(Imagem: muitas das pinturas rupestres possivelmente representem o zebro) Umha das portas à nossa terra leva por nome Pedrafita do Zebreiro ; no sul do país, em Oia, topamos o lugar de Água dos Zebros ; os nossos irmaos de além Minho baptizárom lugares como Zebreira ou Ribeira do Zebro ; nos domínios do leste da Gallaecia, damos com Vega Cebrón (actual Astúries) e com Cebrones del Río, em terras leonesas ; ainda, se fazemos umha incursom na Espanha profunda, damos com os Cebreros de Ávila, e com o Acebrón de Cuenca. Ainda que pareça que pintamos umha cena fantasioso, a toponímia dá-nos indicativo dum passado nom tam remoto : o das zebras a cabalgarem pola nossa Pedrafita do Zebreiro. Mas como a pesquisa demonstra hoje, os équidos das nossas montanhas nom tinham muito a ver com o cavalo a raias que associamos com as planícies de África. Que era realmente o zebro ?
A inícios da década de 90, os biólogos Carlos Nores e Carolina Niesau, da Universidade de Uvieu, publicavam um completo estudo na revista « Archeofauna ». Nele tratava-se de dilucidar de que animal falavam as fontes históricas medievais e modernas, tam insistentes em mentar um zebro que habitava boa parte das terras selvagens peninsulares.
Este mistério atraiu, como tantos outros, ao que quiçá seja o nosso mais grande erudito : Frei Martinho Sarmento. Em 1761, o frade bieito ficara desconcertado por umha cita achada num texto de Sampiro, bispo de Astorga no século X. Nele, o religioso falava do cordal que limita com o Berzo, na actual Pedrafita, como « Montes Ecebrarii ». No século XIII, Ximénez de Rada refere-se a eles como « Montes Onagrorum ». « Onagro » é a palavra grega que se traduz às línguas romances como « zebra » ou « encebro. » Mergulhando nas fontes, Sarmento descobre um animal enigmático que irrompe em boa parte da produçom escrita medieval, quer galego-portuguesa, quer castelhana. A cavalo entre estes dous mundos, Afonso X O Sábio, na sua « General Estoria », diz : « Onager dezimos nos que es en nuestra lengua por asno montés o encebro ».
Nas suas Cantigas de Escarnho de Lopo Lias ridiculiza os infantes de Lemos como « zevroes », no sentido de brutos ou incivilizados ; no afamado « Livro de la Montería », umha das alfaias da literatura cinegética medieval, Afonso XI de Castela fala do zebro como umha peça cobiçada, e para o rei português Afonso III, o seu valor como peça de caça superava o do cervo.
Ao que parece, a expansom massiva dos cultivos e a roturaçom de bosques e monte baixo reduzírom até o limite a área de reproduçom do animal, castigado também pola caça. Nos finais da Idade Média, semelha que só sobrevivia em Múrcia, e ainda assim muitos eruditos, como em geral a cultura popular, celebravam as suas muitas virtudes. Em 1422, Enrique de Villena diz que o seu sebo é muito utilizado contra o mal de olho. Sarmento repara em que, em pleno século XVIII, ainda pervive a sua memória além da toponímia : « zebros » chamavam-se os bois feros, e por extensom, segundo sabemos polo Elucidário de Santa Rosa de Viterbo (1799), a palavra aplicava-se ainda a bois, vacas e vitelas.
A controvérsia
A partir do século XV, a chegada dos portugueses ao Cabo de Boa Esperança, em África, introduziu a primeira nota de confusom : os cavalos raiados que topárom no continente fórom chamados « zebras » ou « zebros » ; para alguns autores, a denominaçom deveria-se a parecidos físicos evidentes ; para outros, o termo utilizou-se apenas para assinalar certos paralelismos entre ambas as espécies : a rapidez, a fereza, ou o grande valor do seu coiro. De facto, os espanhóis, na sua chegada à Patagónia, afirmam que os indígenas « vestem pele de zebro », provavelmente polo aspecto do coiro.
Na década de 20 do século passado, a Academia de Ciências de Lisboa inaugura umha pesquisa que conclui num resultado de consenso : o zebro viria ser um équido selvagem, de tamanho semelhante aos cavalos bravos que ainda podemos ver na actualidade ; teria cor cinzenta e umha raia de mulo que atravessaria o seu dorsal (eis a razom dos portugueses falarem de « zebros » africanos ). Biólogos procuram esclarecer se o zebro era umha variedade do actual cavalo selvagem euroasiático, se era um subtipo dos chamados « onagros » orientais ou, mesmo, se se tratava dum específico cavalo cimarrom. Seja como for, sabe-se que habitou entre nós desde finais da última glaciaçom, arredor de 8000 anos a.C., e que sobreviviu à pressom humana até o século XVI.