Nestes dias de mundo invertido que vivemos, a imprensa comercial reportagea sobre a volta às cidades de animais inesperados: cervos, javarins, cavalos, cisnes…que aproveitam o repregamento humano para ganharem espaço. No lado humano, aflora umha saudade da natureza que nom é frequente no habitante urbano, historicamente orgulhoso das suas trincheiras de betom e metal. Nestes dias, pessoas ociosas ou angustiadas nas varandas terám ocasiom, se som observadoras, de conhecer novos visitantes, ou velhos companheiros do ser humano que agora se movem com mais calma e soltura por cidades e vilas.

O nosso protagonista de hoje é das aves mais conhecidas de todas as que nos rodeam. Até mesmo se poderia dizer que em boa parte se sobrepujo à vaga de ignoráncia que afecta toda a vida natural nas sociedades urbanas. A razom pode ser o chamativo do seu aspecto, com umha viveza de cores com pouco parangom no nosso contorno; a beleza do seu canto; e também a popularidade na cultura europeia, que desde o primeiro cristianismo (quanto menos) se prodigou em louvanças deste passarinho. Na Galiza chama-se xílgaro, barroso, pintaxilgo ou pintassilgo. Nalgumhas comarcas chamam-no também pica-cardos, e esse nome popular leva-nos ao seu nome científico: Carduelis carduelis, que fai alusom, em latim, ao gosto polo cardo, a sua planta preferida.

Extende-se por todo o continente, polo norte da África e por boa parte do oeste asiático. Ainda que se tenhem topado exemplares em cordais como os Pireneus ou os Alpes, gosta dos climas temperados, e por isso a medida que avançamos cara o sul da Europa se fai mais frequente. Na nossa Terra está como na casa, e ou bem permanece todo o o ano entre nós, ou migra cara o norte da África. Nom gosta das zonas arvoradas, e por isso na tradicional paisagem de veigas e campeiros do agro galego estivo sempre muito à vontade; mesmo em cidades nom demasiado poluídas e com zonas de jardim, leiras e hortas, o xílgaro pode estar presente com comodidade, daí que toda galega de cidade poida conhecê-lo directamente.

Desta volta, nom se precisam grandes conhecimentos faunísticos nem ornitológicos para dar com ele: é das aves mais rechamantes. Do tamanho dum merlo (arredor de 13 cm.) chega a reunir sete cores na sua plumagem. As mais visíveis som as da sua cabeça vermelha e branquinegra, e as asas que combinam negro com amarelo. É possível porém que confundamos às suas crias, pois demoram um tempo em adquirir esta plumagem, e combinam distintos tons de gris. É um pássaro esbelto, de patas muito finas, bom gabeador mas torpe nos choutos. Mas por riba do seu aspecto, é o canto o que o fai salientar por cima de muitas aves; aos especialistas lembra-lhe ao canário (com quem é cruzado em catividade), ao que acrescenta um tom mais asilvestrado.

Imagem: avesengalicia.blogspot.com

A nossa quarentena decorre, curiosamente, numha jeira propícia para o seu avistamento, como muitos terám comprovado desde as suas varandas. Em fevereiro ou março começa o seu cortexo, e a fêmea fai-se de rogar umhas semanas antes de aceder ao contacto com o macho. É por isso que durante a fase prévia os xílgaros fam toda umha exibiçom cantora, que logo derivará em chamativos movimentos da plumagem que rematam nos dias da cópula.

Religiom e mito

Como em toda a tradiçom cristá, a maioria das aves (quiçá com a excepçom dos córvidos e a coruja) acordam simpatias: tenhem a capacidade de voar, e a ascensom relaciona-se com a vida espiritual; som amigas dos humanos desde tempo imemorial, ao ajudar à fertilidade das colheitas (o xílgaro, ainda que se alimenta sobretodo de cereal, nom despreza os insectos); o seu canto e colorido associa-se à volta da primavera e da vida, no que é umha reminiscência, muito provavelmente, de sociedades primitivas.

No caso do xílgaro, a simpatia é tam acentuada como no caso do paporrúbio, que também popularizávamos neste portal. Ao mover-se com soltura numha ave espinhenta como o cardo, a lenda identificou-no com a paixom de Cristo: nom tem medo às puas, e consolou a Cristo com a sua coroa ferinte; outra lenda diz que na criaçom o deus cristao utilizou as cores que lhe restavam da sua paleta para dar-lhas ao pintassilgo. E já no terreno da história, nom no do mito, sabemos que na Idade Média eram considerados amuletos contra as pragas. O homem, fascinado com o seu canto, encerrou-no em gaiolas desde tempo imemorial. Os colonialistas até o levárom de acompanhante a zonas onde nom existia previamente, como o Brasil ou Austrália.

Aves e isolamento

Forem xílgaros, merlos, paporrúbios ou ferreirinhos, os pássaros ocupam estes dias de outra forma o espaço urbano. A imagem do paxarinho a se passear por cima dum muro é a típica estampa de consolo do prisioneiro solitário, e por isso estes dias tanta atençom chamam as aves. E é que se qualquer pessoa minimamente atenta com o seu bem estar se decata da necessidade de pássaros para umha certa sensaçom de vida e harmonia, a ciência também o tem provado.

Nestes dias, a natureza recupera espaço

Um estudo realizado em 2018 na Universidade de Exeter provou que as pessoas que viviam nas urbes com certa presença de árvores, sebes e pássaros padecia menos problemas mentais que as vizinhanças mais soterradas em formigom. Em várias localidades inglesas, os níveis de depressom, ansiedade e estrês eram mais baixos se a vizinhança podia avistar estes animais, e mesmo se existia certa prática de interagir com eles, alimentando-os ou fornecendo-lhe refúgio. O estudo chegava a comparar vecindários com mesmo perfil sócio-laboral e nível de renda, polo que os níveis de saúde nom estavam neste caso sujeitos à variável económica. Daniel Cox, o director do estudo, manifestou que “começamos a descobrir o papel que alguns elementos chave da vida natural tenhem no nosso bem estar mental.”