O capitám de barco irlandês que no 1751 descobriu a Circulaçom Meridional de Oscilaçom do Atlántico (conhecida como Amoc) -estreitamente relacionada com a Corrente do Golfo, se bem nom idêntica a ela, topou-lhe umha utilidade prática: ele utilizava as águas gélidas, mais fundas, para arrefriar o seu vinho.
Se calhar semelha umha resposta um bocado frívola, mas sem dúvida que o capitám Henry Ellis nom tinha nem ideia de o patrom oceánico que topou ter sido decisivo para o clima, para a agricultura, e de facto, para o desenvolvimento de toda a Europa ocidental. Dificilmente se pode pôr a mesma excusa aos governos europeus de hoje.
As análises científicas recentes, baseadas em provas da última glaciaçom, apontam a possibilidade da Amoc fechar-se com rapidez apavorante, e já a meados do século que andamos, por causa do quecimento global e a conseguinte afluência de água doce procedente do desgelo da calota polar na Groenlándia.
De isto ocorrer, as consequências iriam ser catastróficas. Com a hipotética descida da temperatura entre 10 e 15 graus centígrados, o clima da Grande Bretanha iria mudar ao de Terranova. A agricultura iria esboroar-se, e toda a paisagem do país ficaria transformado. As vivendas e as infraestruturas teriam que se adaptar radicalmente para soportarem o novo clima.
O resultado iam ser décadas, e quiçá geraçons, de penúrias económicas. E enquanto as temperaturas desceriam na Europa ocidental, subiriam na África ocidental. A populaçom británica ia sobreviver quanto menos a um colapso da agricultura local, se bem em circunstáncias de miséria e racionamento que recordam à segunda guerra mundial e às suas sequelas. A populaçom da África no o iria fazer.
O resultado, um imenso aumento da migraçom, e dessa resposta política que já impulsiona de jeito visível a decadência da democracia liberal europeia. Por fortuna, um colapso tam rápido da Amoc continua a ser, por enquanto e em conjunto, improvável. Com isso e contodo, nom é um risco a descartarmos, e se a crise climática continua a acelerar-se, a provabilidade de ocorrer nom fará mais do que aumentar com o tempo.
Sendo assim as cousas, um observador iria esperar que toda a política exterior do Reino Unido (e de outros Estados da Europa Ocidental) se dedicasse a fomentar a cooperaçom e açom internacionais, com o fim de acoutar a rutura climática e amolecer as suas consequências. E porém, nom ocorreu nada disso, apesar das repetidas declaraçons da crise climática ser umha ameaça “existencial”. Tampouco nom devemos esperar nada semelhante do novo governo trabalhista.
A descomposiçom do clima, em geral, avança visivelmente mais rápido do que previam os mais dos modelos, e algumhas das suas piores consequências prováveis som já evidentes. Julho marcou o decimoquarto mês consecutivo de temperaturas mundiais récord. As temperaturas do Ártico e a Antártida crescem mais aceleradamente do que as globais, o que aumenta o risco dum ponto de inflexom desastroso. No sul da Ásia, as temperaturas extremas deste verao viram em tónica habitual e prolongam-se durante meses, a produçom agrícola danifica-se, e milhons de pessoas vivem na ameaça da fome. Na Europa, o centro de Espanha acha-se nas primeiras fases da desertizaçom, enquanto o centro do continente está devastado por anegamentos, causados em boa parte pola colisom do ar frio do norte com o sobreaquecido ar que sobe do Mediterráneo.
Tragicamente, a maior parte da esquerda progressista tampouco nom conseguiu situar o clima no centro do seu pensamento, senom que o colocou num compartimento própio, junto com questons de atualidade que, provavelmente, as geraçons futuras nom vam considerar dumha gravidade remotamente similar.
Nenhuma destas cousas deveria ser em absoluto complexa ou misteriosa. E porém, a incapacidade das nossas elites de segurança – e das elites políticas que digerem as suas análises – para cumprirem o seu dever fundamental, o de avaliar objetivamente os riscos, nom se deve a falho inteletual concreto nenhum. Deve-se a capas e capas de antiga cultura herdada, e a interesses institucionais e económicos imensamente poderosos.
Na verdade, nom é que a crise climática se ignore, mas coloca-se num compartimento arredado da segurança, o que significa que se vê eclipsada continuamente pola última “ameaça à segurança”, da que falam invariavelmente as partes interessadas, ou jornalistas que procuram apenas umha boa história.
Nos anos que precederam a guerra da Ucránia, nenhum governo ocidental, instituiçom de segurança ou jornal de primeira linha incluiu nos seus cálculos as desastrosas consequências da guerra para a luita contra a mudança climática, nem o viu como umha razom chave para procurar um compromisso com a Rússia.
Tragicamente, a maior parte da esquerda progressista tampouco nom conseguiu situar o clima no centro do seu pensamento, senom que o colocou num compartimento própio, junto com questons de atualidade que, provavelmente, as geraçons futuras nom vam considerar dumha gravidade remotamente similar.
Para mudarmos de mentalidade, cumpre reconhecer várias cousas. A primeira é que se nom conseguimos acoutar ajeitadamente a mudança climática, muito poucas das outras causas que preocupam os progressistas vam sobreviver no mundo resultante. Num mundo de fame e colapso social, haveria poucas possibilidades de existirem os direitos humanos, por nom falarmos dos direitos de género.
A segunda é que a crise climática apaga em grande medida a distinçom entre sistemas democráticos e autoritários. Isso é certo para a açom contra o colapso hoje, e vai ser certo para a resistência contra ele no futuro. Na atualidade, aliás dos países mega-ricos produtores de petróleo do Golfo e outros lugares, três dos piores emissores de carbono per cápita som democracias liberais da anglosfera: Estados Unidos, Canadá e Austrália. De cara o futuro, nom temos nem ideia de que sistemas vam soportar melhor os efeitos do quecimento global.
Para finalizar, e o mais importante: cumpriria decatar-se de que focar-nos na açom climática ia supor algumhas decisons duras e dolorosas. Na atualidade, a esquerda institucional na Europa e Norteamérica acha que se podem remodelar as economias para limitar as emisons de carbono, aumentar o gasto em sanidade e bem estar social e incrementar radicalmente o gasto militar para fazer frente à Rússia na Ucránia e em outros lugares. Nom é possível. Simplesmente, nom há dinheiro. O resultado de se perseguirem os três objetivos a um tempo seria fracassar nos três, como demonstram os acontecimentos recentes da França e a Alemanha, onde umha reaçom populista está a ruir o apoio à Ucránia e à açom climática.
Portanto, um passo fundamental na luita por limitar a crise climática tem que ser a procura da distensom com a Rússia e a China, e a desvinculaçom dos conflitos no Oriente Médio, incluída a guerra de Gaza. Isto iria requerir mudanças difíceis e dolorosas na política e nas atitudes atuais, mas, de novo, ninguém dixo nunca que abordar a crise climática fosse algo doado.
* Anatol Lieven é diretor do programa sobre Eurasia do Quincy Institute for Responsible Statecraft e autor de Climate Change and the Nation State: The Realist Case). Publicado originalmente em https://www.worldoceanobservatory.org/breaking-wave/i-ve-studied-geopolitics-all-my-life-climate-breakdown-bigger-threat-china-and-russia-. Traduçom do Galiza Livre.