(Imagem: nationalgeographic.com) Quem se achegar à paróquia de Sam Vicente de Ogrobe pode dar com lugar de Balea Marítima; se for mais ao sul, no Morraço, pode passar pola paróquia canguesa de Darbo e ver o lugar de Balea; ainda, mais ao sul, em Baiona, temos Ponta Balea, com bastante provabilidade um promontório desde o que se avistavam ou se iniciava a caça destes cetáceos. A pegada deste gigante dos mares nom está apenas nas Rias Baixas: umha baleia loze no escudo da Laracha, e a fundaçom da vila de Suevos, como a de Burela, na Marinha, tem a ver com a sua caça e despece. Hoje conhecemos a relaçom da Galiza com a baleia, que é mais um capítulo da relaçom da Galiza com o Atlántico.

Umha lenda indígena da Colúmbia Británica diz que as baleias, ao chegarem a umha costa que lhes resultava apetecível, deixavam a sua forma animal e viravam humanas, fundando sociedades. O mito tem umha parte importante de verdade, desde que intuiu a cercania da baleia com a terra, e a sua condiçom de mamífero: procedem de animais terrestres que há milhons de anos voltavam ao mar. Rescentemente, cientistas atoparam restos do chamado ‘Pegocetus terrestris’, um antepassado da baleia, com quatro patas, que vivia entre o mar e a terra há 43 milhons de anos. Na nossa era, estes cetáceos som criaturas de mar aberto que impressionam polas suas dimensons: dos mais de dous metros da baleia aná, aos quase 30 metros da baleia azul.

Baixo o termo genérico baleia incluem-se duas subordens: a Myisticeti, sem dentes, que se vale de cerdas para atrapar a sua alimentaçom; e a Odonceti, dentada, que captura kilos de pequenas presas. Nesta categoria inclui-se a baleia branca e as baleias bicudas. A baleia realiza longas travessias marítimas: viaja a grandes bancos de peixe e plancton no Atlántico norte, para logo viajar ao sul, na procura de águas mais cálidas, com fins reprodutivos. A rota anual da baleia explica que a Galiza se fixesse um enclave estratégico na sua caça. O caladoiro galego chegou a ser o mais importante da Península, e dos mais importantes da Europa, durante toda a Idade Moderna.

A baleia na lenda

Caçadas, mas com cautela, por enormemente respeitadas. Assi podia ser definida a relaçom do ser humano com a baleia desde tempos pre-históricos, quando começa a sua veneraçom e também a procura da sua carne. Para os povos escandinavos, era o “Grande Peixe”; cria-se que habia boas e más baleias, e quem mentasse o seu nome no mar, fazia perigar o barco por ataque do cetáceo. Em Norteamérica, antes da chegada dos europeus, os povos da costa caçavam-na seguindo rituais e tabus; a sua parente, a orca, nom podia atacar-se, desde que se cria que acolhia o espírito dos guerreiros falecidos. A sua fama benéfica chega a oriente, e de facto os vietnamitas viam nelas mensageiras do deus das águas que resgatavam náufragos.

A baleia, um monstro para as crenças medievais. Imagem: glosspetrae.com

A máxima ambivalência da baleia representa-se no cristianismo: é o “grande peixe” (ainda que hoje sabemos que é um mamífero) que devora a Jonás pola sua falta desobediência a Deus, e que o mantém no ventre durante três dias. Como monstro das profundidades, tem todos os atributos negativos do desconhecido e temível; mas também é o castigo divino, a recta justiça que fai retornar Jonás à fe. Um grande reaccionário cristao, Thomas Hobbes, utilizou o nome ‘Leviathan’ para representar a autoridade política unipessoal: o nome tomou-no da Bíblia, e nomea o rei dos mares, um monstro de grande tamanho que por vezes tem forma de baleia. A imaginaçom medieval, séculos antes, já se disparara com o cetáceo, e os bestiários europeus representam-no por vezes com dentes gigantes e umha enorme cheminé no lombo, pola que expulsaria água.

A caça

No jazigo de Bargudae, na Corea, aparecem já testemunhos neolíticos da caça de balea representados em petróglifos. Na antiguidade remota, as espécies mais pequenas eram empurradas cara a costa por várias embarcaçons, e ali davam-lhe morte. Os inuit utilizavam já o arpom, técnica que o homem contemporáneo perfeiçoaria, para apostar polo extermínio desta espécie, numha forma de caça predatória e carente de nenhuma contençom.

No nosso contorno geográfico, a documentaçom medieval menta a caça de baleia já no século XI em Euskal Herria. Os bascos ganharám fama internacional como os grandes especialistas na matéria, e de facto tripulaçons euscalduns nutriam barcos de outras nacionalidades. Baleeiros bascos chegárom a caçar nas Ilhas Británicas, Terranova e a Islándia. O Prioiro, enclave ferrolao que desde tempos medievais era fundamental para o avistamento, caça e despece das baleias, tinha mao de obra guipuscoana e biscaínha. A baleia franca, nom por acaso, foi conhecida também como ‘baleia basca’.

O industrialismo estadounidense consumou, no século XX, grandes avanços cara a prática desapariçom da baleia. O seu aceite lubricou a revoluçom industrial, e o chamado ‘spermaceti’, de grande brilho e muito quotiçado, acordou a cobiça dos armadores. O conhecido porto de Bedford, em Massachussets, inspirou de feito o livro “Moby Dick”, no que a baleia, de novo, volta a aparecer carregada de significados simbólicos e enigmáticos. A invençom do “arpom foguete” em 1860 e a difusom das embarcaçons de plancha metálica desequilibra de vez a luita: o que era quase um choque entre iguais, em que o homem corria sério perigo de morte, vira um combate muito favorável para o homem.

A caça na Galiza

Como no resto da Europa, a Galiza obtinha da caça da baleia aceite para iluminar, barbas para roupas destinadas à aristocracia, e carne; em tempos contemporáneos, da baleia tirárom-se também produtos farmacológicos e cosméticos.

Numha economia sempre apoiada no Atlántico, que além da pesca, favorecia o comércio de vinhos ou tecidos, a actividade baleeira tivo importante papel no Reino da Galiza. Nos śeculos XIV e XV tem lugar, precisamente, um famoso pleito entre o senhorio de Andrade e os monges de Sobrado. O nobre usurpara a Reparada, enclave ferrolao que obtinha rendas da balea, e que permitia os monges cobrarem o dézimo da baleagem.

A história de muitos dos nossos portos nom se pode entender sem a baleia: Rinlo, Foz, Nois, Burela, Sam Cibrao, Vares, Caiom ou Malpica vivêrom da baleia. Deles saiam chalupas tripuladas por 46 ou 47 homens que, na Idade Média e na Moderna, afrontavam a difícil missom de capturar um animal de enorme tamanho que nom tinha dificuldades em afundi-las. O Licenciado Molina, na sua “Descripción del Reyno de Galicia y de las cosas notables del”, fala precisamente da actividade baleeira, base dum importante comércio com todo o Cantábrico e a França.

Restos da factoria baleeira de Canelinhas. Imagem: arqueoloxiaindustrialdegalicia.blogspot.com

Presa já na lógica capitalista do lucro sem taxa, a indústria baleeira galega adopta na Idade Contemporánea todo um leque de técnicas depredatórias: o arpom canom e o arpom explosivo multiplica as capturas; na década de 20 do século passado, o benefício fácil atrai a Vigo várias empresas de capital norueguês; e já na posguerra, os grupos e figuras mais fortes do capitalismo galego-espanhol, como Massó ou Iglesias Corral, refundam umha potente trama baleeira: em 1950, a Galiza é o único lugar do Estado espanhol onde continua a caça da baleia: empresas como IBSA, em Canelinhas (Cee) ou Balea CB, em Cangas, dirigem esta actividade, com resultados desastrosos para a fauna marítima. Desde 1974, um acordo de IBSA com a japonesa Taiyo garantia a exportaçom ao Japom de toda a carne de baleia conseguida por barcos galegos, o que garantia altos níveis de lucro.

Cartaz histórico da SGHN

Luita ecologista

Ainda que é um feito que nom permaneceu na memória popular, em 1980 vários explosivos afundiam no porto de Marim dous barcos baleeiros de IBSA, numha acçom reivindicada pola organizaçom ecologista Sea Sheperd. Foi a resposta mais contundente dum ecologismo que, maiormente através de cauces legais, deu o seu nom rotundo à desapariçom da baleia, e portanto à sua caça abusiva. A Sociedade Galega de História Natural, umha das entidades promotoras desta luita, recorda num dos seus documentos que se enfrentavam a umha indústria “irrespeitosa com quotas, prazos e com as próprias leis”. Foi a SGHN a encarregada de dar a conhecer à sociedade galega a importáncia da fauna marinha, e particularmente dos cetáceos, em tempos em que eram mormente ignorados: propaganda de rua, jornadas de verao, campanha de recolhida de assinaturas…nuns anos em que a consciência ambiental medrava, e num contexto internacional favorável, a moratória internacional à caça de baleias conseguiu-se em 1986. Um ano antes, em 1985, fechava de vez a factoria de Canelinhas, na Costa da Morte.