Há no esforço algo nobre que nos fai contemplá-lo com simpatia, mesmo se serve a propósitos que nom aceitamos. A disposiçom à entrega total resulta ser algo assim como umha posta em acçom de todas as faculdades que jaziam adormecidas no interior dumha pessoa ou dum colectivo, umha espécie de revelaçom do que nos era desconhecido; em linguagem neoliberal própria da auto-ajuda, ‘a sua melhor versom’.

Na cultura espanhola do ‘pícaro’, as situaçons de desigualdade estrutural devem ser salvadas com umha mestura de astúcia, falta de escrúpulos e falsidade. Mas outro paradigma -nom revolucionário- para minorias oprimidas foi o recurso ao esforço, à laboriosidade silenciosa que, com o norte no longo prazo, permitiria compensar as muitas carências com as que o acaso e os poderosos nos forçárom a enfrentar o dia a dia. Paul Lafargue, o genro de Marx que escreveu ‘O direito à preguiça’ cantou umha suposta querência dos espanhóis pola ociosidade, enquanto contemplava horrorizado o amor dos galegos (junto com escoceses, pomeranos e auverneses) polo trabalho extenuante e sem trégua. O sociólogo Pierre Bourdieu, que descobreu como a adquisiçom de cultura pode considerar-se também a adquisiçom dum capital mui potente e especial, pujo o foco na sobredose de esforço que acompanhava o sucesso académico dos intelectuais procedentes de famílias labregas e proletárias, compensaçom da desavantagem de partida. O republicanismo irlandês, na versom dura e política desta filosofia da carência, popularizou a legenda (logo reciclada para o mundo desportivo) ‘ninguém está disposto a sofrer tanto como nós’, advertindo a um dos impérios mais poderosos do planeta que se enfrentava a um nacionalismo demograficamente cativo e quiçá pobremente armado, mas disposto a todos os extremos. E sem nos determos nos capítulos mais ríspidos da existência, bem podemos ver como toda biografia alegre sobre o virtuosismo artístico, científico ou atlético inclui um monográfico de esforço.

Nom surprende que, na nossa Terra, o independentismo fosse o grande valedor teórico e prático desta forma de enfrentar as cousas. Numericamente minoritário e privado do apoio de qualquer bloco social com poder, habitou desde os anos 20 a periféria dum espaço de seu periférico (o do próprio galeguismo); desde a Reforma política, nutriu-se fundamentalmente da classe trabalhadora urbana, o estudantado, e a mocidade sobre-qualificada e precarizada do século XXI, com um peso relativo do funcionariado muitíssimo menor que o nacionalismo institucional, e tivo que nutrir a sua acçom exclusivamente com o dinheiro dos próprios salários; submetido ao ostracismo mediático e a certo cerco policial, nom puido oferecer às suas fileiras a consolaçom de empregos, parcelas de poder ou a gratificaçom do prestígio social, senom que cimentou o sentido de pertença em fortes irmandades de entrega partilhada.

Do grande valor do esforço e da paciência tem falado abondo a tradiçom revolucionária e, suscrevendo-o moral e politicamente, nom imos ser reiterativos neste escrito. Temo-nos detido menos, porém, das deformaçons que pode trazer consigo se deixamos de submetê-lo a umha saudável esculca crítica. A noçom de esforço vai quase sempre acompanhada da noçom de quantidade; e esta, no combate militante, traduze-se sempre numha gigantesca dedicaçom de horas, recursos económicos e materiais, sem demasiada atençom aos ciclos polos que atravessam os processos, às muitas dimensons contraditórias da psique das pessoas, e à qualidade dos produtos oferecidos. Para várias tradiçons radicais que conhecemos, a vontade de estar sempre presentes a altíssimas intensidades veu a funcionar como umha forma de compensaçom da indiferença social que rodeava o seu agir, da mesma maneira que umha pessoa sobe o seu tom de voz quando sente que nom a escuitam, ou quando estima que a sua opiniom está a ser desatendida. E polo geral, quando o tom sobe, a qualidade mingua.

Aqueles militantes com capacidade de cálculo estratégico e bom conhecimento das próprias forças puidérom tirar proveito destas duras travessias fazendo-se mais duros, sábios e confiados, em síntese mais solventes para cenários tam volúveis e exigentes como este no que o mundo semelha adentrar-se; mas junto às histórias tam formosas e dignas da nossa tradiçom, justo é reconhecer o ronsel de frustraçom, abandonos, impotência e sentimentos encontrados que deixam as luitas revolucionárias, incluída a nossa, esbanjando umha valiosíssima canteira de talentos e saberes por umha má compreensom da dialéctica entre acçom e relaxaçom, intensidade e folgura, quantidade e qualidade, virtude e felicidade. Ao igual que o mundo da elite desportiva ou da dirigência empresarial, a militáncia produz o seu próprio sindrome de ‘burn-out’. Mas a diferença destes ámbitos, nós nom devêssemos descarregar as responsabilidades do acontecido nas pessoas, amontoando baixas e obviando as deficiências das estruturas.

O sentimento generalizado de debalar, a urgência por soluçons para todo e a procura de tabelas de salvaçom, unido à exigência de permanente protagonismo que trazem as redes sociais, poderia intensificar ainda em nós esta soluçom da quantidade e da pressa, somando o nosso berro ao berro de dúzias de sectas filosóficas, espirituais ou políticas que preparam os ánimos para tempos sombrios. Longe desta tentaçom, e precisamente pola dilatada história do nosso movimento, acumulamos vivências, importantes liçons organizativas e, mais que em qualquer momento, umha rede de indivíduos dotados de habilidades profissionais e pessoais em ámbitos mui diversos, que vam fazer possíveis novos trajectos. Mas para isso cumpre actualizar o nosso velho amor polo esforço e saber refiná-lo, demonstrando que nom só trabalhamos muito, senom que trabalhamos bem; que nom só temos coerência, senom também competência; que só triunfaremos se estamos abertos a contributos tam diversos como diversas som as milhares de pessoas que acreditam na república galega.