Qualquer amante da história do nosso país conhece com mais ou menos fondura o papel central de Ribadávia na Galiza: coraçom dumha rica comarca desde tempos medievais, exportadora dos nossos vinhos aos portos do norte da Europa, umha das capitais do Antigo Reino e centro da mais importante judaria galega; mas também nó ferroviário estrategicamente situado, entre o interior e as Rias Baixas, acarom dum Minho que foi navegável. Estes e outros traços singulares fixérom a vila ribeirá o cenário dum dos capítulos mais importantes da história da solidariedade galego-portuguesa.
Quanto menos desde os finais do século XI, quando o Rei Garcia dá centralidade a Ribadávia, um importante sector económico gerido por judeus marca a vida local, condicionando fortemente a administraçom de rendas, o artesanato e a produçom vitícola. A relaçom do Ribeiro com o mundo judeu vem de longe, mas por acasos de história, e num dos capítulos negros da humanidade, esta vila volve a entroncar com a questom judea em pleno século XX. Centos e centos de judeus e judeas -junto refugiados políticos antifascistas de variado signo- recalam em Ribadávia nos anos mais negros da posguerra, auxiliados por maos amigas: a razom, a rede solidária que um português e três galegas (auxiliados por mais anónimos) nom quem de artelhar em plena ditadura.
Arístides de Sousa Mendes
Em 2017, a editorial Toxosoutos dava a lume a obra ‘Arístides de Sousa Mendes. O Schlinder português’; numha recriaçom biográfica, a literatura galega achegava-se à figura deste diplomático português, originário de Cabanas de Viriato, umha pequena aldeia perto de Viseu. De origem familiar abastada e ideologia católica e monárquica, Sousa encaixava a priori no ideário do Estado Novo, e como tal desempenha-se como cônsul salazarista sem maior complicaçom.
As cousas mudárom enormemente, porém, devido ao ascenso europeu dos fascismos, e ao clima bélico que sacode a Europa na madurez deste personagem; em 1940, dirigindo o consulado português na cidade de Bordéus, os nazis tomam Paris, dispostos a executar em território francês os planos de limpeza étnica e política que levavam adiante em todos os territórios conquistados. Massas de pessoas de origem judea, e dissidentes políticos de todo signo, amoream-se às portas do prédio português pedindo auxílio. Sousa Mendes desobedece as ordens de Salazar e entra em contradiçom com o regime. Se bem o Estado Novo repudiou o antisemitismo publicamente, a polícia política estava especialmente interessada em blocar a entrada de estrangeiros em Portugal desde a década de 30, temeroso de que ‘anarquistas, comunistas e apátridas’ pugessem em causa o fascismo; além do mais, a ditadura portuguesa temia que qualquer toleráncia pública com os refugiados enfurecesse os ‘Estados amigos’ da Alemanha e Espanha.
Durante três dias, o consulado expede milheiros e milheiros de vistos, permitindo a saída da França de multidom de pessoas abocadas a umha morte certa. Num ambiente de pánico, desencontros políticos na hierarquia portuguesa e tensom pessoal, Arístides cai paralisado por umha crise nervosa nestas datas. Mas segundo as estimaçons comumente aceites, 30000 pessoas (das quais 12000 eram judeas) saem como refugiados. Ante os apelos dos seus próprios dirigentes, Sousa Mendes teria pronunciado estas palavras: ‘a partir de agora, darei vistos a toda a gente, já nom há nacionalidades, raça ou religiom’.
De Portugal a Ribadávia
Mas qual é a conexom destes feitos com a Galiza? Muito antes de protagonizar aquele gesto de desobediência, que remataria em séria sançom governamental, Sousa foi cônsul português em Vigo; e segundo narra Vicente Piñeiro a raiz das suas pesquisas, em data tam temperá como 1929, o diplomata português fazia paradas habituais na estaçom de Ribadávia ao deslocar-se em comboio. É ali onde conhece as irmás Touza, Lola, Amparo e Julia. As três regiam o kiosko da estaçom e ganhárom certa confiança de Sousa. Umha década depois, o cônsul recorrerá a elas para a sua empresa solidária.
Também a literatura dedicou o seu espaço a estas três irmás, solidárias totalmente anónimas e, a diferença de Sousa, situadas bem longe de qualquer poder político ou social. Em ‘Memoria do silencio’ de Eva Mejuto recria-se a história destas mulheres generosas, que também chegárom à literatura espanhola de mao de Ruiz Barrachina (Estación Libertad).
Numha Galiza ocupada militarmente polos fascistas, assessorados pola espionagem alemá, que procurava o control da indústria do wolfram, os movimentos eram difíceis. Os portos estavam blindados, e nesse sentido, a ubicaçom de Ribadávia era privilegiada. Topava-se na linha ferroviária Vigo-Hendaia, e estava a apenas quatro horas caminhando da fronteira portuguesa. As irmás Touza eram um enclave seguro na chamada ‘Estaçom Liberdade’, segundo se baptizou em chave, e qualquer refugiado que perguntasse pola ‘Mae’ (nome em clave de Lola) teria garantidos os meios materiais e económicos: as irmás recolhiam-no umhas horas num pequeno agocho baixo o chao do quiosco, para posteriormente sacá-lo rumo Portugal. Nesta segunda parte da operaçom fôrom chaves taxistas, guias de fronteira que sabiam vadear rios, e em geral ex-combatentes republicanos.
O novelista Ruiz Barrachina estima que por volta de 500 pessoas salvárom a vida graças às irmás Touza, que já nos primeiros anos do genocídio se significaram por ajudar os prisioneiros do cárcere de Ribadávia. A sua ajuda era desinteressada e limpa, e muitas vezes tivérom que angariar fundos com eventos sociais para custear a ajuda ao refugiado. Da sua limpeza dá prova um feito: até 1974, por declaraçons dum judeu refugiado em Nova Iorque que lhe devia a vida, ninguém soubo do seu papel da solidariedade antifascista; Lola finou em 1966, Amparo em 1981 e Julia em 1983. Desde 2008, umha plaquinha no jardim da estaçom, onde se atopava o velho kiosko, recorda o seu papel naqueles tempos negros. Ainda, um reconhecimento mui cativo para um labor tam colossal.