Irati Urizarbarrena é basca e galega de adopçom; em período de formaçom como residente de Medicina Familiar e Comunitária em Trasancos, enfrenta desde a primeira linha a situaçom de crise sanitária que golpea o mundo e a Galiza. É mae de duas crianças e tem umha trajectória dilatada em movimentos autónomos , desde hortas comunitárias e projectos feministas, passando pola autogestom da saúde. Participou do grupo de mulheres Mugre, do CSOA Casa do Vento e da Coordenadora Anarquista Galega. Falamos devagar ela para que nos conte como se vive esta difícil situaçom numha sanidade pública muito enfraquecida.

Qual foi a situaçom que topache ao iniciares o teu trabalho no sistema público de saúde, mesmo antes da crise do covid?

Ao ser residente, imos de serviço em serviço, como abelhas a colectarem polem, o que nos permite ter umha boa globalidade do sistema sanitário. Eu comecei há por volta dum ano e médio, pouco antes de se iniciar esta ciência ficçom.


Percebim o sistema sanitário muito saturado, no que acho que convergem vários motivos. Por umha parte, há um grande volume de consultas que nascem dumha dependência face o sistema sanitário, e isto está relacionado, ao meu ver, com umha perda do conhecimento popular e um alto nível de medicalizaçom da vida, que leva a considerar doente a quem está sá. Há muitas consultas que poderia resolver a avó ou a vizinha, se houvesse espaços para isso.

Por outra parte, penso que fazemos cada vez mais burocracia, e assim solicitar consultas de especialistas e emitir partes de baixa comem grande parte da consulta médica, em detrimento de atender outro tipo de consultas de saúde. Assi que se gera um ambiente de estrês e trabalho a desoras em que deixamos muita energia, com umha pior atençom, é claro.

Faltam meios?

Como dim as instituiçons, e eu corroboro, faltam profissionais da saúde, mesmo para substituiçons. Mas isso era questom de cálculo. Se há muitas pessoas reformadas, tem que haver mais vagas de formaçom, e nom as há. Assim que quem está em activo é quem se tem que dispor para dobrar quendas, andar de aqui para acolá, com grande inestabilidade laboral e canseira extrema, dando pior atençom também.

Por último, está a questom da privatizaçom da sanidade, que vai avançando devagar, ‘por paróquias’, e sem sermos muito cientes. Semelha que cobre as escassezas do público, mas apenas se transladam os recursos humanos, favorecendo as grandes corporaçons de saúde.

Em que condiçons se achava o SERGAS para enfrentar um panorama como o que agora vivemos?

Para mim, esta nova situaçom foi a catalisadora que manifesta um mal estado do sistema sanitário, que vinha de velho. Todos os anos, sobre todo na época de gripe, os serviços de urgências e hospitalizaçom saturam-se. De todos modos, nom vou restar importáncia à Covid19, acho que ainda que o sistema fosse de maior qualidade, provavelmente toparia com um novo problema de difícil soluçom.

Como estades a viver os e as profissionais da sanidade este tano tam intenso?
Acho que a vivência é semelhante à de toda a populaçom. Ao início com grande medo, incerteza e insegurança; e quando o tempo o permite, tencionamos analisar um bocado a situaçom. Para mim, supera a ciência ficçom. Lembro há poucos anos, ver imagens de pessoas com máscara em países asiáticos, e respirar tranquila pensando na sorte que temos de viver onde vivemos. Agora, isso quase é o de menos.

Por umha parte está o tema da Covid19 propriamente. Nos começos, cada semana modificavam os protocolos. O que era bom um dia, ao seguinte já nom o era. Durante o confinamento, publicárom-se muitos mais estudos científicos do habitual, e polo que puidem contrastar, com muita menor evidência científica. E as profissionais, entretidas em ler e reciclar-se, quase nom tenhem tempo para a análise. Dá-me a sensaçom de que isto nos vem de ofício.


Aliás, para mim nom menos importante é a preocupaçom por saber que nos escapam temas muito importantes e vitais. A Atençom Primária é o primeiro elo, e é onde se vem as pessoas de jeito quotidiano. Por questom de limitaçons para evitar contágios, e polo desvio de recursos humanos à atençom da Covid19, a atençom especializada também se está a ver atingida, e a Atençom Primária está a assumir as vezes situaçons às que nom está afeita, e para a que lhe faltam meios. Mas como a necessidade de atençom é imperiosa, nom se pode postergar. E isso gera muita insegurança na consluta.


Que opinas da gestom política da crise sanitária?
Nom podo responder com certeza a esta pergunta, mas analiso a gestom política com olho crítico, e sobretodo, vejo infinidade de consequências negativas que esta tem.

Em relaçom ao que falávamos ants, a centralidade da Covid19, a acessibilidade à atençom médica limitou-se muito, e isto fijo passar por alto situaçons que nom se podem ignorar. Entre o que eu contrastei no quotidiano, durante o confinamento o serviço de urgências adoitava estar quase baleiro, e as pessoas que se atendiam por infarto muitas vezes chegavam tarde; houvo mais cirurgias de urgência porque os problemas abdominais também chegavam ao limite, e o tamanho dos tumores cutáneos no momento do diagnóstico aumentou. Por nom mencionarmos o retardo diagnóstico em casos de cancro. Isto no que diz respeito às limitaçons no sistema sanitário.


Quanto o relacional e emocional, o confinamento e o posterior distanciamento social estám a causar muito malestar. O jeito de ter que ficar na morada, seja qual for a relaçom entre os convivintes, ou sozinhas, fijo com que se disparassem as vendas de ansiolíticos…somos seres sociais e precisamos da nossa família, das nossas redes de escuita, apoio e cuidado para estarmos bem. E este tipo de situaçons vai-nos transformando aos poucos, custa-nos tocar-nos agora, bicar-nos, e também nos falta todo isto.

No laboral, provocou-se muita inestabilidade, e muitas perdas de ingressos sobretodo entre as que mais precisam, porque a riqueza continua a acumular-se. Os ricos cada vez mais ricos.

Si que insto a procurar outros exemplos de gestom política da situaçom, porque nom tenho claro que os benefícios da tentativa de parar os contágios justifiquem esta situaçom.


Pode ser a vacina o grande cortafogos da pandemia?

É-che umha questom bem complicada…neste momento concreto, a vacina nom garante ser um cortafogos. Os estudos que se tenhem realizado som limitados e o começo da sua utilizaçom, em parte, está justificado pola situaçom excepcional, como outros muitos tratamentos que se utilizaram ao início da Covid19, fora de ficha técnica, de jeito algo experimental.

A médio prazo, nom tenho umha ideia clara. Certo é que na vacina da gripe estám incorporadas cepas como a da gripe A, que no seu momento causou umha situaçom semelhante de muita menor envergadura. Dá a sensaçom de que cada vez se amplia mais a vacina da gripe, e porém nom se consegue um controlo das doenças infecciosas que aparecem todos os anos. Os vírus mutam, modificam-se. Além disso existe um grande questionamento sobre a vacinaçom da gripe no ámbito médico.

Em qualquer caso, queria engadir que para mim, baixo nenhum conceito, deve ser obrigatória a vacinaçom. Mais do 90% da populaçom espanhola cumpre o calendário vacinal sem que seja obrigatório, polo que se entende que nom é um problema nem para a imunidade de grupo à que se orientam estas medidas.

Que efeitos está a criar o medo no comportamento das pessoas? Cria-se um maior sentido de responsabilidade ou de obediência?

Eu acho que o medo é um meio magnifíco para a manipulaçom social, mais se se trata de medo a perder a saúde ou morrer, que é o caso. Sinto que a ciência médica neste sentido é umha chave muito poderosa, pois geral muita credibilidade na populaçom, com o que eu nom concordo completamente. Mesmo dentro da ciência médica é todo questionável, mais ainda sabendo quem financia os estudos científicos. É um feito que cada vez os limiares, inclusive numéricos, das patologias (anemia, hipertensom arterial, colesterol elevado) som menores, e cada vez medica-se mais, sem que isso for com um benefício claro.


A consequência é umha tónica geral de obediência extrema e umha paralisia social, nomeadamente ao início. Digo obediência e nom responsabilidade, porque aceitamos mudanças de legislaçom que vulneram direitos, e assumimos as legislaçons punitivas que nom resultam irresponsáveis. O da responsabilidade é umha questom distinta, que há de ter o seu lugar preciso nesta situaçom que vivemos.