos, alguns destes países também estám a estreitar as suas relaçons a nível militar. E nom é só o caso da China e a Rússia, rodeadas de bases militares norte-americanas e da OTAN. Nos últimos meses, e a pesar das tensons derivadas da guerra na Ucrânia, a Rússia e a China realizárom exercícios militares na Venezuela (junto com o Irám), na própria Rússia (com a participaçom da Índia, embora cumpre ter em conta que esta também mantém alianças militares com os Estados Unidos no Índico, com o controlo da China como objetivo) ou na África do Sul.
Mais possibilidades para as luitas emancipatórias?
O resultado final do conflito, para além das suas terríveis consequências em perdas de vidas humanas e destruiçom, propiciará que se consolidem ou se dificultem todas as mudanças em curso em ámbitos muito mais amplos do que o militar.
Em primeira instáncia, um imperialismo ferido e agressivo que tem em frente rivais com grandes capacidades militares, mesmo nucleares, só augura mais guerra e sofrimento para a humanidade. Se a isto se lhe somam a crise ambiental e o fim dos recursos energéticos e minerais abundantes e baratos, o panorama ensombrece-se ainda mais.
Resta por ver, porém, se na hipótese de um mundo multipolar e de um imperialismo debilitado se abrem mais portas para as luitas emancipatórias dos povos do mundo. Pensando na Galiza, integrada em estruturas imperialistas como o Estado espanhol, a UE e da OTAN, podemo-nos fazer algumhas perguntas: poderia um mundo multipolar achegar aliados internacionais à nossa causa nacional? Esse hipotético apoio poderia derivar em novas formas de dependência? Seríamos quem de aproveitar as debilidades do imperialismo para avançar na luita de libertaçom nacional e social? Questons, estas e outras, que nom parecem ocupar muito tempo no ámbito do nacionalismo nem do arredismo galego. Porém, umha cousa sim é certa: o contexto internacional, e o facto de contar com aliados ou nom, sempre foi determinante para o resultado das luitas dos povos pola sua liberdade.