Neste verao, na primeira quinzena de Agosto, a aldeia trasmontana de Covas do Barroso acolheu o Acampamento em Defesa de Covas do Barroso. Esta é já a segunda ediçom dum acampamento que se levanta orgulhoso para reivindicar a luita popular contra a instalaçom da mina de lítio na regiom, à vez que se consolida como ponto de encontro e reflexom entre as diferentes entidades populares que se tenhem rebelado contra o Plano Estratégico de Mineraçom de Portugal. Um plano que procura, através da concessom a grandes empresas transnacionais para a extraçom sobretudo de lítio, colocar Portugal num lugar privilegiado entre os países da UE que competem na liderança do desenvolvimento do plano europeu para a transiçom ecológica, cuja execuçom, paradoxalmente, é dependente na sua totalidade da depredaçom mineira.
Porém, as fantasiosas aspiraçons da elite burocrática e política portuguesa de liderar o processo de transiçom energética dumha Europa energeticamente deficitária e dependente dos combustíveis fósseis, som o resultado literal dumha política de terra queimada sobre um território sacrificado no traumático processo de integraçom nas economias industrializadas da Europa. Chove sobre molhado na Serra do Gerês, em Trás-os-Montes, na Serra da Estrela… onde a atividade mineira, a eucaliptizaçom e a turistificaçom, destruírom o habitat das velhas comunidades agrárias e os laços comunitários que sostinham umha cultura em estreita relaçom com a natureza, forçando assim a expulsom maciça da populaçom para as cidades na procura de melhores condiçons de vida. O escritor Jorge Valadas sintetiza de forma magistral o processo iniciado pola viragem industrializadora do Estado Novo, a sua consolidaçom com a integraçom na Uniom Europeia como democracia formal, acabando num Portugal despossuído, pola Troika, do próprio modelo de desenvolvimento que subsumiu Portugal na dependência mais absoluta dos centros de poder económicos internacionais: “A desertificação do interior, cuja vida social se encontra exaurida, e a urbanização do litoral, levam algumas pessoas a dizer que o país está a deslizar para o mar”.
Mas os povos enfrentados contra a depredaçom mineira, nom se levantam apenas contra os poderes do estado e as grandes corporaçons internacionais, fam-no também contra os estigmas que os perseguem, contra a imagem fabricada por prejuízos urbanos que, atendendo ao comportamento eleitoral destas regions do norte e o oriente do país, reduzem as contradiçons dumha comunidade tradicional, enfrentada com a cara mais violenta do desenvolvimento capitalista, ao estereótipo do povo submisso e reacionário.
Porém, a insurreiçom das populaçons locais contra os planos de mineraçom descobriu aos altos funcionários do estado e aos conselhos diretivos das grandes corporaçons, mas também às preclaras elites da esquerda portuguesa, que ainda há gente a morar nessas terras, e que aliás, tenhem algumha cousa a dizer, algumha objeçom que fazer, e algumha memória que preservar. Porque, contra a imagem que sobre eles foi projetada, existe também a recordaçom dumha história secular de pilhagem, do roubo da propriedade comunal da terra, os baldios, centro dum complexo sistema de produçom que assegurava às populaçons a autogestom dos próprios recursos por cima das relaçons de poder características do mundo rural, e persistem na memória coletiva as luitas livradas desde o século XIX polo reconhecimento do direito comunitário. Luitas largamente ignoradas e ocultadas, bem pola ausência dum modelo historiográfico de interpretaçom das formas ocultas de rebeliom próprias das sociedades agrárias, tal e como tem exposto James Scott em “A dominação e a arte da resistência”, bem pola versom esclerótica do marxismo que reduze o mundo à imagem dumha factoria industrial, deitando para o lado todo aquilo que nom se ajusta ao seu estreito marco mental.
Contra este esquecimento seletivo e interessado, historiadores como Paulo Guimarães estabelecem umha continuidade na luita meio-ambiental, incorporando à história do movimento ecologista as luitas populares contra a expropriaçom da propriedade comunal e as sabotagens às primeiras instalaçons mineiras. Acçons muito frequentes desde a segunda metade do século XIX e que alcançam o seu cimo com o enfrentamento destas comunidades ao estado fascista e à sua política florestal. Assim, numha entrevista concedida ao jornal Mapa o historiador afirma que: “Há essa ideia de que a consciência ambiental ou ecológica é um fenómeno recente que só poderia vir de elites esclarecidas, como ocorre em Portugal a partir da década de 1970, associada às preocupações pelas alterações ambientais provocadas pelos impactes da industrialização, mas as lutas ambientais não são recentes, pode ser recente uma consciência ecológica, um discurso mais científico, mas havia uma consciência muito viva daquilo que eram as ameaças aos quadros de vida existentes.”
Este modelo teórico vê-se finalmente validado na prática popular em defesa do território. Nas Assembleias de Compartes, que som os órgaos de gestom da propriedade comunal ou Baldios, (só em Covas do Barroso conservam-se mais de 2000 hectares em mao-comum), constata-se um incremento muito significativo de participaçom, a participaçom cidadá nos plenários das Juntas de Freguesia e nas Câmaras Autárquicas tem obrigado aos poderes locais posicionarem-se contra o plano de mineraçom, reabilitando desse modo, velhas formas de pressom popular e democracia direta. Aliás, é agora que as mobilizaçons populares e iniciativas como o Acampamento em Defesa de Covas do Barroso visam reconciliar as velhas dinâmicas das luitas populares com os recursos teóricos e científicos do movimento ecologista, dotando as populaçons dumha consciência global que situa a luita polos seus próprios interesses no contexto do colapso do sistema capitalista.
Finalmente, parece óbvio estabelecer paralelismos com a realidade galega, tanto se atendemos aos factores de exploraçom e dependência, quanto aos elementos culturais e sociais partilhados, característicos do modelo agrário de auto-subsistência, alargados na continuidade geográfica, linguística e histórica apenas travada pola fronteira imaginada polos estados. Deste modo, a presença de entidades populares galegas em defesa do território no Acampamento do Barroso, assim como a participaçom galega no conflito, (a fundaçom galega Monteescola iniciou um processo judicial pola ocultaçom de relatórios meio-ambientais contrários ao projeto da mina perante a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos), apenas surpreenderá a umha elite intelectual galega sempre laiante e derrotista que se considera ignorada polo povo português, menosprezando assim umha história de relacionamentos e intercâmbios contínuos entre os dous povos e que chegam até hoje em forma de berro comum: Nom às minas, sim à vida!