(Imagem: galiciartabradigital.com) Despexadas já algumhas dúvidas sobre o panorama que imos enfrentar neste cenário de imediata post-crise sanitária, que é também crise social, do Colectivo Amanhecer consideramos oportuno falar com algumhas vozes autorizadas sobre o cenário iminente que afronta a classe trabalhadora. Economistas, militantes sindicais e activistas contra a pobreza e exclusom falam-nos do que podemos aguardar, e avaliam também as políticas do Estado.
Na EPA do quarto trimestre de 2009, a populaçom ocupada na Galiza representava o 6,05% do total estatal; no quarto trimestre de 2019, era o 5,49%. Meio ponto de perda, o dado que melhor resumem dez anos de gestom do PP de Feijoo, por palavras do economista Marcelino Fernández Mallo.
“Umha queda brutal em dez anos”, diz-nos. Nessa situaçom o nosso país encarou a chegada do coronavirus, que parou quase toda a produçom e os serviços, e provocou a retracçom da oferta e da procura. Mallo confessa que nas primeiras semanas ele era dos que pensava que a recuperaçom ‘ia ter forma de uvê; isto é, rápida”. Mas agora nom o tem tam claro: “do lado da oferta, a queda apresenta valores moderados, mas da parte da procura, ameaça com ser mais pronunciada, e isso porque há um factor impossível de predizer, o vírus.” As consequências no emprego e no sector industrial som nefastas. Este último é o “sostém absoluto da economia, e vem perdendo peso desde há anos, porque lembremos que o devalo começou com a perda de Fenosa. Desde as têxteis até as grandes conserveiras, Mallo diz que afundamos no “domínio das multinacionais.”
“Precisamos umha reacçom”, reclama Fernández Mallo, “umha urgente, para evitar que se nos venha abaixo a procura, porque quanto mais funda for a crise, mais difícil será a recuperaçom.” E nesse ámbito valora como “lógicas” as medidas contra-cíclicas do Governo espanhol. “Quando a crise de 2008 as primeiras medidas iam nesta mesma direcçom, Keynes era a referência, mesmo o G-20 começou dizendo que cumpria refundar o capitalismo. Mas aos três meses houvo umha viragem drástica e vinhérom as medidas de controlo de gasto, os curtes e a austeridade.” Hoje, na sua opiniom, estamos com aquela aposta inicial. A questom é durante quanto tempo se manterá.
Entre a desconfiança e a cautela move-se também outro economista, Adrián Dios, investigador na USC. “As medidas tomadas polo governo espanhol no início da pandemia seguírom directrizes europeias, que sobardam as cores políticas, e em rigor nom podem ser criticadas por deixar no desamparo a classe trabalhadora. Podia-se fazer mais, é claro, mas a grandes traços fôrom medidas de protecçom. Que acontece? Que estas medidas dam-se num quadro legislativo que vem de muito atrás, e num panorama social onde as relaçons laborais estám precarizadas ante o extremo. Entom, apesar das medidas governamentais, a patronal leva anos com o terreno achaiado para despedimentos doados, e para contratos que nom garantem estabilidade mímima.” Além disso, para Dios nom podemos perder de vista que o virus nom traz estritamente umha crise nova, senom que incrementa umha recessom estrutural, que vem de atrás: “o capital ainda nom se recuperou da crise de 2008, o crescimento, desde entom, seguiu a ser muito fraco, e para recuperar taxas de ganho recorreu aos conhecidos recurtes. Agora, ainda que eu nom considero prudente dar cifras exactas, vamos somar a essa realidade umha contracçom dum tamanho que nunca se viu na história moderna da humanidade.”
Mallo, por seu turno, nom vê indício nenhum de alternativas governamentais. Ao seu ver, poderia-se encarar um panorama tam cru recorrendo a sectores como a tecnologia, o meio ambiente ou o agro-alimentar. “Hoje na Galiza há umhas poucas empresas nestes campos, mas som ilhas”. E adverte que a aposta inicial do governo da Junta nem sequer aponta cara esse caminho. Os expertos que reuniu Feijoo no seu comité para a recuperaçom emitírom até o momento quatro informes: “os dous primeiros som, digamos, medidas técnicas; o terceiro advoga polas fusons como mecanismo para salvar um dos grandes problemas do país, a dimensom das empresas, mas isso por si só nom é nada; o último, segundo me dim, volve à aposta pola construçom, o que seria um disparate total.”
Modelo esgotado
Adrián Dios esclarece que estas semanas servírom como mostra da verdadeira consistência dumha economia terciarizada e sem um sistema legal e regulatório que ampare as capas mais vulneráveis da classe obreira: “perdêrom-se 400000 empregos na Galiza nos meses de quarentena, e nom sabemos se vam ser recuperados; mas si sabemos que com a nom renovaçom de contratos que possibilita o quadro legal vigorante, o empresariado nom precisa nenhuma medida extra para reajustar. Por outras palavras, ante qualquer shock externo que atinja aos assalariados, a protecçom é tremendamente feble.”
Para Mallo, nas cabeças da dirigência autonómica funcionam modelos obsoletos: os sucessivos governos Feijoo fiárom todo ao turismo “o sector mais castigado pola covid”, e agora a saída proposta é “retornar ao tijolo, quando há centos de milheiros de vivendas baleiras no país, e a populaçom segue à míngua.” O economista conclui a sua análise asinalando os três eixos nos que devesse assentar qualquer mudança de modelo: “o primeiro a I+D+i, diferenciar, diversificar…mas o nível de investimento temo-lo no 0,7%, quando a média da UE está no 2%. Cumprem fundos para activar. O segundo eixo é a cooperaçom, diária, continuada, aberta internacional…umha das fórmulas para salvar o problema da dimensom das nossas empresas. E o terceiro é completar a cadeia de valor, um défice muito evidente em sectores como o agro-alimentar, no que vários chanços, do princípio da cadeia até o final, seguem baleiros. Estamos a desperdiçar muito potencial. Actualmente temos a metade de superfície agrária útil que no conjunto do Estado, ou um terzo frente à Irlanda. Cumpre revertê-lo.”
Protecçom e direitos
O debate inconcluso da derogaçom ou emenda da reforma laboral abre a distintas interpretaçons o papel do governo ‘progressista’. Para Adrián Dios, o episódio cenifica “que existem duas almas no governo, umha mais social-democrata, nucleada por Ábalos e ministras de Unidas Podemos, e outra nitidamente neoliberal, arredor de Calviño em Economia. Seria interessante escuitar os debates no Conselho de Ministros, pois neles seguro que tem voz a patronal e a sua exigência de fazer do despedimento algo ainda mais doado.” Para Dios, a ortodoxia neoliberal nom choca apenas com as teses da esquerda, senom também com os interesses dum sector do capitalismo: “os que apostam por manter a reforma laboral de 2012 nom se dam conta que os seus efeitos, além de precarizar, som reduzir o consumo, e isso repercute também directamente nas cativas taxas de crescimento, que tanto preocupam.”
Falamos com outro bom conhecedor da legislaçom laboral, Ricardo Castro, secretário geral da CUT, que especifica que “nom há nenhuma decepçom. Nom podia havê-la, porque nom confiamos nunca o mais mínimo neste governo. A reforma de 2012 vai-se manter, no máximo acometerám algumha reforma cosmética. Aliás, o nosso sindicato sempre deixou claro que o problema único nom era a reforma laboral de Rajoy, senom a anterior de Zapatero…e a anterior e anterior… o que nos remite a um quadro político que é o Regime do 78. E sem abordar a sua superaçom, o debate nom vai ao fundo do assunto.”
Para Dios, a crítica é mais matizada: “creo que é certo que estamos ante o governo mais progressista da história. Claro que nom é difícil, se consideramos os precedentes, e a tradiçom de direita autoritária espanhola.” O economista acha que certos aspectos som dignos de valorizar: “o ingresso mínimo universal é umha medida insuficiente, mas positiva. Claro que está muito longe da exigência dos movimentos sociais, pois nom é universal, mas em certa medida protege capas da populaçom anteriormente à intempérie. Creo que, ainda que só for por humanidade mínima, termos que apoiar a medida e desmontar os argumentos da direita. Pois repito que umha certa protecçom social dará pé a um maior consumo.”
Castro é contundente na sua análise: “Ingresso mínimo universal? Mais política de efectismo e cabeçalhos, cosmética. A CUT, como sindicato, ainda está em processo de debate sobre a renda básica, há diversas posiçons, e eu nom podo dar umha opiniom fechada como central. Mas o certo é que essa medida que comentamos nem alcança a cantidade mínima exigível, nem alcança a classe trabalhadora mais vulnerável…enfim, finge aplicar umha reivindicaçom dos movimentos populares, quando nom há tal cousa.
Esta crítica frontal partilha-a Rodrigo Gil, educador social e membro do Colectivo Renda Básica da Corunha. Nom vê o governo espanhol nem disposto a emprender umha reforma fiscal “funda e valente” que permita sentar as bases para a criaçom dumha verdadeira renda universal. “O IMV é muito restritivo. Nom alcança umhas taxas de populaçom em risco de exclusom dum 20%, com mais de 600000 pessoas na Galiza nessa situaçom. A RISGA nom alcança nem as 10000 pessoas, e o IMV nom vai melhorar essa prestaçom, porque nom som acumuláveis.”
“Na realidade, o próprio Governo advertiu que o IMV nom se pensara para combater a pobreza, senom que foi desenhado contra a pobreza extrema”, diz Gil. “O problema é que tampouco garante que se vaia eliminar: porque pessoas em situaçom irregular, ou pessoas que nom podem ‘certificar’ que som independentes porque nom tenhem vivenda, mesmo moças e moços que som excluídos directamente porque ainda nom acadárom a idade mínima, ficam fora.”
“Todos os direitos que se puiderem ir consolidando som positivos”, concede Gil, “mas o IMV tem um desenho muito semelhante ao que som as rendas de inserçom que gerem as CCAA”. E explica que a medida nom supera o problema da estigmatizaçom social nem se outorga um mínimo para umha vida digna.” “Dos 15000 milhons prometidos na última campanha eleitoral, comprometêrom-se finalmente 3000.”
Perspectivas de luita
A primeira central sindical do país, a CIG, já fijo ouvir a sua voz nesta crise em favor dumha derogaçom “sem ambiguidades” da reforma laboral, e várias marchas de delegados e delegadas percorrêrom as ruas do país como primeiro sinal de aviso aos recurtes que, ainda sem se concretizar, todos intuimos. Ricardo Castro, da CUT, antecipa duas vias possíveis, e incompatíveis, que nos obrigarám a tomar partido: “aproveitárom a excusa dum vírus neutral, que nos atinge a todos e todas, para pretender coesionar-nos acriticamente ante o seu modelo económico e o seu projecto nacional: mais capitalismo e mais Espanha. Esta é a via que nos oferecem, adesom incondicional, para consentir novas perdas de direitos, mais curtes e mais empobrecimentos; a outra, que proponhemos como central, é sairmos à rua, e batermo-nos para evitar perder mais direitos e recuperar os arrebatados. Claro que isto supom umha aposta explícita por rachar com o modelo económico de denunciar o Regime, e isto vai muito além da contenda eleitoral. Já tivemos oportunidade de ver em que ficárom aquelas promessas de suposto rupturismo que se dedicárom às urnas”
No anarcosindicalismo, a óptica é também muito crítica: a secretaria de acçom sindical da CNT Galiza diz que os termos governamentais de “resgate social” e “legislar para o 99%” som mostra de “retórica estética”. Para a central “pretendem tapar certos ocos e necessidades imperiosas e urgentes cuja desatençom poderia supor umha importante tensom social e fazê-lo dentro do quadro da margem de lucro taxada como aceitável pola classe empresarial e financeira, e finalmente, conformar com ela umha ampla campanha cosmética”.
Para a CNT, as medidas tomadas polo governo espanhol e matéria laboral fórom “improvisadas, corrigidas e voltas a corrigir, sem garantias orçamentárias, e carentes de desenvolvimento técnico que permita a sua implementaçom.” Entre muitos exemplos que se poderiam citar, a central lembra que a política de ERTEs, que parte da esquerda considerou garantista, “supom que os e as trabalhadoras cobram apenas o 70% do seu salário, enquanto as empresas obtenhem exençons de até 100% das quotas da seguridade social dos seus trabalhadores.” Na CNT acrescentam aliás que proibiçom dos despedimentos foi “limitadíssima”, e o reconhecimento de incapacidade temporal a pessoas que padecem riscos especiais por doença “nom garantia o 100% da retribuiçom.”
O que acontecerá a partir de já mesmo depende, em boa medida, da subjectividade da classe obreira. Sobre isso fala-nos Ricardo Castro, que com toda crueza diz que se palpa “muita preocupaçom e medo. É lógico que haja desvelo por questons técnicas, por exemplo por se dispor de medidas de segurança, luvas, máscaras, desinfectantes…nós obviamente luitamos porque todo isto se garanta. Mas insistimos em ir mais longe, em entender todo isto como fruto dum modelo que leva a perder mais e mais direitos. Como dizia, cumpre centrar a reivindicaçom na rua. E ainda que o panorama é muito duro, nos imos enfrentar o que nos toca sempre com alegria e optimismo.”