Quase todas as pessoas tendemos a gostar intensamente de alguém que se destaca nalgum campo (umha música, um director de cine, umhe deportista…). Pode-se asumir a contradicçom de que adores as cançons de um marulo e inclusso a contradiçom de sentir contrariedade no seu falecimento. As emoçons tenhem certa vida própia, componhem-se de um mundo de experiências pessoais e identificaçons individuais ou coletivas e algumhas vezes tomam o caminho que lhes dá a ganha. Novecento é um dos filmes mais formosos que tenho visto. Bertolucci orquestrou a violaçom de María Scheneider noutro dos seus filmes. Nem Novecento vira umha pelicula horrível que há que deixar de ver, nem Bertolucci fica exento da sua cumplicidade numha agressom por ter realizado um filme de culto. O que nunca deverá ser admisível é apagar da sua figura o que essa pessoa é. Nom foi umha belíssima pessoa.

Assim anda passando estes dias com o falecimento de Maradona, que mais por desgraça que por justiça poética morreu em 25N. Mais umha vez, a sua morte veu lançar-nos às mulheres em todos os fozinhos num dia bem assinalado a realidade de muitos homens com os que partilhamos espaços, militâncias e objetivos políticos. Também a alguns mais mediáticos viu-se-lhes o rabo. Um mundo de condolências, desde a “política institucional”, desde Pablo Iglesias até Otegui, passando por políticos locais e outras ervas variadas das esquerdas sairam a expressar o seu pesar. Nom se entenderia porquê tanto ruido por um futebolista se nom fosse porque, a juízo de alguns, Maradona foi umha pessoa comprometida com a esquerda latinoamericana. Prestou sua imagen para mais de umha causa. Tinha fotos e amizade com Fidel e umha tatuagem do Che. Vamos, que se supom era da nossa corda. Eu igual nom sei bem quanto fizo Maradona para merecer tantíssima homenagem. Parece-me que umhas fotos e umha tatuagem pesam demais. Mas, igualmente, de homens de esquerdas homenageados que agridem mulheres está cheio o mundo. E de tumbas de gente maravilhosa da que ninguém lembra também. Se quanto em lugar de blanquearem, tivessem a decência de asumir honestamente a contradiçom do seu afeto… Mas repassando redes, som bem poucas as expressons amoladas que nom incorrem em banalizar, negar ou justificar. Luzes e sombras, maises e menos, independentemente da sua vida pessoal/privada (sic), virtudes e defeitos, erros. Estava doente, as agressons eram fruto da drogodependência (precioso sambenito estigmatizador para as pessoas drogodependentes que nom maltratam ninguém), todo um cúmulo de despropósitos que colocam a violência contra as mulheres onde segue estando: no invísivel. No que nom importa. No pequeno erro de um homen mui grande.

Apropriaçom indevida

Nem vivemos na Argentina, nem a potência que tenha Maradona em quanto que ícone das classes populares, dos bairros marginalizados e racializados se dá aqui assim. Em tudo caso, o que mais avonda, e no que diz respeito desta morte e de outras, e botando mao do sentir e a expressom popular que tanto se enarbolam, é que Maradona foi na vez dele, e as demais imos ir na nossa. Tanto drama. É assim como tradicionalmente abordamos os passamentos das figuras mediáticas nas classes populares galegas.

Tambem é, na medida em que o finado nasceu em bairro pobre e significou umha sorte de visibilidade, perfeitamente comprensível o dó popular no seu lugar de origem. Representou cousas com as que muita gente se sente identificada. Umha vivência concreta. O villero que triunfou e nom renunciou ás súas raízes nem á defesa discursiva des pobres. A nível da identidade coletiva teria a sua importáncia. É singelo de entender e também de respeitar. E de empatizar. O que nom é entendível, em tudo caso, é apropiar-se de um dó coletivo que nom pertence, que nom é teu, e guindá-lo como escudo ante o assinalamento da invisibilizaçom do machismo. Ai, nom há reconhecimento nem comprensom da dor do “outro”. Tira-se partido dela para justificar o próprio sentimento. Que no mais dos casos, e no nosso contexto, nom vai além que gostar muito de futebol e da estética que representava o que morreu.. Nom imos enganar, nem autoenganar. É desonesto. Com o resto de pessoas e com um mesmo, premissa necessária para o primeiro.

Classismo e o homen “diferente”

Enquanto se procuram jutificaçons, vem à tona a origem humilde do endeusado. E é que som entendíveis tais atitudes machistas, nom é para botar-lhe em cara, porque foi pobre e já se sabe que som muito mais machistas, aló nas villas. Se queremos maqueá-lo um bocado, para que nom pareça que se dixo o que se acaba de dizer, pode-se argumentar que nom tivo acesso aos recursos formativos que dam lugar a determinadas ideias. Afirmar isto como umha verdade incontestável, é problemático e é reduccionista. O exercício do machismo e os caminhos para erradicá-lo vam além do acesso à formaçon. Por muita importância que cobrar na explicaçom teórica das causas.

Assim, pode-se sentir o aliado com formaçom e biblioteca gafapasta na casa, menos machista que o peom da construçom, despolitizado ele, que che berra “cachonda” desde o andaime. Confundindo interessadamente grau com explicitude e correçom nas formas com nom-violência. Disto, sabemos bem as mulheres. O percurso por fazer na reproduçom da violência contra as mulheres é o mesmo. Há analfabetos com consciência das própias condutas. E homens com muitas leituras feministas incapaces de avançar no práctico. Nom é só nos livros que fazemos as aprendizagens. Fazemo-las também na escuita, no treino da empatia, na observaçom e através dum mundo de ferramentas.

Os referentes, esses senhores

Porque quase nunca som senhoras e nom porque nom haja e houvera. Os referentes imponhem-se. E numhas esquerdas em que os feminismos começam a permeá-lo tudo os senhores violentos perdem força como ícones culturais e tomamos outres, que encaixam melhor com o mundo que queremos. É o que há. O que pica sanica e aqui pouco mais se pode dizer, mas alá de que enfadar-se porque nom entendemos (passa-nos muito) quanto de referente deve ser o referente, é imaturidade política e humana.

As imagens que construímos dos referentes e como assumimos as contradiçons (ou nom) daquilo que admiramos é um tema mais interessante. Beatificamos figuras históricas e apagamos delas tudo o que nom nos gostaria que tivessem, mas tinham. O Che era machista e fundamente homôfobo, isto dou por feito que se conhece e nom é preciso sacar a relozir as pérolas. Qualquer as pode buscar no google. Também era um homen que é preciso conhecer e lembrar. Era ambas as duas cousas. Negar, minimizar ou justificar a primeira nom ajuda a avançar. Muito pola contra constitui umha sorte de pensamento religioso que constróis icones perfeitos e intocáveis, seres à margem do humano dos que nom podemos rajar, contribui para estagnar-nos, a nom ser capazes de discernir que é o que queremos levar com nós e que é o que queremos que fique para atrás. E o que é muito máis perigoso, a excusar o que fagam aqueles que ainda estam vivos. Disto, também sabemos bem as mulheres.

A todo isto, tampouco pretendia comparar ao Che com Maradona, como já vi também fazer.

Maradona era um maltratador que jogava muito bem ao futebol, e foi na vez dele.