Do mesmo jeito que o feminismo emprega os óculos violeta para escudrinhar por baixo das naturalizaçons da opressom sobre as mulheres, cumprem-nos de vez uns óculos decoloniais. A narrativa emancipatória dos povos dependentes é por força escrava do marco categorial e de valores da sua metrópole. A história do nosso movimento de libertaçom nacional mesmo, já desde o começo a mediados do XIX, constitui umha mostra evidente disto. Fomo-nos pouco a pouco desvestindo do peso da espanholidade que o recén nado Estado-naçom espanhol nos insuflava por toda a parte na sua auto-afirmaçom. Este processo dialéctico de clarificaçom do Nós estivo permanentemente exposto à emulaçom do discurso colonizador na sua compreensom do poder e decote cingido aos fitos da sua narrativa.

Os clássicos da esquerda soberanista moderna, desde os 70, sempre salientárom a particularidade da dependência galega com respeito à basca e catalá. A colonialidade manifesta da nossa relaçom com Espanha afasta-nos dos ritmos e dinâmicas desses países, abofé. Porém, poucas vezes reparamos em como nos aproxima à colonialidade que se exerceu desde essa mesma metrópole sobre os territórios latinoamericanos. Endebém, assumimos que existe um dentro-fora com respeito a eles desde antes da sua separaçom. Cortina de fume teleológica que utiliza o historicismo nacionalista espanhol para justificar a sua perda e que já empregara com Portugal. Isto, na práctica, fai-nos repetir inconscientemente que somos Europa e Espanha frente a eles ainda que nom o verbalizemos no nosso discurso. Contodo, se empregarmos os óculos decoloniais e disparamos a friagem dos fiscais sobre esta categorizaçom interessada, o prédio abanea e as perguntas abrolham em pandemia primaveral.

Um questiona-se, por exemplo, como é que nom se relaciona a “Doma e Castraçom” coa expansom castelhana sobre o reino de Granada e América quando som coetâneas. Ou por que nom se vencelha o racismo anti-galego do XVI e XVII coa própria apariçom deste fenómeno da modernidade a partir da conquista de América e do comércio triangular com África. Os galegos fomos qualificados como desalmados o mesminho que indígenas, negros, mouriscos e ciganos e também se nos inseriu na divisom racista do trabalho a nível internacional que nasceu neste momento. Fomos criados, aguadores e segadores para os castelhanos quando nom directamente escravos do negreiro Feijoo já na Cuba do XIX.

A narrativa do nacionalismo unionista espanhol apresenta as independências americanas como separatistas desde um primeiro momento para reforçar a ideia de territórios anexos nom propriamente espanhóis e de inevitável perda. Porém, esses processos começárom como manifestaçons contra Napoleom e em apoio à monarquia borbónica. Em ausência do rei de todos, os velhos reinos e vicerreinatos fôrom os que se constituírom soberanamente contra o francês, tanto o reino de Galiza como o vicerreinato de La Plata ou o de Nueva Granada. Apenas depois desse caminho de auto-organizaçom e soberania na práctica, qualhou o independentismo que se enfrentou ao retornado Fernando VII. Como desvincular isto dos primeiros textos propagandísticos no nosso idioma e da influência axial destes factos na primeira geraçom de galeguistas? O forma do Estado-naçom nasceu no XIX e nesse momento apresentava-se ainda mui difusa, algo difícil de assimilar para nós, observadores actuais adoutrinados no seu discurso. As Cortes de Cádiz de 1812 consideravam parte integral da naçom espanhola os territórios americanos igualinho que a própria Andalucia. Porém, foi um andaluz, José de Sanmartín, quem incendiou de independência o cone Sul americano. Canda ele, canda Bolívar, canda Morelos, milhentos galegos, bascos e mesmo castelhanos. Era a luita contra as velhas estruturas imperiais absolutistas o que primava e recebérom o arrufo interesseiro de Gram Bretanha todos os pais das pátrias latinoamericanas.

Este apoio britânico também apareceria trinta anos depois, em 1846, quando da pérfida Albiom saíu um carregamento de armas para o governo galego que Faraldo e Rodríguez Terrazo constituiram em Compostela. Curiosamente, o módus operándi do independentista Antolim seguiu as pegadas dos seus precursores de além-mar. Aproveitou-se um pronuciamento com espectativas gerais para afirmar a soberania galega na práctica e tentar consolidá-la. Pois, além de manifestos, do primeirinho que acordou esse Governo de Galiza foi anular no nosso território todas as leis aprovadas em Madrid. O general espanhol que esmagou as nossas forças militares rebeldes foi de la Concha, o mesmo que vai massacrar independentistas cubanos anos depois e que curiosamente nascera em Tucumán, Argentina, quando ainda era “Espanha”.

Se sagrados eram os limites da pátria espanhola onde nom se punha o sol, também espanholíssima foi Cuba quando pouco mais ca ela e Puerto Rico lhe ficavam a Espanha em América. Quase nom se repara em que se a ilha foi destino crucial para a emigraçom galega era por ser território tam “espanhol” como o peninsular. Tampouco adoitamos observar o influxo da agitaçom nacionalista cubana na comunidade galega assentada ali em trevom. Nom em vam, o primeiro lugar onde soou o hino e ondeou a bandeira galega foi precisamente na ilha caribenha. O choque que o nacionalismo espanhol sofreu co desastre do 98 sobreveu-lhe por encontrar-se muito mais consolidada a sua narrativa e o próprio Estado-naçom do que nas independências de começos desse mesmo século. Os acordes estridentes da raiva mediática que o espanholismo bradava contra o independentismo cubano na altura som bem semelhantes aos actuais contra Catalunha. Quiçais aginha escuitemos que realmente Catalunha nunca foi verdadeiramente Espanha em contraposiçom a Galiza ou Euskal Herria que o som mais que Torrente e Alfredo Landa juntos.

*Artigo publicado em ideas.gal