Fragmento da resposta do EZLN ao perdom governamental após duas semanas do levantamento de 1994.

De que temos que pedir perdom? De que nos vam perdoar? De nom morrermos de fame? De nom ficarmos caladas na nossa miséria? De nom ter aceitado humildemente a gigantesca carga histórica de desprezo e abandono? De termo-nos levantado em armas quando encontramos todos os outros caminhos fechados? De nom termo-nos atido ao Código Penal de Chiapas, o mais absurdo e repressivo do qual se tem notícia? De termos demonstrado ao resto do país e ao mundo inteiro que a dignidade humana ainda vive e está nos seus habitantes mais empobrecidos? De termo-nos preparado bem e de modo consciente antes de iniciar? De termos levado fuzis ao combate, ao invés de arcos e flechas? De termos aprendido a luitar antes de fazê-lo? De sermos todas mexicanas? De sermos maioritariamente indígenas? De chamar a todo o povo mexicano a luitar de todas as formas possíveis polo que nos pertence? De luitar por liberdade, democracia e justiça? De nom seguir os padrons das guerrilhas anteriores? De nom nos render? De nom nos vender? De nom atraiçoarmos?

Quem tem de pedir perdom e quem o pode outorgar? Quem durante anos e anos sentárom diante dumha mesa ateigada e se fartárom enquanto a morte sentava connosco, tam quotidiana, tam nossa que acabamos por deixar de lhe ter medo? Quem nos encheu as bolsas e a alma de declaraçons e promessas? As mortas, as nossas mortas, tam mortalmente mortas de morte “natural”, quer dizer, de sarampelo, coqueluche, dengue, cólera, tifoidea, mononucleose, tétano, pulmonia, paludismo e outras lindezas gastrointestinais e pulmonares? As nossas mortas, tam maioritariamente mortas, tam democraticamente mortas de mágoa porque ninguém fazia nada, porque todas as mortas, as nossas mortas, se iam assim sem mais, sem ninguém levar conta, sem que ninguém dixesse, por fim, o “AVONDA!”, que lhes volvesse o sentido a essas mortes, sem ninguém pedir-lhes às mortas de sempre, as nossas mortas, que volvessem morrer de novo mas agora para viver? Quem nos negou o direito e o dom da nossa gente de governar e governarmo-nos? Os que negárom o respeito para o nosso costume, a nossa cor, a nossa língua? Os que nos tratam como estrangeiras na nossa própria terra e nos pedem papéis e obediência para umha lei cuja existência e justiça ignoramos? Os que nos torturárom, apreijárom, assassinárom e desaparecérom polo grave “delito” de querer um anaco de terra, nom um anaco grande, nom um anaco cativo, apenas um anaco ao que lhe tirar algo para completar o estômago?

Quem tem que pedir perdom e quem o pode outorgar?

O presidente? Os secretários de Estado? Os senadores? Os deputados? Os governadores? Os alcaides? Os polícias? O exército? Os grandes senhores da banca, a indústria, o comércio e a terra? Os partidos políticos? Os intelectuais? Gálio e Nexos? Os meios de comunicaçom? O estudantado? O professorado? Os colonos? A classe obreira? A classe labrega? As indígenas? As mortas de morte inútil?

Quem tem que pedir perdom e quem o pode outorgar?