Na Galiza urbana de começos do século passado vivêrom-se transformaçons sociais de grande calado que nom casam com o tópico da paralisia do país que o tópico tem difundido, criando umha imagem de nós próprias muito distorcida. Na Galiza urbana, e nomeadamente no que fôrom chamados ‘os centros do Atlántico’ (Vigo e Corunha) as ideias emancipadoras circulárom livremente, e criárom novas dinámicas.

É neste contexto, na cidade olívica dos alvores da centúria, quando nasce a pessoa que hoje resgatamos e vindicamos. Chamava-se Urania Mella e contradiziu ponto por ponto os roles hegemónicos na altura: era mulher e participava activamente na esfera pública; procedia dumha família abastada, e porém defendia o laicismo e o pensamento científico contra a igreja católica; tinha umha vasta cultura e habilidades em muitos campos, frente a restriçom da mulher no lar.

Nascera numha família muito formada e politizada: seu pai era o pensador anarquista e políglota Ricardo Mella, e sua mae Esperanza Serrano, também libertária, e criada assim mesmo numha família progressista. Era habitual os libertários ‘baptizarem’ as suas crianças com nomes nom judeu-cristaos, demonstrando a sua pretensom de fugir da influência abafante do catolicismo, e eis o nome da nossa mulher, Urania: de origem grega, e alusivo ao deus dos céus, patrom da sabedoria, a astronomia e a astrologia.

Criou-se entre onze irmaos com umha educaçom muito cuidada, que a levou a ser mestra de piano e a estudar na Escola de Artes e Ofícios de Vigo. A sua primeira militáncia levou-na a alfabetizar obreiras na Casa do Povo. Com pouco mais de trinta anos, dirigia a Uniom de Mulheres Antifascistas, umha poderosa organizaçom que, no ámbito espanhol, tinha até 50000 filiadas.

Casou com o socialista de Lavadores Humberto Solleiro, que seria uns anos depois assassinado polos fascistas após um juízo farsa. Com ele começou a criar três cativos, Humberto, Raúl, Alicia e Conchita, e compaginou a atençom às crianças com umha militáncia destacada.

Em 1936, os fascistas fixérom pagar ao casal toda a sua trajectória. Nos primeiros dias do golpe fogem para Redondela, onde som capturados. Solleiro, presidente da Sociedade Cultural e Desportiva de Lavadores, é condenado a morte e executado; a mesma sentença se dirige contra Urania, logo comutada em doze anos de prisom. Viúva com quatro filhas criadas em Vigo sem pais, foi enviada à cadeia de Saturrarán, no País Basco, onde forja umha bonita amizade: na prisom conhece a republicana María Purificación Gómez, que fora a primeira alcaldesa dum concelho galego, a Caniça, com a que tem um convívio profundo em nove anos de encerro.

Como aconteceu a tantas luitadoras, a volta a casa nom é doada, pois no retorno a Vigo bate com um ambiente de ostracismo e incompreensom. A terra queimada que deixara o genocídio fazia o ambiente irrespirável. É assim que decide marchar a Lugo em companhia da sua amiga María Purificación e o seu filho Raúl, mas já gravemente doente dum tumor que rematará com a sua vida, com apenas 45 anos.


Urania Mella é mais um exemplo dumha pessoa moralmente íntegra gorada polo fascismo e condenada, após umha experiência terrível, à morte temperá, com apenas 45 anos. A recuperaçom da memória, nomeadamente neste século que andamos, converteu-na em referente para novas geraçons de galegas e galegos. Em 2009, no contexto das múltiplas iniciativas do movimento popular e o governo bipartido, a homenagem a Uránia tomou forma de poema no livro de Rodríguez Fer ‘Ámote vermella’, intitulado ‘Un tranvía chamado Urania’. Na actualidade, Urania tem umha rua em Vigo. Há mais de dez anos, foi botado em Vigo o barco ‘Urania Mella’, pertencente a salvamento marítimo, e na sua botadura pública, segundo denunciárom colectivos pro-memória, apenas estivérom dirigentes políticos, sem serem convidadas as descendentes de Mella e Solleiro, numha mostra de acto de simples lozimento institucional, sem preocupaçom real polas vítimas de 1936.