O confinamento obrigara-as a ficar umha tempada longe da sua cova ninho. Tiveram que desarmar muitas das suas confrarias e desagregar muitas outras atividades. Mas, foi graças a esse perfil baixo, a essa solidariedade pessoal e a pé de bairro, pelo que pudérom enganar o bafo que lhes suponha estar fechadas nos seus pisos as vinte e quatro horas do dia; as sete feiras da semana. Estas rotinas davam-lhes a oportunidade de seguir em contato entre elas, botar unha parola, cuidar-se, agarimar-se e também a de reclamar o direito ao passeio.

Anu aproveitara o confinamento para somar-se à moda da cozinha, sobretodo à da pastelaria. Mas, ela nom o fazia para presumir perante a virtualidade, fazia-o para presumires diante do espelho e, ante tudo, para somar-se ao tecido solidário do lugar. As suas receitas iam direitas aos comedores sociais aos que assistia a botar-lhes umha mam às monjas. Desta maneira tentava aportar um bocadinho doce a vida daquelas pessoas que já decotio sofriam as verdades capitais da vida e que, agora, coa pandemia ainda estavam mais puteadas.

Pela sua banda, a Lela intensificara o seu labor como advogada comprometida coa realidade. Há anos que aprendera que a lei nom era mais que o maço de tinta que empregam nos céus para protegerem-se dos seus próprios avernos. Emporisso, centrara a sua carreira profissional em defender as pessoas que de cotio sofriam os abusos da lei e do dinheiro. E agora, coa militarizaçom sanitária, nom dava avio. Essas realidades tinham-se intensificado: despidos improcedentes, multas e abusos dos corpos armados, violaçom de direitos penais, despejos, assessorarem as greves de alugueiros, etc.

Mas arestora era o seu covil, o seu centro de operaçons, o que precisava de ajuda. Nem puderam desfrutar da foliada coa que queriam receber a nova-normalidade. O que ia ser umha jornada de reencontro, de sentirem-se fisicamente na distancia sanitária e sobretodo de pôr-se ao dia e sincronizarem-se; pronto se tornou numha assembleia de emergência. Nom tinham tempo que estragar, assim que encomeçárom a organizar a sua resposta. A levantar os primeiros pontais cos que tentarem fortificar a utopia telúrica que tinham argalhada naquela cova.

—É que… cago nas deusas que nos botárom! Agora isto… Contra destas trangalhadas nem defesa pessoal nem merdas. Caem-che hóstias assim, sem aguardá-las, que pouco mais podemos fazer que apertar o cu, amarrarmos forte e tentar nom irmos ao chao—. Besbelhava Anu; namentres apouvigava o formigo dando passeios elípticos, indo e voltando por aquela toba.

—Bom, perde cuidado, já iremos vendo! Nestes dias, achegamo-nos até a gestora e miramos de que cona vai o conto. Ora bem, o que tenha que ser… será. Teremos que roê-lo! Este ano encadelou-se em vire revesgado e ao caralho; vai-nos sair muito interessante—. Repinicava-lhe a Lela; tentando disfarçar a sua carragem.

Todo se torcerá por mor da nova que lhes trouxeram. Era o pré-aviso de que o projeto comunitário, no que levavam trabalhando tantos anos, estava no ponto de mira de logreiros interesses. Tinham a sua linha de frotaçom assediada por grandes e famintos petos, ameaçando-as com fazê-las afocinhar. O estranho, coma argumentava com retranca algumha daquelas lurias, teria sido o contrario: «No fundo, estas alfândegas som-vos coma umha palmadinha nas costas. Se tentam fazer-nos cóxegas e porque nom lhes fam moita graça as nossas ideias».

Já passaram umhas quinze feiras desde que lhes chegara a nova do falecimento do seu arrendador. O contrato do aluguer que tinham assinado dendê há quase vinte anos ia para o caralho. Tinham que assinar um novo, polo que dependiam dum novo proprietário que nem conheciam. For por mor dessa incerteza, por ficar nas gadoupas dum desconhecido, polo que aquela festa se convertera num gabinete de crise. Agora, tinham outra assembleia, voltavam a congregarem-se para ver quais eram os vindouros passos.

O ambiente que fungava pela toba era-vos mesto. O ar estava copado pola inquedança de saber quais eram as novas que traiam da gestora e o medo de nom querer ouvi-las. For como fora, a Lela explicou-lhes que o Afonso nom finara. Simplesmente estava amanhando a papelada toda, para fazer a herança em vida. De agora em diante, ia ser o filho o que ia gerir as propriedades do velho e, pelo tanto, o seu aluguer.

Depois de conhecer essa informaçom prosseguirom a falar, para ver cal era a melhor soluçom. Os turnos verbais fôrom prolongando-se até a notinha e nas intervençons fôrom misturando-se as opinions motivadoras, as realistas, as pessimistas, as que queriam lio, as dúvidas, os medos… com tudo decidirom que nom lhes restavam mais ovários que sentarem-se a negociar.

—Já que temos que negociar, cuido que o melhor é citarmo-nos eiqui com il. Joguemos no nosso lar. Metamos o gato na rateira e que sinta na caluga o bafo da nossa colónia—. Arengava-lhes Anu.

—Sim, no de reunirmo-nos eiqui tes razom. Porém, se lhe fazemos umha emboscada e atopa-se cum monte das nossas vai-se pôr à defensiva. Vai ser atirare contra nos mesmas. Os gatos nom che som parvos e cheiram o perigo. Com duas ou três que neghociemos com ele abonda. Amais… ighual estamos cousificando o probre rapas e isto é mais cousa da gestora—, contestava-lhe de vagar a Lela—. Eu da gestora nom me fio nada. Som-che uns mal-educados. Vai ti saber se nom e umha trasgada deles pra aproveitares e caçarem mais quartos em comissons.

—Bueno caralho bueno… Ti encontrache um dia cumha empreghada deles que estava de más e já nom tens mais mal cavilar pra ninghem. Nem que for a única vez que che gritaram… Que nom digo eu que nom lhes vai bem chupar mais euros, mas o tipo a mim já me vem atravessado… Bem pudo dizer que estavam amanhando a herança, em troques da loia de que finara o pai. No outro concordo. Com duas é davondo. Eu gostaria de vir. E ti, Lelinha, pois tens que vir também; umha advogada sempre é boa companha para umha negociaçom.

—Vai! Pois logo, imos nós as duas. Já me encarrego eu de chamar ao tipo e combinar com ele. Vou-vos avisando pelo grupo do que seja.

Hoje era o dia grande. O dia da festa! Passara mais dumha semana desde aquela juntança e inda que restavam um par de horas para a sua cita, aquelas duas mulheres já se topavam na toba. O de chegar tarde e fazer enfadarem ao novo caseiro, nom era boa ideia. Assim que decidiram ir antes para preparares o cenário: varrer o pó, ventilar, por algumha cerveja e mais auga no frigorífico, prender um incenso e o mais importante preparar a mesa e as cadeiras onde conversar. Colocárom-nas no centro da estância. As duas cadeiras mais cómodas que tinham eram para elas, que para algo eram as anfitrioas. E a pior cadeira; a mais velha, pequena e instável para o seu convidado.

Essas duas horas semelharam um mundo e isso que cos preparativos inda estiveram lidando um bom anaco. As agulhas nem se moviam, o silêncio que falava pelos seus nervos semelhava termas delas, até que por fim, umha meia hora depois da hora acordada, tocárom à porta.

A Lela foi abrir, deixou entrar a sua cita e apresentárom-se com umha aperta de maos. Entrementes, Anu nem se moverá da mesa de negociaçons. Decidira que ia fazer o papel de guerrilheira, era o dela. Desde a sua cadeira pudo espreitar a aquele tipo desde longe. Quanto mais preto tinha ao fulano, mais certa estava do bom tino do seu instinto: «sapatinhos náuticos, camisa de polo, fachaleco na mao e coma nom, a guinda do pastel: umha pulseira com essa bandeirinha, cheia de sangue e icor, que agora está tam de moda entre certa gentalha», cavilava em silêncio, «este seguro que quer um aumento, por isso tenta chucharmos mais sanghe. Putos rendistas!». Nem fixo aceno de levantar-se da cadeira. Levantou a mam com dissimulo e com um breve e silandeiro «olá» deu por feita a sua apresentaçom. Sentárom-se os quatro e encetárom a falar.

Ao princípio a conversa foi bem. Nesses primeiros retrincos o tema do alugueiro, que as empurrará ate esse preciso intre, nom fijo ato de presença. Os dois bandos centrárom os seus esforços em tentearem-se. O vinculeiro foi-lhes contando por acima o que elas já intuíam. Explicou-lhes, também, que o da morte nom morte do seu pai devera ser umha falha na comunicaçom entre a gestora e mais elas. Pela sua banda, as locais contárom-lhe com brevidade qual era história do centro, as suas atividades e a situaçom atual que atravessavam co galho da crise sanitária e do confinamento.

Porém, esse enfiar de verbas foi rumando-as até o importante: os quartos, o contrato, os tempos, a loita de interesses… Foi aí quando a ambiente colheu voltagem.

—Sí, sí. Ya sé que nunca tuvimos problemas con vosotros. Que sois buenos pagadores y todo eso. ¡De hecho, mi padre me dijo que estaba muy contento! —Explicava-lhes levando os braços ao peito. Formando um escudo co que tentar defender-se do confrontamento físico ao que o convidavam aqueles olhos azuis que semelhavam querer dar-lhe umha pancada—. Pero también tenéis que entender mi posición…

—Nom é que nom a entendamos. De feito fazemo-lo, mas nos nom podemos afrontar esses quartos ao mês. Como lhe expliquei, o que temos argalhado aqui é um centro social autogerido e imos sacando o dinheiro como boamente podamos. E agora, coa situaçom atual, fai-se-nos impossível assumir essa quantidade—. Respondeu a Lela com um tom calmo.

— ¡Ya! Porque no queréis. Aquí tenéis un bajo grande, está bastante guay y bien situado, en pleno centro. A esto podíais sacarle bastante partido con algún tipo de negocio.

—Homem! O que acontece é que isto está guai, graças a nosoutras. Quando chegamos isto eram-che três paredes e um chao de terra—. Interviu Anu; acenando um sorriso raivoso que se aliava coa sua mirada para botar-lhe um pulso ao rentista—. Que nós jamais vos pedimos nada e como podes observar isto ainda precisa muitos arranjos. Sem ir mui longe, o tema da humidade… Que já vês como cheira!

—Es que, para la ridícula cantidad que pagáis, tampoco podéis pretender que os hagamos una reforma a vuestro antojo. Lo único que queremos es actualizar el precio del alquiler acorde al mercado. ¡Creo que no es difícil de entender! Que bien podríamos venderlo para que hagan un parking o algo así.

—Nom, se a gatada que quer fazermos colhemo-la bem. O caralho é que há que cair mui baixo e ser mói ruim para fazê-lo agora, coa que está a cair… Nom acredito que o seu pai seja tam lura! —Protestava Anu. Afiando cada vez mais a cicatriz do seu beiço, que já amossava os caninos—. O que quer e botar-nos de aqui ou achucharmos todos os euros que poda. Porque nom acredito que você, tendo dous ou tres edifícios em aluguer, tam só nesta rua, tenha muitas necessidades sem cobrir. Embora, aviso-lhe que de termos que pirar imos deixar tudo como estava quando chegamos. Secassim, polas boas nom liscamos. Denantes entrincheiramo-nos e até que nos saquem, abofé que vai chover avondo!

—Mirai. Eu acho que nom imos avançar muito mais. Vai ser umha tontaria continuarmos a falare para rematarmos emperrenchandas. Isso vai ser pior para todas. Nós, o dito: nom podemos assumir umha suba do dobre do alugueiro. De feito, tal como vai o conto, vai-se-nos fazer complicado paghare o atual. O melhor vai ser pormos fim a conversa—. Intervinha a Lela fazendo gala do saber estar da advogacia—. Se for tam amável, fale co seu pai ou estude você a possibilidade de manter-nos o preço. Bem sabe que com nosoutras nom tem problema nemhum amais, com nós aqui nom se lhe vai meter ninguém mais. Que nos temos que ajuntarmos a estudar as contas e analisarmos, coa comissom de advogadas, as respostas legais das que podemos tirar para ficar neste lar.

A reuniom rematara mal. As poucas esperanças que tinham por resolver o assunto de maneira amigável esfumaram-se. Já sabiam que existia essa possibilidade, assim que nom se iam pôr a choromicar nem iam ficar quedas. Tal como estava a coisa só lhes restava dar-lhes batalha e aguardar a que passaram as jornadas para ver como rematava tudo.

Um par de dias depois daquilo recebérom umha nova que nom aguardavam. Chamara-as o seu velho arrendador. A refrega ia ter que ficar adiada para outra ocasiom. Essa chamada aledara-lhes a vida, comunicara-lhes que tinham razom e que nom estavam às cousas para andar a mugir a gente. «O meu filho nom gostou disto, mas namentres eu viva no meu mando eu. Vou-vos deixar ficar no baixo de balde. A nos nom nos fam falta esses quartos e tal como está tudo toca acaroarmos. Venhem-che tempos fodidos e vosoutras fazerdes um bom labor. Lembra-me às redes do Centro Galego de Bos Aires; se nom for por isso… Sabe Deus onde estaria eu hoje!». Aquela assinatura foi toda umha libertaçom. Ainda que o contrato de cessom nom estipulava um tempo mínimo, quando menos podiam respirarem tranquilas durante uns aninhos. Pro nom muito! Isto fora a primeira rabunhada, o primeiro aviso dos perigos que lhes ia trair o tempo.

Aquele centro social, a sua cova ninho, habita no meio dumha cidade que teima em seguir um modelo de desenvolvimento errado: o das grandes metrópoles! Justo ora que, mais que nunca, amossou ser insustentável, insalubre e onde a vizinhança nom é mais que um vulgar decorado ao que nom se tem em conta. Até o de agora bailaram na beira mais amável da gentrificaçom: o abandono, a indiferença das instituçons, o salve-se quem puder e demais trasnadas que emprega o capital para baixar os preços dos imóveis, ordenar a urbe ao seu antolho e para convidar a marchar-se às gentes do lugar. Para que logo nom dêm polo cu, nem interrompam projetos mais importante. Porém, o centro da cidade reclamava o seu espaço e os interesses que a configuram encomeçavam a querer cobrar os benefícios dos imóveis que abandonaram ao cuidado da vizinhança. De agora em diante tocará-lhes dançar na margem mais suja desta especulaçom. Eis o pauto…

Velai o porvir!