As biografias dos galeguistas ocupam um grande lugar na memória do país, e som a melhor prova da eficácia do discurso nacional na hora de espalhar nomes, símbolos e relatos; polo geral, associam-se a umha grande produçom intelectual e à formaçom especializada, e só parte delas estám vencelhadas com a acçom. Existe, porém, um outro contingente de galegos e galegas, injustamente ensombrecidas na historiografia e no recordo do povo, e cuja achega foi decisiva para a nossa sociedade na época contemporánea. Escrevêrom menos – ou fixérom-no anonimamente- e luitárom até a extenuaçom. Referimo-nos a militantes sociais, nomeadamente libertários, que estivérom na primeira linha de fogo dos grandes confrontos do século XX; e que sem aderirem nem de longe ao ideário nacional, fixérom um contributo galego a causas nobres.
Hoje damos o nosso espaço de memória a José Ledo Limia, nascido no ano 1900, segundo apontam a maioria de fontes, na cidade de Ourense. A sua é umha vida inçada de experiências militantes, migratórias, bélicas, carcerárias e organizativas, em pontos muito distantes do planeta. Os seus apelidos apontam inequivocamente à Galiza interior e o segundo, obviamente, é quase privativo da comarca do mesmo nome. Sem termos dados dos seus primeros anos de vida, sabemos que participa de duas experiências marcantes dos galegos daquela altura: a emigraçom ultramarinha e a mobilizaçom bélica forçosa em Marrocos nos anos da ditadura de Primo. O primeiro dos fenómenos, como tem analisado o historiador Eliseo Fernández, coloca a Galiza como um autêntico centro do Atlántico, e portanto como núcleo receitor e irradiador de ideias, pessoas, tecnologias, e materiais. Os portos oceánicos e as rotas transcontinentais foram no passado um grande canal para a difusom do ideário liberal, e no século XX terám o mesmo efeito para a irradiaçom das ideias anarquistas (foi estudado o papel dos camareiros marítimos na difusom de textos subversivos dum a outro lado do mar). Por outra parte, a experiência da guerra imperialista, umha carnificina pagada polas classes populares, abriu muitas vezes os olhos ao sem sentido das empresas estatais, e pujo em contacto soldados de procedências geográficas e culturais mui diferentes.
Pode-se dizer portanto que o internacionalismo anarquista foi, antes que teorizado, vivido. Diz-se que Ledo Limia se converte ao ideário libertário na emigraçom em Pensilvania, e de mao de outro ourensano, Antonio Guede, enquanto que outras fontes dizem que o seu companheiro subvenciona a viagem de Limia aos USA, pois já partilhavam sentir político. Seja como for, e em relaçom com este mineiro de Banhos de Molgas que luitou durante toda a sua vida na América do Norte, o nosso homem envolve-se na campanha solidária com Sacco e Vanzetti, dous anarquistas italianos condenados a morte num juízo sem garantias, alentado por umha vaga anti-esquerdista e xenófoba nos Estados Unidos.
Em 1926 Ledo pisa território espanhol, pois fora deportado polo governo norteamericano pola sua implicaçom política. Em plena ditadura de Primo, e no que será umha constante da sua vida, subsiste entre a prisom e os agochos, enquanto contribui para a fundaçom do Ateneo de Divulgaçom Social de Madrid. Para umha militáncia nom profissionalizada e classe obreira, o trabalho era umha obriga tam vital como o activismo: daí que em anos republicanos topemos a Ledo como cozinheiro na Companhia Transmediterránea, viajando a Brasil, Uruguai e Argentina, e transportando militantes e propaganda. Numha das suas travessias estivo a piques de morrer de paludismo, polo que deixa o mar.
Na tentativa insurreccional de 1934 Ledo aparece aderido ao grupo de acçom ‘Los Intransigentes’. A sua linha antipactista e de combate foi de por vida, foi leal à FAI, e em anos sucessivos posicionará-se contra qualquer compromisso da CNT com a política republicana. Naquele ano foi encarcerado com dous destacados anarquistas, o telheiro italiano Fosco Falaschi (caído na guerra na frente de Aragom) e o topógrafo castelhano Benigno Mancebo (fusilado polos fascistas em Madrid em 1940). Ledo fora condenado a morte no governo da direita, mas a amnistia promulgada pola Frente Popular salva-o, e possibilita a sua contribuiçom ao esforço antifascista.
Além de fortíssimas lealdades político-ideológicas, na guerra abrolham aliás lealdades étnicas em todos os bandos. No cerco de Madrid, Ledo aparece como integrante da Coluna Galega, e mais tarde na Agrupaçom de Galegos Libertários, que editará o periódico Galicia Libre. Na sua redacçom coincide com outros compatriotas, como Vázquez Valiño, de quem este portal se tem ocupado já, e que na segunda etapa da sua vida evoluirá para o nacionalismo.
Salva-se da queda de Madrid e chega a Barcelona, onde tem um papel salientável na ‘guerra dentro da guerra’, que enfrenta comunistas e republicanos com libertários e troskistas em Maio de 1937. Paralelamente ao seu choque com a oficialidade estatal, enfrenta-se com o sector anarquista de Federica Monteseny, na altura envolvida no governo.
Foge da queda de Barcelona, mas nom dá evitado os campos de concentraçom que o Estado francês reserva para os exiliados, e tampouco os campos de castigo que o poder reserva para os fuguistas. Um mínimo alívio na sua vida chega quando consegue umha passagem para a América; desde México, contribui para o funcionamento no exílio da Confederaçom Regional Galaica, e mesmo tenta sem sucesso umha instalaçom em Portugal, desde onde tem que retornar por pressom policial. Desde entom, e em consonáncia com o grosso do anarquismo, a sua acçom enfraquece-se, condicionada por umha conjuntura de debalo política de debalo. Voltará à Terra na década de 70, para morrer com 77 anos numha residência para idosos de Ourense.
Grande escritor de correspondência com as primeiras espadas do anarquismo peninsular, algumhas das suas cartas podem ser consultadas na obra do também galego Campo Carpio (Frente Ibérico de Revolución Social, Melbourne, 1975); a sua biografia apareceu em fascículos no parisino L’Espoir em 1974, e em 2004, Pereira e Fernández redigírom umha semblança de Ledo na obra O anarquismo na Galiza. Apuntes para unha enciclopedia). Pequenas calas numha vida longa e intensa, para quem desejar conhecer um perfil de luitador que a história escureceu.