Por June Fernández (traduçom do galizalivre) /
Depois de ter dinamizado talheres para repensar o amor em diferentes países de Latino-américa, Laura Latorre Hernando entrevistou 55 pessoas que estavam explorando como relacionar-se dumha maneira mais consciente e livre de crenças e mandatos. Partindo desse material preçado, construiu 30 relatos escritos de formas dispares –monólogos, cartas, diários- e publicou-nos coa editorial Bellaterra.
As entrevistas tivérom valor em si mesmas e o mesmo acontece coas apresentaçons do livro, que se convertem em foros em que seguir compartilhando inquedanças e experiências. Esta entrevista realizou-se co público, no Louis Michel Liburuak de Bilbo.
Umha das participantes condensou a essência do livro: “Mais que impor umha ideia, convida à reflexom, a repropor cousas que tinhas muito claras ou, no que pensavas que te tinhas que repropor, dizer: “olha, pois nom, nom há umha panaceia. Estar bem contigo mesma e compartilhá-lo: isso é o amor”.
Conta-nos como foi o processo: como propugeche as entrevistas e como as converteche em histórias de realidade ficcionada?
O prévio foi muito importante. Dediquei muito tempo a pensar que queria perguntar. Ajudou-me um amigo experto em terapia narrativa, umha corrente que parte de que a identidade das pessoas se construi através das histórias que contamos. Insistim muito em que me contassem o que de verdade acontecia nas suas relaçons, detalhando cenas concretas, e nom tanto o que gostariam que lhes acontecesse, porque o que eu queria era amostrar as dores, desejos, emoçons e contradiçons no quotidiano.
Transcrever as 55 entrevistas foi um trabalho muito árduo mas também umha experiência de escuita profunda e inspiradora. De aí escrevim 30 histórias de realidade ficcionada; de todas as entrevistas tirei algo, ainda que fosse umha anedota ou umha frase. Os meus interesses e vivências levárom-me a narrar as histórias tomando certas licenças literárias, misturando as suas histórias coas minhas.
No prólogo falas da importância de cuidar as pessoas entrevistadas para que se sintam reforçadas e nom vulneráveis ou utilizadas. Como figeche esse acompanhamento?
A entrevista tinha um sentido em si própria: era um espaço para falar do amor com profundidade e tempo. Ainda que nom era a minha intençom tinha um efeito terapéutico, supunha falar de cousas que nunca se nomearam. Muitas entrevistadas eram amigas ou conhecidas, mas também houvo gente que escoitou falar do projecto e buscou-me.
Cada pessoa tivo a oportunidade de dar-lhe o visto e praze aos textos relacionados com a sua entrevista, corregi-los, dizer “isto da-me vergonha e nom quero que saia”. De facto, umha moça nom quijo que saísse a entrevista e quitei-na. Para mim era muito importante respeitar isso. O de ficcionar às vezes despertava inseguranças. Algumha amiga dizia-me abafada: “Ui, isso é o que pensas de mim, nom?” Foi um processo longo, que exigia paciência . Umha vez publicado o livro, houvo gente à que lhe deu pudor e gente que se sente muito orgulhosa, e conta-lho a todo o mundo, algumhas mesmo querem organizar um encontro.
No prólogo reconheces cortes na selecçom das pessoas entrevistadas: polo nível académico e de politizaçom entre outros, há riscos de que apareça umha conversaçom sobre o amor muito endogámico?
O livro nom tem umha pretensom sociológica, nom quer universalizar. Toda a gente que entrevistei é próxima a mim, embora nom a conhecesse. Nom todo o mundo se definia como feminista mas tinha uns valores, uns presupostos determinados. A muita gente nom lhe vai ressoar nada, mas tenho a esperança de que para algumhas pessoas abra portas à reflexom e ao entendimento de realidades que nom conheciam.
Na primeira história coamo-nos numha ceia entre três amigas que falam das suas relaçons de parelha em contraposiçom cos amores de filme. Umha di: “pensó em que o meu amor é sereno e sólido e sinto-me umha velhinha.
Para essa história mesturei três entrevistas de mulheres que nom se conhecem entre si mas que estavam questionando-se porque umha relaçom sólida se ve como aburrida. Hai mitos do amor romántico que temos mais superados, mas este segue calando também nos modelos modernos: que o amor debería ser divertido, engaiolante, umha montanha russa sempre de subida. O mito da perfeiçom também se nos coa nas nossas supostas relaçons livres.
Um dos capítulos introduz-nos no monólogo interno dum rapaz que se sente na encrucilhada entre o amor romântico, o amor livre e a promiscuidade marica. Rachamos com um modelo para atar-nos a outro?
Há outra história interessante em que se vê isto: umha triarelha. Três mulheres que vivem umha relaçom desde há 20 anos. Desde alguns contextos reprocha-se-lhes que nom tenhem umha relaçom realmente aberta, que som como monógamas a três. Elas dim: “ocorre-nos isto e estamo-lo a viver, mas nom pensamos que isto seja o modelo para imitar por todo o mundo, nem nós queremos imitar o modelo mais alternativo e transgressor. Vai-nos bem até o momento, nom sabemos o que passará no futuro”. Eu contava-lhe à gente que a premissa era entrevistar pessoas que estivessem pesquisando em práticas mais livres nas suas relaçons e de seguido convertia-no num significante fechado: “ entom nom me podes entrevistar, porque nom tenho umha relaçom livre”. Como se a liberdade só tivesse a ver coa monogamia, como se todo o mundo entendéssemos a liberdade da mesma maneira e a vivéssemos do mesmo jeito.
Na minha experiência, nom todas as relaçons chamadas livres rompem a ideia capitalista e patriarcal do amor, nem todas as relaçons monógamas carecem de liberdade.
Na história da triarelha vê-se a necessidade de a sociedade reconhecer outros modelos afectivos. Igual estamos empenhadas em abrir-nos ao poliamor e à anarquia relacional, no canto de romper o estigma cara às pessoas que já vivem nesses modelos.
Sim, tentamos apanhar um carro que está de moda, e penso que resulta interessante escuitar a gente que leva muito tempo a investigar por aí. Também expressam as suas contradiçons, por exemplo custa-lhes reconhecer que tenhem ciumes.
Várias das protagonistas expressam o fartas que estám dum estilo de seduçom em que lhes cumpre demonstrar o interessantes, belas e modernas que som.
Queria reflectir esse cansaço. Seica namoramos da mesma maneira, que dura o mesmo tempo em todas as pessoas (até se fam estudos que dam umha é)? Queria falar doutras possibilidades, como a de erotizar a amizade. Nom é natural que o desejo se dirija para uns corpos e atitudes determinadas que tenhem muito a ver co capitalismo e o patriarcado.
Outro tema recorrente é a ruptura. Numha das histórias, duas moças que fôrom parelha proponhem-se reciclar esse amor num amor novo…
…fronte ao mandato forte de que quando remata o amor é um fracasso. Atopei a várias pessoas que conseguiram elaborar umha relaçom muito amorosa ou estavam intentado-o.
Quando narras relaçons hetero-sexuais, vê-se a pegada que deixa umha educaçom sentimental tam distinta. Homens que nom sabem expressar as suas emoçons, mulheres que exigem falar sobre um conflito no momento…
Essa socializaçom distinta resulta muito evidente.As mulheres fomos educadas para ser sustentadoras do amor e ter umha empatia desmedida. Parece que somos as responsáveis de abrir os conflitos e de mediar neles. Os homens fôrom abocados ao analfabetismo emocional, à falta de compaixom, a saber-se merecedores do amor assim porque si… Isto abre as portas a que a violência campe a eito. Queria-o abordar com a gente que tem ganhas de fazer as cousas doutra maneira e que ainda assim cai em roles como os de mae, cuidadora-protectora e pai aventureiro. A ideia de liberdade capitalista individualista, de fazer o que queres e cumprir os teus desejos, está muito mais legitimada nos homens que nas mulheres. Parece-me fundamental repensar a liberdade mais alá do patriarcado, como umha experiência de relaçom e com sentido comum, do que beneficia a ambas pessoas.
Porém, nom retratas os homens como os maus do filme nem és complacente com as mulheres: observamos as limitaçons e erros das duas partes
Que nom quigesse julgar nom é porque seja neutral ou queira promover o conformismo, senom que queria tratar de aprofundar em como é esse jogo entre a realidade e o desejo. Serviu-me mais conhecer umha experiência e ver se me soa que ler “a bíblia do poliamor”, que pode levar à frustraçom. Igual algum dia quando for maior chego a isso, mas no tanto, que fago?
Sempre se fala do amor da premissa de que tés que ter umha parelha, ou triarelha. Se nom tés umha relaçom, a gente mira-te raro e interroga-te. É que nom engatas? Se és um bom partido! Todo está dirigido a que as pessoas estejamos juntas: as vivendas, as viagens…
Ter parelha é parte do sucesso social, mas para mim o mais problemático é que é um configurador de autoestima. Parece que estás mal, que ninguém te quere. E há momentos nos que ti mesma crês: “será que nom me sei relacionar?” Ainda que tenhas centos de amigas e te leves bem com a tua família. Cumpre rachar o peso do erótico afectivo. Nom ter parelha nom significa estar carente de amor.
Qual foi a experiência mais significativa para ti de todas as entrevistas?
A dumha mulher de Colômbia que tem 65 anos e fala de toda a sua trajectória amorosa, umha vida muito intensa da adolescência até agora. Viveu umha guerra. É umha experiência muito diferente à minha.
Algumha aprendizagem que levar após escuitar a tantas pessoas?
Agora há muita gente que me di: “como perita no amor, dá-nos conclusons”. Eu estou convencida de que ninguém pode ser perita no amor em solitário. Quero rachar com essa ideia de que alguém che pode dizer como técnica o que che convém nas tuas relaçons. Se algumha vez nos virarmos em peritas e peritos, há ser um logro colectivo.
*Publicado em pikaramagazine.