Desde que a dinastia borbónica, trás umha guerra civil a inícios do século XVIII, logra impor-se no Reino de Espanha, alguns dos seus representantes estivérom relacionados com escándalos e fugidas. Carlos IV, Fernando VII, Isabel II e Alfonso XIII tivérom que abdicar ou abandonar accidentadamente o seu território; agora, Juan Carlos I segue os seus passos, envolto numha poeira de impopularidade e mais que provável corrupçom.

Segundo fontes da imprensa do Regime, Juan Carlos I abandonou Espanha, no que eufemisticamente chamam ‘desterro voluntário’, no passado dia 2 de agosto. Tais fontes dizem que teria passado a sua noite em Sam Genjo. Nom é por acaso esta paragem na vila do Salnês. A sua ligaçom co ex-alcaide Telmo Martin, persongem vinculado a múltiplos casos de corrupçom e narcotráfico, vem de velho. Igual que a sua amizade com Pedro Campos, da família Calvos-Sotelo, ex-presidente do Clube Naútico de Sam Genjo, proprietário de Termas de Cúntis e também arrodeiado de controvertidos assuntos na gestom de ambas entidades. Amigo de todos os anteriores é Manuel Rodríguez Vázquez, presidente de Rodman Polyships, empresa decote investigada polos seus vínculos co narcotráfico. Depois, o Bourbon deslocaria-se a Porto, e de Portugal voaria à República Dominicana. Naquele país, a monarquia espanhola mantém vínculos históricos com a família Fanjul, capitalistas de longa estirpe que se figérom ricos com a indústria do açúcar em Cuba. Um filho de Alfonso XIII, avô de Juan Carlos, já se vinculara com os Fanjul via matrimónio a inícios do século XX. Como apontárom meios da imprensa catalá, que contrastam com o consenso monárquico da imensa maioria dos cabeçalhos espanhóis, a escolha nom seria casual: a República Dominicana tem convénio de extradiçom com a Suíça, país em que Juan Carlos está a ser investigado, mas só contempla processos de extradiçom de pessoas condenadas em firme. Porém, ainda hoje mesmo, a Casa Real espanhola acaba de confirmar que o monarca emérito está nos Emiratos Árabes. A velha amizade co regime criminal dos saudis exibe-se assim sem o mais mínimo rubor.

Assim estoupou o escándalo

Se bem a sombra das más práticas e grave corrupçom acompanhou sempre o rei, é em fevereiro deste ano, poucas semanas antes de entrarmos na fase mais aguda da crise sanitária, a empresária alemá Corinna Larsen denuncia na Suíça, por ameaças, o rei Juan Carlos e Sanz Roldán, ex-director do CNI. Larsen, na condiçom de amante do rei, seria umha das beneficiárias do cobro de doaçons milhonárias fornecidas polo borbom. E tais doaçons procederiam de negócios ilícitos com as ditaduras do Golfo, em bons tratos com empresas de construçom espanholas.

Apenas um mês depois, com todo o Reino confinado e em boa medida traumado pola dimensom da crise sanitária, o manchete británico ‘The Telegraph’ publica que Felipe VI poderia ser beneficiário dos ingressos da Fundaçom Lucum, sediada num paraíso fiscal, e vinculada com a ‘conta B’ suíça de Juan Carlos, a chamada Mirabaud. Na mesma linha informativa, um jornal como New York Times assinalava que a fortuna irregular no estrangeiro do rei actual ascenderia a 18 milhons de euros.

Nesse mesmo mês, Felipe manifesta que renuncia a toda a herança do seu pai, numha tentativa de limpar a danada imagem da instituiçom monárquica. Mas como bem precisou o jurista Pérez Royo, tal renúncia é umha pura declaraçom de intençons, desde que precisaria, para efectivar-se, ser umha verdadeira renúncia à própria Coroa.

Os feitos

A informaçom foi convenientemente dosificada por parte da mída maioritária, evitando que desaguasse numha vaga de indignaçom social. Seja como for, o assunto é muito seguido nos grandes meios europeus e occidentais, e o nome do procurador suíço Yves Bertossa é já sobradamente conhecido: correspondeu a este fiscal dar início às diligências: chamou a declarar Dante Canonica, advogado do monarca, e a Arturo Fasana, gestor dos negócios reais. Os fundos da conta Mirabau teriam a sua origem no cobro de comissons pola construçom do AVE saudita e no mercado de petróleo entre Espanha e as monarquias do Golfo. Há cinco meses, informávamos neste portal polo miúdo da enorme dimensom deste caso de corrupçom nas altas instáncias do Estado. Agora, a pesquisa está também em maos do Supremo espanhol, o que dá lugar a um cenário sem precedentes de deslegitimaçom da instituiçom.

Crise institucional

Vivemos num Reino, cumpre nom esquecê-lo, em que a justiça processou e condenou dous rapeiros por letras críticas, particularmente dirigidas contra a a instituiçom monárquica. O músico Valtonyc fugiu à Bélgica para evitar as gadoupas da repressom espanhola, enquanto Pablo Hasel aguarda pola efectivaçom dumha condena em firme.

E é que a informaçom e opiniom sobre a família real espanhola é vigilada com lupa ; a biografia nom autorizada de Juan Carlos I, ‘Un rey golpe a golpe’, foi editada em 2000 pola jornalista galega Rebeca Quintáns baixo o pseudónimo de Patricia Sverlo, polo temor a possíveis repressálias.

Vinte anos mais tarde, os aspectos mais sombrios daquela biografia fórom sobradamente confirmados. Quintáns, entrevistada recentemente polo digital Vilaweb, diz que por trás da iniciativa da fiscalia do Supremo nom há intençom real de avanço : ‘nom tem mais percurso, é umha medida formal que apenas delimita responsabilidades penais’. Quintáns considera-o apenas um gesto inteligente da judicatura espanhola para obter informaçom directa sobre os passos que dá a sua homóloga suíça.

Em qualquer caso, um dos piares basilares da estabilidade estatal abanea, e até um partido integrado no Regime como Podemos pediu a abertura dumha comissom de investigaçom. Apenas o bloqueio de todas as fracçons da direita espanhola impedírom a iniciativa. Podemos estar-nos aproximando a um dos momentos de maior inestabilidade da história espanhola recente. A escolha do destino de fuga, Emiratos Árabes, pode contribuir ainda mais ao abalo do regime.