Importam as palavras? Todas as tradiçons de esquerda tenhem devotado décadas aos debates terminológicos; e a nossa tendência ao cisma, somada muitas vezes a umha influência social mais bem cativa, tem provocado um certo fastio polo debate de conceitos. Na nossa Terra, este rechaço a perder o tempo sobre como nomeamos as cousas é especialmente forte. E por isso no nacionalismo hispanodependente fijo tanta fortuna a expressom ‘o que importam som os conteúdos e a forma é secundária’. Se nom enarbolamos a palavra ‘independência’ é precisamente por isso: nom é mais que um termo.
Mas no argumento há trampa. Um nacionalismo resolutivo, prático, nom enleado em erudiçons, situa porém o seu momento fundacional no 18 de novembro de 1918, quando se afirma solemnemente: ‘nós nomeamo-nos de hoje para sempre nacionalistas galegos, porque a palavra regionalista nom recolhe todas as aspiraçons, nem encerra a intensidade dos nossos problemas’. Importou ou nom importou um novo termo na história contemporánea da Galiza?
Negar-se à afirmaçom clara apoia-se no argumento evasivo da relatividade das palavras; este quer expressar duas verdades importantes que porém nom apresenta claramente, permanecendo na confusom. E na política como na vida, pensar bem exige expressar-se bem, e viceversa. Quando dizemos toscamente ‘as palavras nom importam’ queremos dizer em realidade ‘as palavras nom som suficiente’. Podemos manejar os termos mais precisos, e politicamente atrevidos, que nom por isso temos assegurada umha prática coerente ou útil, porque ainda falta a prova dos feitos. E quando dizemos toscamente ‘as palavras nom importam’ queremos dizer também que, ao degenerar a prática, um recurso mui frequente é atrincheirar-nos em palavras, como se os termos puidessem dissimular as nossas vergonhas. Muitos milhonários chineses enfatizam o seu comunismo, muitos oligarcas liberais definem-se democratas, e muitos hierarcas católicos dizem-se imbuídos da tradiçom cristá. Caberia também a possibilidade dum independentismo galego corrupto e rendido a Espanha, que se maquilhasse com definiçons contundentes. Felizmente, nom é o caso.
Se nos indivíduos e nas causas colectivas existe algo assim como um modelo ideal no que inspirar-se, este tem a ver com certo equilíbrio de virtudes. Apreciamos especialmente que umha pessoa seja nobre, mas se ademais disso é amável, muito melhor; gostamos de escuitar umha história interessante, mas se por riba disso no-la narram com talento, a atençom dobra-se; e se fundamentalmente aderimos a umha causa porque é justa e necessária, também precisamos que a sua posta em cena se acompanhe de palavras, símbolos e motivos fermosos e inspiradores.
Nas últimas décadas, várias palavras caírom em desuso e, nom por acaso, todas elas tenhem umha carga de intensidade, de assunto sério e transcendente, que as virou incómodas em tempos mais bem despreocupados. Termos como ‘nobreza’, ‘virtude’, ‘estoicismo’, sonam arcaicas e pesadas. O mesmo aconteceu com ‘patriotismo.’ Mas é possível que umha etapa histórica de tensom e desvelo como na que entramosvolte a exigir palavras fortes.
Reconheçamos que os detractores do conceito ‘patriotismo’ levam parte de razom. A febre das bandeiras irrompe sempre em fases históricas de convulsom e decadência, como prova a ascensom actual das extremas direitas europeias, e por isso Bertrand Russell, opositor quase em solitário à I Grande Guerra, deixara escrito que ‘o patriotismo é a disposiçom de matar e deixar-se matar por razons triviais’. Também Schopenhauer captara agudamente que a fusom irracional com um colectivo actua como compensaçom do indivíduo triste e impotente: ‘todo imbécil desprezível, que nom tem no mundo nada do que poder orgulhar-se, refugia-se neste último recurso, de vanagloriar-se da naçom à que pertence por acaso.’ E se dos livros passamos ao mundo material, recordaremos como os Estados Unidos destruírom Iraque com mísseis ‘Patriot’, ou como na nossa Terra, a força militar que impujo a vontade do Estado espanhol a ferro e lume exibe a legenda ‘todo pola pátria.’
Ainda, o termo nom pertence em exclusiva à barbárie, nom sendo que estejamos dispostos a entregar-lho, e com ele todo o seu potencial mobilizador. Na palavra patriotismo ressoa umha adesom muito forte à terra e à paisagem, aos ancestros, à cultura e à língua; mas a um tempo, vai além do sentido étnico: na Grécia aludia ao compromisso com a cidade, com os direitos e deveres da orde política, e nesse sentido o recuperárom os Ilustrados americanos e franceses. Para Thomas Paine, o patriotismo entendia-se também como o dever de rebelar-se contra o mau governo. E mesmo antes das revoluçons liberais, o povo catalám que se ergueu contra os borbons entendia o patriotismo como defesa das ‘constituiçons e liberdades’ daquele território.
Cultura e civismo, coraçom e razom; mas também atitude. Umha ou um patriota som mais algo que um nacionalista, porque no termo lateja, ademais dumha ubicaçom política, a vontade de intervir decididamente por aquilo que nos comove. Numha Terra como a nossa, tam forte em identidade como feble em vontade, precisamos milhares de patriotas para enfrentar o desafio.