Nom celta, nom reino, nom bravas, nom língua, nom… colónia.
A partir da Ilustraçom, a naturalizaçom das opressons começou a ser argumentada sobre os esteios da “ciência”, da autoridade académica. Quer-se dizer, o patriarcado, a escravitude, a dominaçom imperialista, a ordem existente ao cabo, já nom só eram assim por vontade de Deus, senom também por lei natural. As oprimidas nasceram inferiores de seu e cumpriam o papel que a natureza lhes reservara, igualinho que um impala serve de jantar para um leom. Pois as universidades e academias de toda caste nom constituíam mais que outro elo na engrenagem do poder estabelecido que justificavam o existente. Umha fábrica de narrativas teleológicas em todos os âmbitos de estudo enunciadas sempre desde o cúmio dos privilégios, ou seja, cegas para a óptica dos infra-humanos.
Coa apariçom do Estado-naçom, em harmonia necessária co capitalismo industrial, a importância da narrativa justificadora do statu quo adquiriu muita mais relevância. O credo nacionalista dos Estados constituídos ao serviço das oligarquias locais e globais elaborava-se e referendava-se nos escritórios das autoridades inteletuais reconhecidas entre si e polo poder. A tese de Enrique Dussel que afirma que o EGO COGITO do cartesianismo eurocéntrico precisa inevitavelmente do prévio EGO CONQUIRO demonstrava-se em balhom. O Modesto Lafuente que, desde 1850, argalhava o esqueleto do que seria a história nacionalista de Espanha até o nosso presente, inventou a Reconquista medieval como projeçom das guerras coloniais espanholas do seu tempo em África. E velaí que, em pleno século XXI, multitude de crianças muçulmanas de cidadania espanhola devem estudá-la nos seus livros de texto. Igual que as galegas aprendem nos de literatura espanhola que a poesia neoplatónica da nossa lírica medieval é popular e que o Mio Cid que se entoava polas praças é culto. Pola mesma, a explicaçom darwinista da competência tal que motor da evoluçom validava a ideologia liberal e naturalizava as desigualdades, como evidenciou depois Kropotkin coa sua tese do apoio mútuo. Mas, para acometar a angueira, ao científico russo cumpriu-lhe recorrer à epistemologia existente que nom podia ser outra que a que justificava a hegemonia do sistema mundo capitalista. O mesmo que lhe aconteceu a Marx para engenhar O Capital ou a Simone de Beauvoir para O Segundo Sexo.
Para as oprimidas, a necessidade de construçom dumha narrativa própria que sustentasse os sujeitos de luita que iam artelhando arrastou sempre esta canga inevitável. E eis também a sua vulnerabilidade em forma de dependência académica quanto a prestígio e credibilidade social. Lafuente, Menéndez Pidal ou o Sánchez Albornoz que projetava na Covadonga de Don Pelayo os maquis asturleoneses da postguerra, som autoridades reverenciadas hoje polas universidades do regime espanhol. As mesmas que ridiculizárom atréu as histórias de Galiza de Murguia e Vicetto. Cumpre aceitar esta determinaçom da materialidade em que nos movemos para darmos entendido o funcionamento das narrativas cavalo de Troia. Umha debilidade que foi empregada polo poder para rilhar por dentro os dicursos que o questionavam em toda a parte. A suposta asépsia académica das instituiçons oficiais e oficiosas afogava ou minguava qualquer construçom indesejável das despossuídas e sempre polo seu bem.
Nom celtas
Contodo, no caso da luita galega, tem-se mui pouco em conta. A nossa narrativa nacionalista do XIX e da primeira metade do XX seguiu como qualquer outra o esquema nacionalizante europeu que preponderava. Igual que os Franceses tinham os celtas galos e o assédio de Alésia, os espanhóis contavam cos celtíberos e Numáncia, os ingleses cos celtas britanos e Boadicea, até os sionistas co povo bíblico e Massada; nós, cos celtas galaicos e co Medúlio. Por isso lhes cumpria erodir aquele atrevimento e parodia-lo co peso da academia e da “ciência” infalível ao serviço do projeto nacional espanhol. Quiçais, a naturalizaçom da opressom encontrou aqui a sua faciana mais descoberta. Pois, ao cabo, tratou-se de projetar num passado original a imago do povo galego desejado pola ideologia colonial que enunciava o ataque ad absurdum. Quero aclarar que desaprovo qualquer tentativa de supremacismo defensivo a tal que o da Naçom do Islám americana pola pretensa proximidade galega, via celtismo, à etnoclasse norteuropeia dominante frente aos surenhos espanhóis. Esse tropos atlantista constitui o enésimo exemplo da construçom da defesa do escravo coas armas do amo. Encontramo-lo na altura também em Euskal Herria, Catalunha, Bretanha e quase em qualquer naçom sem Estado do nosso continente. Um “inferiores serede-lo vós” elaborado.
Porém, chegar a negar a celticidade evidente da língua dos galaicos, aceitada por todo o orbe filológico; a contradizer as fontes clássicas quando chamam celtas aos nossos devanceiros ou até a eles mesmos quando se denominam célticos nos primeiros escritos epigráficos abraça o esperpento. Mas velaí que isso foi o moderno e o científico no nosso país desde que o regime franquista nos enviou a Galiza o madrilenho e delator de republicanos Alonso del Real coa misom de desfazer todo o legado investigador de Cuevillas e do Seminário de Estudos Galegos. Em 1955 converteu-se em catedrático de “Prehistoria e Historia universal de las Edades Antigua y Media y de Historia general de la Cultura (antigua y media)” na Universidade de Compostela. Geraçons de soberanistas bem intencionados assumírom entre gargalhadas que em Galiza nom havia mais celtas que os sem filtro e tentárom modernizar a historiografia pátria desde o novo paradigma. No summum do paroxismo, a negaçom da celticidade propunha um atraso tecnológico e social inerente ao Noroeste peninsular e um isolamento crónico a respeito do resto do continente. Exatamente o mesmo que o pensamento franquista lhe atribuía à Galiza daquela. Mas nom só, também um caráter pacífico que desbotava nom só as crónicas dos clássicos, também a onomástica bélica, os deuses marciais, o caráter defensivo dos castros e até as esculturas de guerreiros armados nas suas portas.
Ainda hoje, a narrativa cavalo de Troia do anti-celtismo provoca que historiadores soberanistas dêm vivas a qualquer estudo espanhol que afirme a pureza celta dos celtíberos frente aos trogloditas galaicos. Também arrepiam ao ver a indústria metalúrgica do VII a. C. em Ponta Lagosteira, o macro-porto comercial da Lançada pré-romana, a cisterna urbana do castro de Viladonga do II a. C. ou os restos de assédios e quarteis de ocupaçom romanos sobre os pacíficos galaicos.
Nom reino
Do mesmo jeito, o esquema europeu alicerçava os Estados-naçom numha suposta continuidade sobre os reinos medievais. Nengumha história nacional europeia que se prezasse podia carecer dum glorioso passado no medievo. Porém, a península ibérica abeirara nesse período um enxámio de realidades políticas e culturais diferentes. O relato espanholista abrolhado no XIX tinha por força que manipular aquela fenda para a ajeitar ao seu desejo unitarista. Assim nasceu a mitificaçom dos cento e poucos anos em que os godos aparentemente unificaram o sul dos Pirineos como arcádia destruída pola islamizaçom posterior. De par, um insólito processo de reconquista e repovoamento coa raça pura hispana como protagonista ao longo de sete séculos.
Nesta versom supremacista e ridícula que ainda se estuda nas escolas, o mais longíquo dos reinos peninsulares (410-1833) foi o que mais perdeu, o nosso. De facto, nom aparece. Tivo que ser desde fora das instituiçons universitárias galegas contemporâneas desde onde se estourou o prédio ideológico. Anselmo López Carreira, catedrático de instituto e professor da UNED, disparou aos mesmos esteios do paradima espanholista a golpe de fontes históricas no seu fundamental O Reino Medieval de Galicia. Nele assinalava-se a tosca manipulaçom em que se erguia o edifício monumental da espanholidade. A sucessom reino de Astúrias-reino de Leom-reino de Castela aparecia como o que era, umha burda falsificaçom ao serviço do nacionalismo espanholista desde o XIX. As fontes europeias, peninsulares e muçulmanas medievais denominavam Reino de Galiza ao espaço político do Noroeste, como ele achegava documentalmente. Assim, era compreensível que a lírica mais importante daquele estado medieval se escrevesse na nossa língua, a mesma que Portugal seguiu a empregar após a separaçom. Nom em astur-leonês, como seria de aguardar.
O que acometeu Anselmo foi um exemplo de rigor e prática decolonial, o confronto direto co paradigma hegemónico. As traduçons do Jalikia dos textos árabes como “reino de León” polas reverenciadas autoridades históricas da oficialidade espanhola ficam desde aquela em matéria de memes para qualquer análise independente. Mas velaí que, ainda hoje, multitude de soberanistas seguem a repetir que Garcia foi o único rei de Galiza e a tentar inserir umha visom regionalista no paradigma histórico espanholista do Astúrias-Leom-Castela da Reconquista. As universidades do regime, após aclarar que nom resulta ajeitada a ideia da Reconquista, mantenhem a terminologia por “convençom”. Porém, nos livros das nossas crianças fica imóbil desde há mais dum século o conto supremacista. Pola mesma, o reino de Galiza permanece em fulgor da sua ausência ad gloriam Don Pelayo, El Cid e os repovoamentos com raças puras. Eu mesmo tivem que escuitar na faculdade de Filologia que aquela anomalia de escrever em galego tam alta literatura, e nom em asturleonês ou castelhano, provinha das qualidades líricas do nosso idioma. A sentimentalizaçom do colonizado como parche multiusos para as incoerências do embuste imperialista, nada novo.
Nom bravas
Esta sentimentalizaçom dos colonizados, seguindo o modelo do patriarcado contra as as mulheres para as despossuir da racionalidade e assim inferiorizá-las, dá na ideia da mansedume congénita. Proposiçom que foi reinterpretada como pacifismo natural noutra narrativa cavalo de Troia recorrente.
Destarte, os galaicos eram aprazíveis igualitaristas primitivos mália fornecer a Roma, com diferença, o maior número de legionários da península e manter os principados autóctones até a chegada dos Suevos. Os irmandinhos, que derrubárom quase todas as fortaleças do país e expulsárom a nobreza do nosso território, 50 anos antes da Guerra de las Comunidades castelhana, reduzem-se a umha anedota intranscendente romantizada polos galeguistas. A nossa nobreza resistente ao poder castelhano no XV, que mesmo obrigou os reis Católicos a retirar as tropas do assédio de Granada em 1486 para a confrontar, mitos novecentistas do romantismo enxebre.
Do mesmo modo, a auto-constituída Junta do Reino da Galiza, trás ceder Fernando VII os seus domínios a França, permitiu umha dinâmica paralela à dos vice-reinados americanos nas que se situa o começo das suas independências. Ergueu um exército civil que derrotou as invitas tropas napoleónicas em seis meses. Gesta na que o exército espanhol nom participou. Mas abofé que também se converteu em apenas um capítulo menor da Guerra de la Independencia Española, de seis anos de duraçom, na narrativa hegemónica vigente. A Revoluçom Galega de 1846 ou desaparece ou é enfraquecida até um pequeno levantamento militar do montom liberal e que remata nos fuzilamentos em Carral dos castrenses espanhóis que aparentemente o protagonizaram. Ainda que o Governo Galego, com Antolim Faraldo à frente, declarasse a independência de facto o 15 de Abril e criasse umha milícia de voluntários para o “Exército de Liberaçom da Galiza”, ainda que o exército espanhol bombardeasse o Lugo rebelde trás os fuzilamentos de Carral ou que os cárceres se saturassem de civis e a resistência guerrilheira continuasse quatro meses mais. Os motins de Ferrol e A Corunha como muito chegam a notas a rodapé. O movimento agrário anti-foral que salferiu Galiza de labregos assassinados pola Guardia Civil corre idéntica sorte. O Gallego Soto da Patagónia Rebelde ignora-se, como toda a imensa multitude de revolucionários americanos nados na nossa Terra.
Assim e todo, conhecemos a bravura dos mineiros asturianos, a valentia dos jornaleiros andaluzes ou a heroicidade catalá na Semana Trágica. Porque a marca de galeguidade exige sermos-lhes dóceis de nosso até a caninidade. Se compararmos as negras de Foi-se co Vento coas criadas galegas do cinema espanhol haviamos comprovar a mesma determinaçom natural dos personagens com total claridade.
Dionísio Pereira, numha palestra recente sobre os galegos na Guerra do Rif, sinalava a contradiçom entre a imagem transmitida pola historiografia dominante e os dados. Resulta que o nosso povo era descrito como submisso ao belicismo colonial espanhol quando o número de deserçons galegas durante o conflito era o mais ostentosamente elevado. Igualmente, a guerrilha galega anti-franquista constitui a resistência armada ao fascismo mais prolongada da Europa. Porém, ensinárom-nos que Galiza fora de Franco desde o começo da guerra e que ele era galego. Como se a gente que lhe dera a vitória à Frente Popular e votara maciçamente polo seu auto-governo fosse responsável da traiçom das tropas assentadas no nosso território ou dum general espanhol criado num dos seus quartéis.
Esta naturalizaçom da mansedume dos oprimidos produziu no nacionalismo umha outra narrativa cavalo de Troia que sem querer a confirmava: o nosso pacifismo vitimário. Seguindo os arquétipos inevitáveis do martirológio cristao, os nossos mortos do genocídio fascista na Galiza son uns piadosos pacifistas assassinados por oferecerem a outra façula aos bárbaros, qual Santo Estevo ou Santa Luzia. Mas o feminismo ensina-nos que o rol de vítima pola que sentir mágoa serve ao patriarcado como disciplinador das mulheres lembrando-lhes o que lhes pode passar, reforçando o cliché das sua debilidade e enfeblecendo a sua auto-confiança. Por isso, quando as agredidas respondem a agressom de qualquer forma ou se mostram resistentes às feridas, passam a ser mulheres desnaturalizadas que nom desempenham o seu papel dependente da proteçom dos machos bons.
Neste sentido, a asunçom do caráter lírico do nosso povo frente ao épico castelhano que fai Castelao no Sempre em Galiza transforma-se num dos exemplos mais evidentes da interiorizaçom da sentimentalidade colonial polo nacionalismo. Mas sem épica nom se pode construir a segurança e a fe no sujeito coletivo, apenas a saudade ou o reformismo pedichom. Recriar-nos no arquétipo do servo sofrente do cristianismo, com base na superioridade moral dos derrotados, lembra umha e outra vez a derrota. Isso, canda a monopolizaçom do nacionalismo pola classe média, explica a pobre presença da guerrilha galega no nosso imaginário nacional. O Bóveda cristao que perdoa os seus verdugos, digna e mansamente como lhes cumpre aos galegos bons, devorou o Joám Jesus Gonçales independentista que respondeu o golpe encabeçando povo galego armado contra o fascismo espanhol. Mas o cavalo de Troia do pacifismo inerente à nossa condiçom nacional vai mais alá e ajuda à minorizaçom de toda violência defensiva própria, desde a Revoluçom do 1846 até a atividade dos Irmandinhos de Reboiras. No seu lugar, umha história da literatura galega que assolaga o espaço da história nacional coa inteletualidade de classe média como modelo social cobiçado polos seus enunciadores.
O nacionalismo celebra com fervor o dia da Galiza Mártir ou os fuzilamentos de Carral, mas nom rememora o 15 de Abril da proclamaçom de Faraldo, a anterior vitória nacional contra o exército espanhol em Sigüeiro ou a República Galega de 1931. Quem nom recorda que algumha vez venceu e se refocila na beleza dramática dos calvários está incapacitado para transmitir certeza nas próprias capacidades, esperança. A esperança e a xenreira das agraviadas constituem o principal combustível para as mudanças sociais ao longo da história, nom a fé nos valores abstratos. Quando o Exército Guerrilheiro do Povo Galego Ceive voou o chalé de Fraga em Perbes, a sua mulher declarou à imprensa que isso nom o puderam fazer galegos. Igualinho que quando os jornais afirmárom que Reboiras era um etarra. Se, como galegas, igual que como mulheres, deixamos o papel de vítimas que nos corresponde, desnaturalizamo-nos para eles.
Após o confinamento, o nosso lírico povo do Nunca Mais e as 14 greves gerais em “democracia” foi o segundo em número de manifestaçons do Estado espanhol, só superado polo catalám. Contodo, as maquinárias do ensino e da opiniom pública do regime seguem a fossilizar a lampana da Galiza dócil ajudadas pola sua interpretaçom como pacifismo inato da narrativa cavalo de Troia antibelicista. Endebém, todas sabemos que, nos últimos 25 anos, produziu mais soberanistas a épica popular do Bravu que todo o lirismo pacifista da classe média galleguista.
Nom Língua
Os casos da normativizaçom e da normalizaçom da nossa língua constituem os exemplos mais evidentes de narrativas cavalo de Troia. A oficialidade autonómica impom-nos a escrita com ortografia espanhola dum idioma que poderia abraçar 250 milhons de falantes da lusofonia apenas com recuperar a sua grafia histórica. Idêntico ao caso do vietnamita, que emprega o alfabeto ocidental do francês para desvincular-se da escrita em carateres chineses que utilizava antes da colonizaçom europeia. Como Alonso del Real contra os celtas, em 1965 também nos chegou de Astúrias à Universidade de Compostela o ínclito Constantino Garcia, contra qualquer tentativa reintegracionista do galego na lusofonia. Fundou o Instituto da Língua Galega em 1971, e, quando se lhe fijo mol, o Centro Ramón Piñeiro em 1993. Nunca deu dominado a fonologia do nosso idioma, mas chegou a apresentar um programa sobre correçom linguística na TVG em que pontificava sobre o bom falar sem ser quem de articular “umha” ou diferenciar as vogais médias. Porém, hoje ainda é grossa a greia de nacionalistas que aspiram a que na República Galega empreguemos os teclados espanhóis para o nosso idioma e retrucam que o português procura exercer imperialismo connosco.
O recurso ao ecolingüísmo para justificar a proposta normativa isolacionista representa a volta de folha desta ideia. Como Portugal impujo o nosso idioma como império por todo o planeta, disque nom resulta ético empregar o seu peso internacional para nos defender do imperialismo espanhol. Haveria que lhes perguntar, polas dúvidas, aos timorenses co mesmo português ou aos quebequeses co francês internacional. Limpos de toda cumplicidade imperialista, nom aceitar o potencial estratégico da situaçom real presente para precisamente combater a imposiçom colonial imediata no nosso território é de tolos. Como quem num cerco se nega a utilizar os canhons e prefere só as frechas, já que a pólvora é um invento do inimigo. Quem lhes dera a bascos, cataláns ou galeses semelhante artilharia para se defenderem. A quem lhe pode prejudicar a inclusom do galego na lusofonia além de ao nacionalismo espanhol? Nom existe outro jeito de explicar que se dê mais presença do português no ensino em Extremadura do que na Galiza.
Assim e todo, se o cavalo de Troia nos esmagou na forma de escrever o nosso sinal mais patente, na pronúncia o seu sucesso foi ainda mais machucante. A começos do século XX, as três quartas partes dos galegofalantes pronunciavam o “g” de forma aspirada, quer dizer, tinham o que desde a academia se categorizou intencionadamente como “gheada”. Mas nom só, também o Norte de Portugal a empregou profusamente num uso que chegou até hoje mesmo. Para qualquer observadora alheia à nossa realidade sociolingüística, cai de caixom que “ghato” ou “ghitarra” se vocalizam de maneira diferente do espanhol “gato” e “guitarra”. Porém, este traço, tam próprio que se acabou considerando característico das classes populares galegas, as menos aculturizadas no espanhol, chegou a apresentar-se como um espanholismo no nosso idioma para o erradicar. Destarte, umha aspiraçom consonántica sem a que nom se poderia explicar o “faer” ourensano ou o “eló” do Barbança acabou por significar todo aquilo da fala popular que, por impuro, cumpria extinguir. E é que o modelo oral da nossa língua abrolhava das maos da classe média espanholizada, incapaz de fugir da eufonia colonial do castelhano mália se esgotar na recuperaçom de palavras perdidas.
Em 1970, José Luís Pensado, membro da Real Academia Espanhola e da Galega, catedrático da Universidade de Oviedo, publicou Interferencias estructurales castellano-gallegas: el problema de la geada y sus causas. Nele, propom que este traço diferenciador da fonética galega a respeito do espanhol nasceu fruto da confusom das massas do nosso velho reino ao aprender castelhano no século XVI. Quer dizer, num momento em que a percentagem de populaçom alfabetizada era de menos do 15%, ele defende que é a confusom na escrita do “j” e o “g” em castelhano a que provoca que incorporemos um novo som ao nosso idioma. Mas nom só, também que o fagamos identificador precisamente das classes iletradas e desconhecedoras da língua alheia. Ainda que o conde de Gondomar, que escreve no século seguinte, testemunhe nas suas cartas que nom encontra em Galiza com quem falar em castelhano, resulta que tinha força avonda para mudar o sistema fonético do galego cem anos antes e desde a escrita. Deste modo, no canto dumha explicaçom endógena da pronuncia partilhada co Norte de Portugal e que resolve os “elós” e os “faer” canda os “domincos” e “nincuns” da costa, adscrevem-nos umha má cópia do castelhano que os coitados galegos estendérom a toda a sua língua em pleno século XVI. Sim, centúria sem escolas nem meios de comunicaçom, com missas em latim e coa minúscula administraçom do Antigo Regime. Por riba, a teoria da confusom ortográfica tenta explicar a pronuncia galega faringal e glotal, semelhante ao “h” do inglês, co “j” espanhol (oclusiva velar xorda). Um som que se espalhara na língua de Castela havia apenas um século polo peso do árabe nos territórios andalusis recém invadidos e que nom se consolida até o século XVII.
Ou seja, nom só o tomamos dos castelhanos colocando-o no nosso idioma onde nom correspondia, também lhe alteramos a pronúncia aspirando-a. Aliás, teimamos em inseri-lo nas falas galegas em que melhor se conservou a pronuncia medieval frente às mais proximas à diçom castelhana, que o perdérom. Entrimo, por exemplo, mantém o sistema de sibilantes arcaico, quase o das cantigas de Meendinho, de par da gheada que também partilham as falas portuguesas de além Minho menos lisboizadas. Como se castelhanizariam os lusos mais isolados com esta pronuncia tam horrenda para espanholismo e classes médias galegas, quando ainda hoje, com todo o peso dos meios e as instituiçons nacionais, a conservam marginalmente?
A óptica desde a que se enúncia este despropósito é a do que pretende explicar-nos como inferiores desde a sua superioridade criadora. Assim, de passo, justificam-se os preconceitos que refugam umha pronúncia demasiado popular, é dizer, demasiado nossa para ser considerada apta na escala de valores hegemónica, espanhola. A conseqüência evidente foi avergonhar-nos a geraçons de paleofalantes porque nem sequer vocalizamos corretamente o idioma que nos estigmatiza e reafirmar a pronuncia coincidente coa língua de poder como a válida e formosa. Mas o caso é que o cavalo de Troia da gheada que Pensado vestiu de ciência segue a defender-se por alguns reintegracionistas, já que seica nos afasta da lusofonia. Imaginemos que em Brasil se refugasse a palatalizaçom do “t” (sim, o de “quero-chi provar”) para imitar fielmente o português europeu ou que nas escolas venezuelanas se esforçassem por impor a pronuncia do zetazismo castelhano às crianças.
No fundo, o rejeitamento da vocalizaçom própria, nom só a gheada, exerce-se por preconceitos de classe e racistas, coloniais. Nom há mais que olhar para a cheia de nacionalistas que ridiculizam a corunhos e caciques atribuindo-lhes umha fonética galega em espanhol infinitamente melhor que a que empregam quando eles falam o seu galego “normal”. Outro triunfo do espanholismo entre as nossas próprias muradelhas defensivas.
Nom Colónia
O decolonialismo atual emprega conceitos como matriz colonial de poder, etnoclasse e colonialidade para explicar o fenómeno colonial no presente. As mentalidades, as relaçons de poder e a submissom económica à metrópole determinam-se entre si para manter umha organizaçom social subalternizada e favorável à acumulaçom capitalista e à estrutura mundial existente. Quando Enrique Dussel afirma que México é umha neocolónia dos Estados Unidos ou Ramón Grosfóguel categoriza Puerto Rico como colónia, nom querem dizer que nesses paísses existam plantaçons de escravos como no S.XVII. O sistema mundo mudou tecnificando-se e adaptando-se aos embates que as demandas das oprimidas lhe fôrom espetando no caminho e às suas próprias luitas de poder. Porém, a organizaçom colonial dos três eidos: mentalidade, relaçons de poder e submissom económica, ficou perene nessas sociedades. O exemplo mais recorrente constitui-no as colónias independizadas formalmente após a II Guerra Mundial que mantivérom a sua subordinaçom em todas as ordens às potências ocidentais.
A racializaçom dos colonizados, que aparece já no século XVI canda a modernidade, determina a sua inferioridade natural. A justificaçom moral para condená-los aos piores trabalhos, mesmo à escravitude e “ajudá-los” impondo-lhes a civilizaçom superior e o seu monopólio do aceitável. A galegofobia castelhana dessa época temperá do sistema mundo, imediatamente posterior à “doma do Reino de Galiza”, coincide co racismo contra mouriscos, indígenas, negros, ciganos ou judeus conversos. O cliché da inferioridade, sentimental ou brutamontes, mas carente da racionalidade masculinizada da etnoclasse castelhana dominante, mantivo-se até o presente. Avonda com fitar a vergonha recente de Master Chef, ou a clarificadora sentença da juíza de Marbelha. Por suposto, também vive plena entre nós após séculos de interiorizaçom e exposiçom diária desde o berce. O Land Rover da TVG dá para teses e teses nesse sentido. Nas sociedades coloniais, todas estamos colonizadas. Igual que na Europa somos culturalmente cristás, ainda que professemos o mais radical ateísmo.
O mantemento secular dum poder externo sobre o território, assim mesmo, impom dinámicas de intermediaçom com ele engarradas nas relaçons dessa sociedade. A proverbial desconfiança galega cara às administraçons completa-se com todo o exército de caciques intermediários que ao longo dos três ultimos séculos afiançou a ideia do atraso. Um poder que pervive nom só no rural e que se refortaleceu durante a ditadura. Nom há mais que olhar para Ourense ou para o narco-PP pontevedrês para o comprovar. Aliás, o país sofreu em repetidas ocasions o deslocamento das suas elites autóctones por outras foráneas. No século XIV, umha moreia de nobres castelhanos ocupárom o lugar dos derrotados Castro e os seus aliados. No XV, a doma do reino pola expansom do poder real castelhano decapitou a nossa nobreza ou domesticou-na como cortesá, a fidalguia intermediária, decote castelhana, passou a exercer o seu rol minguado. A burguesia galega que chegara a alimentar as revoltas irmandinhas avougou de inaniçom após o monopólio de Sevilha e Cádiz para o comércio americano e as guerras do império castelhano com Inglaterra.
Por isso se entende o assentamento dumha burguesia castelhana, basca e catalá na nossa Terra nos séculos XVIII e XIX. Assim o certifica o catedrático de História Moderna Isidro Dubert seguindo os estudos de Luís Alonso Álvarez: “na altura dos anos oitenta e noventa do século XVIII há na Corunha umhas cento trinta ou cento quarenta grandes famílias de comerciantes. Som famílias maioritariamente foráneas, e parte delas há desaparecer da vida da cidade e parte delas há ficar. Umha burguesia que contra entre os seus negócios a trata de carne, primeiro escravos e depois emigrantes galegos.” Comércio que lhe fornece imensos capitais que nom reinveste na própria terra, coa que nom se identifica: “Dinheiro da emigraçom que investem nos seus próprios negócios e cujos benefícios nunca revertem em Galiza. Nom som como a burguesia catalá ou a burguesia basca, que obtenhem grandes benefícios graças aos grandes negócios em que estám metidos e que depois reinvestem esses benefícios nos seus repectivos territórios.” Do mesmo jeito, a chegada dos comerciantes castelhanos maragatos no XIX e a decadência da velha fidalguia galega fôrom genialmente retratadas por Risco e Otero Pedrayo na suas obras. Já ora que um povo com elites historicamente identificadas coa etnoclasse dominante metropolitana tem que contemplar como se reforça a sua inferiorizaçom e esta, assemade, arrufa a estruturaçom do poder.
A teoria da dependência marxista centra o foco nas relaçons centro-periferia no sistema mundo. Desde ela, a contradiçom nom é apenas capital-trabalho, mas também capital-capital. Quer dizer, o capital mais desenvolvido extrai valor do capital menos desenvolvido. Ou o que é o mesmo, o empresariado da periferia, estruturalmente, nom pode por si mesmo competir co do centro. Como tem assinalado David Harvey, a tecnologia, as infraestruturas, a formaçom dos quadros, o próprio peso histórico do capital e o seu controlo relacional, mediático e institucional empecem-lho de vez. Vemo-lo todos os dias no feche dos comércios locais e a expansom dos grandes grupos. Isto provoca que o empresariado periférico zugue plus-valor da sobre-exploraçom das trabalhadoras para subsistir como tal. A classe obreira galega segue a ser a que menos cobra por hora trabalhada de todo o Estado depois de Canárias e 300.000 galegas emigrárom nos últimos dez anos, dum pais com menos de três milhons de habitantes.
Apenas umha intervençom no mercado pode reverter a tendência acumulativa dumha relaçom multisecular do centro sobre a periferia para favorecer o território subalterno. Um país tam capitalista como Coreia do Sul contivo o mercado externo durante umha década para fortalecer e fazer avançar tecnologicamente a sua economia. Por suposto, foi umha decisom política tomada polo seu próprio Estado. Porém, o Estado no que Galiza está inserido jamais favoreceu a capacidade da nossa raquítica autonomia para realizar semelhante tarefa, todo o contrário, reforçou as tendências históricas de espólio colonial. A inexistência dum grupo lácteo galego após 40 anos de autonomia, mália achegarmos o 40% do leite do Estado espanhol desde um 8% da sua superfície, constitui um magnífico exemplo. Que a dia de hoje o 70% do leite galego esteja em maos foráneas, a pesar das múltiplas tentativas de o evitar nas recentes quatro décadas, é um dado que fala de seu. O mapa das infraestruturas centralizadas em Madrid, alheias aos interesses internacionais da nossa economia, ou o de produçom e consumo de energia elétrica no Estado também retratam perfeitamente a situaçom.
Igual que a fiscalidade que padecemos: 4000 empresas, como Alcoa ou Ferroatlántica, que desenvolvem a sua atividade na nossa terra, pagam os impostos em Madrid. O mesmo que todas as grandes elétricas que expremem e destruem o nosso território. Iago Santos Castroviejo, numha resenha a “Descentralización fiscal e desenvolvemento” de Alberto Turnes destacava o grande interesse do apartado da obra em que tratava os fluxos territoriais nom explícitos. Salienta que a maioria das empresas às que se lhes concedem obras públicas tenhem a sua sede em Madrid e que as poucas galegas que restavam situárom também à beira do Manzanares as suas centrais. Também exemplifica a dinámica habitual de espólio colonial que sofremos no caso de ENCE: eucaliptizaçom e produçom destrutiva no país, mas as oficinas, os impostos e os grandes salários que multiplicam por 300 os dos trabalhadores galegos, em Madrid. E ainda assim, Galiza paga-lhe ao Estado espanhol 5000 milhons de euros mais do que este lhe volta.
O roubo do aforro após a fusom e venda das Caixas, piar fundamental para a vertebraçom de qualquer território, pom o ramo ao panorama de dependência e subalternizaçom que padecemos. A continuaçom dum processo de submetimento histórico que se vê robustecido pola recentralizaçom do Estado com efeitos tam palpáveis como a chamada “España vaciada” em Castela e Aragom. Que, além dos salários, contemos coas pensons mais baixas do Estado contrasta cos preços do combustível mais altos da península, mália a refinaria chantada na Corunha. Qualquer sonho de vigorecer-se através dum mercado interno galego esmorece diante dos ingressos da nossa populaçom. Impossibilidade constatada pola principal via de comunicaçom do Eixo Atlántico no nosso território. O roubo da AP-9 provoca que, para umha empresa galega, seja mais barato o transporte a Madrid que estender filiais polas cidades industriais da nossa terra. Por suposto, para lucro dumha entidade foránea como Audasa, que aproveitou a pandemia para reduzir os postos de trabalho no nosso país.
A ideia da colonialidade de Galiza foi intuída já desde bem cedo polo galeguismo. O próprio manifesto da revoluçom de 1846 fala de Galiza como “verdadeira colónia da corte. O arredismo dos vinte e trinta do século passado denominou também desta maneira a nossa dependência. O próprio Castelao escreveu o famoso “estamos fartos de ser umha colónia”. Mas nom foi até Ramom Lôpez Suevos que se formulou esta ideia dum jeito verdadeiramente elaborado. Tanto em “Problemática nacional e colonialismo. O caso galego” como em “Do capitalismo colonial”, o catedrático de Economia Aplicada anticipa conceitos que o decolonialismo americano desenvolveu a posteriori. Porém, Suevos plasma na sua obra o pensamento de toda a sua geraçom de soberanistas, a velha UPG. Nom há mais que ler os textos do primeiro congresso desta organizaçom ou os Terra e Tempo para o comprovar.
Quando a academia espanhola reconhece apenas “O atraso económico de Galicia” de Beiras como fundamento principal do nosso soberanismo moderno, age de jeito semelhante a quando fixa na “Teoria do nacionalismo galego” de Risco o nosso fundamento no entanto mirra o “Sempre em Galiza” e a Castelao. Assim adscreve-se-lhe ao movimento de liberaçom nacional galego o molde do nacionalismo essencialista e a fragilidade das ideias de Robert Lafont que o messias pinheirista encontrou em Paris. Inimigos doados de abater. Porém, foi a UPG dos setenta a que ergueu principalmente o soberanismo contemporâneo coas obras de Castelao e Suevos como guia até o presente.
Já ora que ao longo dos últimos quarenta anos a postura anti-colonial do nosso soberanismo foi criticada com toda a crueza que o pensamento hegemónico permitiu. Isto também gerou duas narrativas cavalo de Troia que decote se amecem em complemento. Por umha banda, a que nos nega a colonialidade comparando-nos co arquétipo doutras épocas e latitudes. Pola outra, a que parte da nossa europeidade para a confundir co seu recentíssimo europeísmo. As duas ignoram a gradualidade das relaçons centro-periferia segundo a proximidade à metrópole e confundem um sistema social e económico com umha manifestaçom concreta idealizada. Resulta igual de absurdo que valorizar o feudalismo ou nom dos territórios franceses do século XII segundo a qualidade de vida do campesinato.
Quando os dados de submissom económica, étnica e política cantam, a postura amornece-se reconhecendo certos traços coloniais, mas negando a maior. O mesminho que os anti-celtistas aceitam certa celticidade ou os medievalistas espanhóis transigem no peso da Galiza nuclear no seu inventado Reino de Astúrias. Esta indefiniçom dificulta intencionadamente a afirmaçom contundente dos símbolos do movimento contra-hegemónico e enfeblece-o. Na guerra, nom existe nada pior que duvidar das próprias forças. O inimigo sabe-o de vez.
O artigo de Pedro Rey Araujo
Recentemente, Pedro, companheiro meu do Conselho de Redaçom do Clara Corbelhe, axotou as redes com um bem intencionado e valente artigo em que pretendia exercer a crítica construtiva ao nosso soberanismo. O seu principal objetivo era abrir o debate sobre narrativas e estratégias do movimento. É logo umha obriga complementar o seu yang com um ying que permita a dança dialética.
Na minha opiniom, Pedro engana-se na nomenclatura, na definiçom das posturas que descreve e sobretodo na sua contraposiçom. Ainda que acerta na maioria das críticas e mesmo nalgumhas das propostas, erra a análise das suas causas e cai precisamente no que tenta evitar, a idealizaçom e a atribuçom gratuita de clichés.
O autor parte da ideia de que a afirmaçom de que Galiza sofre umha situaçom colonial nasce do conceito dum sujeito nacional já constituído. Porém, isto é mais próprio do nacionalismo idealista novecentista, que ainda pesa no nosso movimento, que dumha postura anti-colonial ou decolonial. Por suposto que os sujeitos políticos som construçons e que nom existe a ideia do Estado-naçom até o século XVIII. Mas o adanismo que Laclau provocou em muitas “novas” esquerdas fai que ignorem as contendas anteriores e relativizem o historial das experiências de luita entre as massas numha candidez extrema. O soberanismo dos setenta herdou um projeto nacional progressista de mais dum século, Galiza. Um projeto enfrentado ao projeto nacional espanhol desenhado pola oligarquia central e que nasce como resposta a umha agressom material e imaterial. Umha proposta que se teoriza cos vímbios de cada tempo como qualquer outro.
Nom somos galegos porque nos afirmemos nas chaves simbólicas da naçons eternas do XIX, somos galegos porque sofremos baixo essa categoria umha discriminaçom que nos nega e nos constroi como diferentes. Gallego é um insulto em espanhol desde o século XVI. De facto, a consciência da galeguidade toma o seu maior pulo entre as massas da emigraçom, quando somos categorizados como diferentes. Exagerando, até daquela, a pátria de cada quem constituía-a a sua freguesia. É certo que foi a nossa pequena burguesia a que elaborou a narrativa nacional que os integrou, nom poderia ser doutro jeito, e velaí também a origem real da maioria dos acertos na crítica de Pedro. No monopólio do soberanismo pola classe média, nom na formulaçom colonial que precisamente tentou renovar o velho discurso nacionalista, é onde cumpre procurarmos a fonte do problema elitista. Seguramente por isso, a sua interpretaçom atinaria muito mais se empregasse a categoria de classe marxista, como Gramsci e nom como o seu exégeta Laclau. De aí, entre outras, a raiz da confusom no resto da análise. Mas vaiamos por partes.
Assegura o autor que a “hipótese colonial” é reducionista, pois condensa a complexa madeixa de relacións transnacionais nas cales se sitúa a Galiza contemporánea nunha relación biunívoca entre a Galiza e España.” Algo perfeitamente atribuível ao nacionalismo de começos do XX, mas totalmente inexato quanto ao soberanismo moderno. As upegalhas dos setenta conheciam de cor a Mao, como se comprova nos seus textos. Também por isso, a diferença entre contradiçom principal face às secundárias. O que propom a tese colonial é justamente que a nossa capacidade de açom é nula quanto à intervençom sobre qualquer processo económico internacional que nos afete no entanto carecemos de poder próprio para gerir as suas consequências. Algo bastante lógico a teor de como vimos que funcionava connosco o Estado espanhol. O logro dessa livre decisom própria entendem-na daquela como passo imprescindível para qualquer açom real nesse eido.
Porém, os posicionamentos do soberanismo galego sobre a esfera internacional e o seu papel motor na rua e nas instituiçons nos últimos quarenta anos fôrom tam abundantes que nem sequer cumpre nomeá-los. Pedro parece que aplica o estereotipe do nacionalismo identitarista cego, irracional, a um movimento que leva décadas a convocar e a predicar contra quanta política económica do FMI e agressom imperialista se deu. Pode até ficar pequena a Cidade da Cultura coa exposiçom dos cartazes do tema que se amoream nas sedes dos sindicatos soberanistas. E eu, neste ponto, nom podo deixar de lembrar os buses cos que a CIG nos transladou às manifes contra a cimeira do Conselho Europeu em Barcelona ou a repressom que os soberanistas sofremos no encontro do G-8 em Compostela.
Para exemplificar a falsidade do nosso papel colonial na atualidade, emprega Pedro a Amáncio Ortega. Umha fórmula recorrente nada a imitaçom do “Franco era galego”. Contodo, escolhe justamente um caso que demonstra o contrário. O modelo Inditex seria impensável sem umha acumulaçom originária baseada na sobre-exploraçom, caraterística dum empresariado periférico como o nosso. Por militância sindical, conhecim e gravei obradoiros clandestinos das sub-contratas que aliméntavam o monstro na nossa terra. Pedir permisso para ir ao banho e comer no posto de trabalho em jornadas de doze horas. Todas galegofalantes ou com fonética “corunha”, decerto. Mas é que, aliás, Amancio contribui cos impostos da sua fortuna em Madrid, igual que fazia Rosalia Mera. Por riba, Inditex apenas achega um 25% do que tributa polo mundo adiante ao Estado espanhol. De aí deduzir que Galiza goza “das relacións de dominación que o noso país exerce sobre outros territorios.” pois… Pola mesma, podemos afirmar que a Irlanda da Revolta de Páscoa de 1916 gozava de relaçons de dominaçom sobre a Índia porque a burguesia unionista de Belfast possuia empresas naqueloutra colónia. Por nom falar de Puerto Rico.
Quando Pedro manifesta que a tese anti-colonial/decolonial “é conservadora, pois proxecta unha Galiza idealizada a cal habería que protexer, sendo a relación de exterioridade que garda co Estado español a principal causa do seu esmorecemento.” (a mesma crítica que se lhe realiza ao decolonialismo em Latinoamérica desde as “esquerdas” pró-ianques) volve reproduzir, incorretamente, a imagem do nacionalismo risquiám de há cem anos sobre o soberanismo contemporâneo. Abofé que se mantenhem elementos idealistas do nacionalismo antigo no soberanismo. Mas é precisamente a hipótese colonial o contraponto a essa tendência desde a sua origem. De facto, resulta que as linhas menos anti-coloniais som as que mais fincapé realizam na Galiza idealizada e sentimentalizada. Avonda com ler o Suevos de há mais de quatro décadas para o certificar. Tais críticas ao soberanismo atual parecem muito mais ajeitadas para o das Irmandades da Fala que para qualquer organizaçom ou dicurso presente. E, desde logo, para nada se originam na “hipótese colonial”.
Concluír desde aí que a ideologia soberanista “é conservadora en tanto que opera sobre unha idealización, a Galiza monolingüe de mariñeiras e labregas, á cal escapan moitas das transformacións acontecidas nestas décadas” implica a aplicaçom, de novo, do molde do nacionalismo identitarista ao que reduz o espanholismo todo questionamento nacional. Esta óptica de privilégio que reduz o conflito a umha questom de identidade resulta mui semelhante à machirulada de esquerda frente ao feminismo. Como quem fala nom padece a discriminaçom polo binómio língua-classe, pode atrever-se a reduzi-lo ao capricho da escolha pessoal dumha identidade. Foca o conflito numha idealizaçom irracional. Se Pedro realizasse umha entrevista de trabalho falando o nosso idioma com gheada, observasse as bulras ao alunado galegofalante ou sofresse os “no te entiendo” senhoritos seguramente nom seria tam contundente na repetiçom do estereotipe.
Do mesmo jeito, abofé que jamais afirmaria que o feminismo parte da idealizaçom da mulher ou que a luita anti-racista da figura das negras. Porém, redunda no tema depois: “É preciso disputar a subordinación simbólico-cultural do país no marco do Estado afirmando que a súa defensa pode facerse en dúas linguas, conscientes de que as experiencias de desclasamento e de esquecemento da propia historia son parte constitutiva da Galiza crioula que habitamos.” Vamos, que se nos toca sentir-nos inferiores, aceitar que as nossas filhas nom falem a língua das suas avós e renunciar a todo ascenso social por ser quem somos, é-che o que há. Para ele, o abandono da língua própria pola da metrópole aparece como umha consequência natural do progresso humano. Mas a defesa do nosso direito a viver umha vida normal no nosso idioma transcende mesmo a discriminaçom material dos galegofalantes. Serve à causa do empoderamento coletivo, também de classe, quanto à reafirmaçom na exclusom. Ainda que todas falássemos espanhol, como as andaluzas ou as latinoamericanas, seguiria a ser o sotaque das galegas a marca da inferioridade. Nom se trata da defesa da língua abstrata como umha idealizaçom nacionalista do passado, é a afirmaçom em nós próprias como sujeito de direito face a qualquer subalternizaçom. Ceder à espanholizaçom é ceder ao supremacismo espanhol e aquivale a justificar os comportamentos machistas por considerar os direitos da mulheres veleidades identitaristas que nunca se ham poder assentar.
Opina também o criador do artigo que “A «hipótese colonial» é derrotista, pois orienta a súa praxe política cara á conservación dunha Galiza sometida a procesos aos cales poñerlles coto non resulta posíbel.” Algo que de novo valeria para o setor mais conservador das Irmandades da Fala de há cem anos, nem sequer para o progressista maioritário. Desde logo a teorizaçom da Galiza como colónia sempre olhou para diante, para a construçom dumha nova realidade em que as multiplas opressons fossem superadas, nom para a volta ludita ao passado. Se a maioria ampla do soberanismo é marxista!
O pior da sentença de Pedro é a assunçom da impotência para deter os processos que sofremos. Efetivamente, resultam impossíveis de parar no marco deste Estado. Por isso nos cumpre um próprio. Renunciar à conquista da soberania para acomodar-nos ao marco do regime e ir-lhe esmolando faragulhas possibilistas é o que se desprende da tese de Pedro, como corroborará depois nas suas propostas. Acabar coa discriminaçom dos galegofalantes, abrir as portas da lusofonia, nacionalizar a insdústria ou recadar aqui para acabar co espólio nom tenhem nada a ver coa volta à Galiza do XIX. Nom sendo que se assumam as dolorosas consequências dessas situaçons como naturais e irreversíveis. Pensar que a “hipótese colonial” que moveu a construçom do sindicalismo soberanista, o mais importante e combativo no nosso território, pretende voltar à Galiza idílica sonhada por Risco resulta, como mínimo, erróneo. Avonda com passar polos locais da CIG ou da CUT para o verificar. Derrotista, em tal caso, é a olhada de quem nega qualquer chance de vitória.
Por último, na sua crítica, expom Pedro que a “hipótese colonial” é elitista, en tanto que opera politicamente sobre unha división das xentes do país entre cidadáns liberados e conscientes, por unha banda, e suxeitos colonizados e alienados, pola outra.” No canto de reparar na hegemonia da classe média sobre o movimento na maior parte da sua história, comum à maioria das esquerdas mundiais, aplica-nos de novo o autor o cliché do nacionalismo do XIX e e começos do XX. O molde simplificador co que a esquerda espanhola também nos adoita resumir. A tese colonial afirma que todas estamos colonizadas e nom separa entre conscientes ou nom. Todo o contrário, manifesta-se abertamente vulnerável ao peso dumha mentalidade autoinferiorizante que a limita e pugna como pode para a superar. Som as dinámicas internas de novo de CLASSE as que elitizam e moderam o soberanismo, nom a formulaçom de que somos umha colónia de Espanha.
Emporisso, na proposta que o autor contrapom ao que ele chama “hipótese colonial”, sim que toma de Carlos Calvo elementos interessantes para o avanço do soberanismo. Disputarmos-lhe a galeguidade à direita espanhola na Galiza é fundamental. Resinificar em chave ruturista os símbolos populares que o espanholismo foi folclorizando na sua luita dialética contra o projeto nacional galego constitui um dos principais reptos para o nosso movimento. Da mesma maneira, valorarmos o peso primordial do emocional na política segue a manter-se como matéria pendente nas tácticas soberanistas. Se quadra, a reticência provém dumha reaçom defensiva à sentimentalizaçom coa que nos bourárom historicamente.
Quanto à aplicaçom de Laclau ao soberanismo galego, cumpre reparar em que os laclausianos agem como demiurgos desde um relativismo absoluto que constrói “povo” resignificando partes do discurso hegemónico e empregando as suas mesmas canles de expansom. Para eles, nada vem predeterminado absolutamente e qualquer facto aparece como reinterpretável e incorporável a umha narrativa difusa e flexível para facilitar a identidade comum de múltiplos sujeitos. A ênfase na emotividade e nas imagens alglutinantes que permitam identificar as diferentes narrativas e canalizá-las cara à batalha eleitoral caracterizam a sua praxe. Contemplam-se como um via rápida ao poder institucional do Estado capitalista desde a que ir artelhando “povo” numha relaçom dialéctica coas massas.
Pola contra, as concepçons de decolonialistas como Enrique Dussel ou Boaventura de Sousa constroem o “povo” analecticamente. Nelas, corresponde-lhes aos diferentes movimentos sociais articular a narrativa aglutinante a partir dos espaços de opressom partilhados e identificando-se mediante a empatia nos que nom o som. Longe de confrontar primacias nas contradiçons do capitalismo: mulher, classe, etnia, sexualidade… cumpre-lhes construir programa conjunto partindo de que o espaço mulher precária, cigana e homo-sexual, por exemplo, permite unir respostas comuns e achegar luitas numha nova narrativa. Esta perspectiva supera a tradicional dicotomia toma do poder/auto-gestom ao fazê-las complementárias no objectivo comum da liberaçom sem vanguardismos. Assim mesmo, entendem a representaçom como necessária mas baseada no poder obedencial, na fiscalizaçom participativa e nos liderados integradores. Também instam a umha ética nova que deve aparecer na prática quotidiana como exemplo da sociedade que se prentende construir. O processo boliviano surgido da Guerra da Água, os conselhos comunais do último Chávez ou os caracóis zapatistas co mediático subcomandante como imagem nutrem de exemplos esta visom. Laclau serve para a táctica, Dussel para a estratégia.
De todos os jeitos, surprende que Pedro, desde umha perspetiva Laclausiana, desbote um aglutinante nacional progressista constituído. O potencial emocional de semelhante sujeito supera qualquer outro. Nom há mais que ver as inúteis tentativas de Podemos para resinificar Espanha como projeto progressista. Esta contradiçom também a manifesta quando dissipa a força emocional do inimigo concreto, identificável. Os humanos precisamos corporalizar as ideias para agirmos politicamente. Tam importante é a imagem clara do inimigo como a do liderado que encarna o programa polo que se luita. Acusa de reducionismo a que chamou “hipótese colonial” porque “condensa a complexa madeixa de relacións transnacionais nas cales se sitúa a Galiza contemporánea nunha relación biunívoca entre a Galiza e España.” Quem lhe dera ao errejonismo e a Podemos gozar de semelhante vantagem! Se até chegárom a apresentar Espanha como umha colónia de Alemanha.
O problema da aplicaçom mimética de Laclau ou Poulantzas ao nosso soberanismo constitui-o a base da que nascem. Qualquer umha das suas formulaçons estám pensadas para Estados já constituídos. Por isso, o mais preocupante da opiniom de Pedro supom-no o marco do que parte, o Estado unitário. Transcende da suas palavras quando calca a Poulantzas: “entendemos o Estado (multi-escalar, no noso caso), como unha «condensación material da relación de forzas existente», é preciso desbotar o entendemento do Estado como algo que se ten ou non para concibilo como un terreo de loita, poroso e heteroxéneo, no cal é preciso participar para torcer a relación de forzas en favor das clases populares do país.” ou “É preciso disputar a subordinación simbólico-cultural do país no marco do Estado”.
Aliás, presupor que na Galiza é possível furar no madeixa mediática mafiosa que padecemos com umha simples mudança de narrativa atravessa de vez a linha da ingenuidade. O sorpasso podemita, a partir da presença mediática de Pablo Iglesias, obedeceu a umha tática para erodir o PSOE da época, nom à imparcialidade jornalística. Só com organizaçom, militância, meios próprios e a ajuda das redes sociais podemos contrapor um algo ao assolagamento do monopólio informativo na Galiza. Já vam alá 180 “venres negros” das trabalhadoras da TVG contra a manipulaçom. A imprensa comercial no país vive das ajudas do PP na Xunta. Nas televisons estatais do regime, públicas e privadas, Galiza nom existe mais que para a reafirmaçom dos estereotipes. Nesta tesitura, sem movimento que espalhe discurso e meios contra-hegemónicos, qualquer possibilidade de atuaçom devém em ridícula.
No fundo da proposta do Pedro, mália a sua boa intencionalidade, está que abandonemos a ideia da independência e a rutura co regime do 78, que adaptemos a narrativa para aglutinar as massas cara a conquista da hegemonia das “esquerdas” “espanholas” no Estado. A estratégia: reformismo e autonomismo, sem ruturas. Porém, essa via já tem nome e co-governa o Estado espanhol neste momento numha demonstraçom magnífica da irreformabilidade desde a sua unidade.
Comclusom
As narrativas cavalo de Troia caraterizam-se polo emprego do argumento de autoridade e pola tentativa de difuminar os símbolos unificadores mais perigosos para o poder em cada altura. Longe da ciência asséptica, definem-se pola aplicaçom de clichés ou marcos conceptuais opressivos à interpretaçom da realidade das subalternizadas. Eppur si muove. A quanto mais avança o conhecimento sobre nós próprias, mais confirmamos que fomos Celtas, reino, bravas, que temos umha língua internacional e que somos umha colónia. Em fim, desculpas por tantas voltas para articular o que os Ataque Escampe já resumiram numha singela cançom: