“Ao escrever esta obra, procurei dividi-la em cinco capítulos, correspondentes à Terra, à Água, ao Lume, ao Vento e ao Vácuo, a fim de expor as peculiaridades de cada um, bem como as suas vantagens.”

Livro das cinco esferas

Miyamoto Musashi

Seguindo zouponamente o exemplo do inimitável Musashi, tentarei traçar umha imagem da atual crise sanitária em cinco partes: luita pola hegemonia do sistema-mundo, luita civilizatória, luita de classes, luita política e luita de liberaçom. Velaqui a quarta.

Luita política. Vento

Nos anos 50 do passado século, Michael Roberts vinculou a apariçom do Estado moderno à configuraçom de exércitos profissionais nos alvores da modernidade aló polos séculos XV e XVI. O poder centralizado e umha economia à disposiçom da carreira armamentística implicárom a apariçom das novas formas políticas. Porém, foi o surgimento do Estado naçom o que mais consagrou a relaçom entre a guerra e a institucionalidade moderna. A ideia da naçom como deus leigo iluminista da revoluçom americana e francesa espalhou-se coas guerras napoleónicas e as consequentes independências latino-americanas. Forçou mesmo os velhos impérios a adotá-la nas suas narrativas de guerra. As duas grandes contendas mundiais da primeira metade do século XX confirmárom ainda mais o vínculo entre guerra e narrativa nacionalizante. Até na internacionalista URSS se lhe chamou Gram Guerra Patriótica à II Guerra Mundial. Aqui, nada contribuiu mais à expansom do recém nado espanholismo do XIX que as guerras de África e Cuba. O apelo à unidade contra o inimigo exterior ranhava mesmo no arquétipo mais primitivo e visceral da sociabilidade humana. A narrativa de guerra nacionaliza, cria identidade nacional mais do que nengumha outra.

Por isso o governo espanhol nom só empregou durante a crise sanitária umha linguagem radicalmente bélica senom que até a encenou em partes de guerra com uniformados de todas as ponlas. As forças armadas a percorrer as ruas e a louvança contínua para os dous corpos policiais mais corruptos e violentos da Europa completárom o panorama. A intençom era obviamente expandir o espanholismo aproveitando a tesitura. Após umha tensom senlheira no conflito catalám, o regime espanhol, coa ajuda impagável do neocarrillismo podemita, valia-se do estado de excepçom para prestigiar-se e espanholizar-nos. Por isso lhes retirárom o poder às autonomias. Quando venhem problemas de verdade nom estamos para folcorismos identitários, toca a seriedade de Madrid frente aos nossos particularismos. Essa decisom foi tomada quando Catalunha queria fechar o seu território como acontecera no resto de países afetados e quando até em Galiza se começava a especular sobre tema. Ao final demonstrou-se que essa determinaçom centralizadora permitiu a propagaçom do vírus desde Madrid a todo o Estado e que se atingissem os primeiros postos mundiais em mortes e infectados no pico da pandémia. A brutalidade inerente ao nacionalismo espanhol, espalhar a morte, antes de permitir que se visibilizasse umha gestom mais efiente que a central nos territórios díscolos.

Por suposto, esta estratégia espanholizante aproveitando a crise fortaleceu, como sempre, os mais espanhóis, quer dizer, a extrema-direita. A ridícula pretensom de resignificar umha bandeira imperialista e fascista como a espanhola é comparável a tentar ensaiar um projeto progressista sobre a ideia do Lebensraum (espaço vital) názi. Ao cabo, a gente acaba preferindo o original e nom a cópia, como já sentenciara Le Pen. Porém, esta visibilidade agressiva do nacionalismo espanhol mais reacionário, contribui, já o temos assinalado, à centralidade do PSOE-Podemos. Frente ao problema catalám e diante dumha reforma do regime imprescindível para a sua supervivência, VOX equivale ao ruído de sabres da primeira transiçom. É o contrapeso perfeito para acoutar as nossas demandas de liberdade. Todo o espetáculo do cesamento de Pérez de los Cobos e os gorgulhos das cloacas beneméritas manifestam ainda mais esse continuismo inevitável que os independentistas conhecemos de vez. Pola mesma, o compromisso de Unidos Podemos coa monarquia parlamentar espanhola ficou claramente de manifesto nestes meses. Como tem assinalado o Dionísio Pereira: “Nin derrogación da reforma laboral, da Lei de Amnistía, da Lei Mordaza, da Lei Montoro, nin reforma fiscal progresiva nin da Constitución (artigo 135), nin redución dos gastos militares, nin nacionalización dos sectores estratéxicos, nin banca pública, nin blindaxe das competencias autonómicas…” Como bom continuador do carrillismo, Unidos Podemos mesmo já quijo proteger os criminais do regime, tal que o assassino Felipe González, por garantir o seu estátus. A II transiçom aproxima-se e a “esquerda” espanhola assume seu papel histórico de cúmplice legitimador.

Um ponto importante na campanha de prestígio dos corpos policiais foi o discurso contra os transgressores do confinamento. Nom só convertia em cumplicidade delatora a frustraçom da cidadania encerrada, também desviava o foco da polémica para os indivíduos inconscientes. Assim, entre aplausos ritualizados que acabárom por ser para a institucionalidade do regime, também se justificava a violência policial. Porém, a maior virtude para a ordem constitucional supujo-a a capacidade de desviar o debate da privatizaçom da sanidade pública. Os dous grandes partidos do Regime do 78 contribuirom à degradaçom dum sistema sanitário do que seguiam a chufar como o melhor do mundo. E faziam-no com um orçamento espanhol para sanidade inferior à média europeia e do que se investiu umha gram parte em privatizaçons por parcelas. E é que muito do gasto atribuído à saúde pública foi para subcontratas que mamavam da administraçom usurpando-lhe funçons. Mas assim, no canto de culparmos das mortes a quem destruiu a sanidade pública e geriu desastrossamente a crise, culpamos a nossa vizinhança. Manobra de distraçom tam velha como o poder.

Neste sentido, o escudo da ciência foi fundamental para o discurso atordoante. Esquerdistas idiotizados polas batas brancas acreditárom ao pé da letra em cada medida política dos nossos governantes apresentándo-as como neutras. Nada melhor que a autoridade dum especialista que che justifique o que ti já decidiche com critérios bastardos para fortalecer a tua hegemonia. Ainda que as cifras do Estado espanhol estivessem entre as piores do mundo e se confirmasse o erro criminal da centralizaçom. A ciência como abstrato assético serviu para hipnotizar os seus crentes religiosos do esquerdismo pailám mais umha vez.

O olho de Sauron do governo espanhol fitava para Catalunha e Euskadi como ameaças contrahegemónicas, nom para VOX, o seu contrarregueifeiro necessário. Galiza, em troca, era um assunto mui menor. À aliança do governo mais progressista do mundo mundial nom lhe importou que a medida da centralizaçom, além de matar gente, exculpasse a Feijóo num ano eleitoral. Também lhe deu igual que os seus equilíbrios no Congresso lhe permitissem aqui ao narcopresidente convocar eleiçons já em Julho. Qualquer umha que olhe a campanha do PSOE nas autonómicas e o apoio da imprensa progre madrilenha ao atual presidentinho há concluir o mesmo. Na “esquerda” espanhola interessa mais um Feijóo visto como moderado e rival de Casado, que umha aliança co nacionalismo galego institucional. Na perspectiva da II Transiçom, um BNG cogovernante na Galiza, até como força preponderante, seria agravar a crise do regime agregando-o aos dous destabilizadores soberanistas principais. Melhor o cacique de ordem que o rebúmbio na colónia.

Nessa tesitura de confronto entre a Junta pepeira e o governo centralizador, o discurso transversal de Feijóo adquiriu inevitavelmente um componente regionalista para culpar a Madrid. Ver como a imprensa que ele compra com dinheiro público se somava às campanhas contra o turismo fodechinchos do soberanismo popular foi até simpático. Porém, é um discurso que também reforça o nacionalismo galego institucional como indicam alguns inquéritos. Quiçá isto demonstre ainda mais a nossa debilidade como movimento soberanista em sentido amplo. Medra a nossa narrativa apenas polas necessidades conjunturais da narrativa hegemónica. Nom somos quem de implementar dinâmicas próprias de rutura nem sequer em momentos de crise total. Todo o contrário, o nacionalismo institucional assume docilmente o marco que lhe traçam. Nom houvo umha resposta contundente contra a ilegitimidade dumhas eleiçons co nosso povo em estado de shock polo confinamento e a crise sanitária. O absolutismo caciquil exprimiu-se ao seu jeito mais que nunca em imprensa pública, privada e instituiçons de cartom graças à situaçom de excepçom. Já nom é que carrejem velhos, manipulem toscamente o voto emigrante inchadíssimo, controlem absolutamente toda a imprensa comercial de Galiza ou prémiem com empregos temporais públicos o voto dos mais dessesperados da nossa classe. Agora também aproveitam a confusom e o medo dumha pandemia para prevalecer. Calar e consentir as regras que eles ditam acreditando em estratégias eleitoralistas dependentes da imprensa do inimigo é o pecado original do nacionalismo e a esquerda institucional em Galiza. Escuitei-lhe a sua expressom mais extrema e estúpida a um concelheiro de ANOVA. Desbotava toda construçom popular e trabalho militante sentenciando que a campanha era o fundamental para o triunfo eleitoral. Ao cabo, apenas reproduzia o laclausismo errejonista que ainda mal entendera da irradiaçom podemita inicial. Num país sem meios de comunicaçom plurais e próprios efetivos é como umha brincadeira cruel na boca dum coitado interesseiro. Esta dependência alienante de esquerda galega, colonial, havemo-la tratar no seguinte e derradeiro artigo da série.

Antes do Covid-19 alguns alertamos do perigo dum BNG subsumido em minoria num novo (tri)bipartido. Após os messes de reclusom, essa possibilidade reduziu-se visivelmente graças a Pedro Sánchez. Ainda que se poda sonhar com um governo liderado polo nacionalismo na Junta, o provável som quatro anos da tradicional oposiçom parlamentar legalista bloqueira. A roda de Samsara sem plam de fugida. Como for, o independentismo além dele tem a obriga histórica de recompor-se e reinventar-se. Quer para aguilhoar um governo tripartido quer para rachar a normalidade política do institucionalismo de oposiçom fossilizado. Nom existe possibilidade de independência sem independentismo. Porém, no século XXI, a forma de que um novo Estado triunfe é integrando no movimento secesionista toda luita antagónica co poder ainda que nom se sinta nacionalista. Vincular indissociavelmente ruturismo co regime com soberania própria é o caminho que sinala Catalunha. O que Espanha menos deseja é que demos erguido um espaço independentista aberto e habitável que coordene num discurso plural o soberanismo de base. Um lugar que convide a participar a toda pessoa que quiger construir alternativamente e combater frontalmente o Regime do 78 além de etiquetas. Ela aguardará que repitamos leias por pirâmides de mando focadas ao institucionalismo ou o cainismo dos vanguardismos frikis co que tam bem nos marginaliza. Por isso toca surprendermo-la enquanto o olho de Sauron nos ignore. Nisso andamos.