Natural da Estrada, música e professora no Conservatório Profissional de Música de Compostela, Isabel Rei leva décadas comprometida com a língua e com a identidade galega, à que também contribuiu com umha profunda investigaçom sobre a história da guitarra no nosso país. Com ela conversamos longamente sobre os seus inicios no galeguismo, sobre a sua trajetória no reintegracionismo, e sobre o futuro da consciência nacional.

Que levou a umha moça da Estrada, na década dos 80, a se implicar na luita polo idioma?

Eu recordo umha toma de consciência muito temperá, mesmo anterior aos 80. Já na década anterior, sendo eu cativa, tenho lembranças daqueles tempos muito convulsos, e de conversas políticas na minha casa, sobretodo dos meus irmaos mais velhos, eles eram socialista e comunista. Quanto à língua, eu sempre digo que som a terceira geraçom de reintegracionistas da minha família. Meu pai, que era de origem rural, da paróquia de Sam Miguel de Arca, emigrara para o Brasil, e comentava que “aprendera a língua em dous dias”. Meus irmaos, que considero outra geraçom, eram reintegracionistas também. Ali, no centro da vila, eu tenho o meu primeiro contato com o associativismo cultural.

Participas na altura do reintegracionismo de base, certo?

Participo. Deviam ser os finais dos anos 80, eu tinha 15 anos, quando se funda a Sociedade Cultural Marcial Valadares, e fazemos parte daquela vaga de associativismo reintegracionismo de base, com o que tínhamos contacto: com ARO, que era a Associaçom Reintegracionista de Ordes, com CRÊS, que era o Coletivo Reintegracionista do Salnês, com Meendinho de Ourense…na Estrada existia também a histórica Associaçom Cultural da Estrada, de que muitos dos nossos membros também eram sócios, mas esta nom rebatia de base os plantejamentos lingüísticos do governo regional.

Como valoras aquela jeira?

Foi um trabalho muito intenso e necessário. Organizáramos um encontro de todas as associaçons do reintegracionismo de base, chegáramos a trazer a Carvalho Calero à Estrada, editávamos umha revista…muita gente, na altura, sentia a necessidade de escuitar outra proposta distinta à do governo regional. Era atrativo, e aí encontravamo-nos velhas e novas geraçons. No liceu, que era o Garcia Barros, na vila, havia debates e conversas sobre a questom ortográfica, falava-se disso habitualmente, e havia professorado afim ao reintegracionismo.

Pensas que esta causa, e a do galeguismo em geral, tinha mais força do que hoje?

Nom eram tempos doados tampouco, mas que o ativismo galeguista tinha mais força que na atualidade, isso nom o duvido. A sociedade mudou muito em todo esse tempo, a começar porque agora vivemos através do ecrá do telemóvel, e isso já o transforma todo. Mas além disso, diria que o poder da visom do governo regional sobre a língua e o país é muito mais forte que daquela. Fixérom-se fortes através do sistema educativo, e também nos meios, enfraquecendo a CRTVG. Logo existe um panorama mediático, composto polos grandes cabeçalhos, La Voz, Faro de Vigo, El Progreso, que levam a cabo umha atomizaçom propositada do país, de maneira que umha pessoa de Lugo nom sabe o que acontece em Vigo, e viceversa, por exemplo. Se Galiza já fora atomizada pola divisom provincial, isto intensificou-se nos últimos tempos. E aliás, nom podemos esquecer as açons governamentais, a do governo regional e a do governo de Madrid: por muito que forem diferentes partidos a gerirem, no nacional nom há oposiçom entre eles. A sua atuaçom é contra a nossa existência como galegos, se fôssemos espanhóis, que nom sei se seríamos capazes de o ser, nom seríamos melhor tratados…mas em qualquer caso, dessistir de sermos nós é mais difícil do que parece, continuaríamos a ter imensos problemas sem receber nada em troca e, por cima, perdendo a nossa história. Por exemplo, sem a língua nom entenderíamos as Cantigas medievais. Convertermo-nos em espanhóis nom é um bom negócio. Que ganhamos com isto tudo?

Há um peso histórico de docentes comprometidos com a Galiza que formárom muitas geraçons. Perdeu-se essa influência?

Nom tenho suficiente informaçom concreta para responder esta pergunta, de onde estou, o Conservatório, a perspectiva é parcial. Si podo falar dos meus tempos, e daquele professorado com boa formaçom em galeguismo. Eu recordo, com 13 anos, no meu último ano de primária, fum apanhada pola diretora do meu centro que, sabendo do meu interesse, levou-me de carro ao centro do Foxo para eu falar de língua, de Castelao, de Rosalia. Celebrava-se um encontro de escolas de ensino básico, e esta docente sabia que eu era a adequada para ir, e entom escuitavam-me e potenciavam esta fasquia minha. Hoje, geralizando, diria que nom há tanto peso do professorado com consciência, e a questom da língua nom está tam presente nas aulas. Parto aliás da ideia de que no próprio mundo do galeguismo nom há umha compreensom a fundo da questom das línguas no Reino de Espanha.

O poder da visom do governo regional sobre a língua e o país é muito mais forte que daquela. Fixérom-se fortes através do sistema educativo, e também nos meios, enfraquecendo a CRTVG. Logo existe um panorama mediático em se que leva a cabo umha atomizaçom propositada do país

A que te referes com esta falta de compreensom?

Nom se quer olhar o assunto a fundo, porque é muito duro. Entendo esta posiçom, mas nom a partilho. A raiz da questom é: Espanha nom para de trabalhar para assimilar-nos, se nós nom temos as ferramentas para combater, vai-nos assimilar. A situaçom pode virar crítica e podemos acabar mal. A Constituiçom espanhola, no artigo 3, é clara: retira de todas as pessoas nom castelhanas o dever de conhecer a sua língua própria. Isto é, como galega eu nom tenho dever de conhecer Galego. Como vai haver entom o dever de normalizá-lo? Esta é a base do problema. Como vai ter sucesso umha Lei de Normalizaçom Linguística, como reclama a maioria do galeguismo, se quer normalizar umha língua que nem sequer temos a obriga de a aprender? Entom eu digo, aos galeguistas que olham para outro lado: isto de recorrer à LNL é aferrar-se a um prego que arde, e nom convém aferrar-se a pregos que ardem, porque queimamos as maos.

Falavas também recentemente num artigo da extralimitaçom das autoridades autonómicas na hora de exercerem de autoridade linguística…

Falei, si, por causa de se me bloquear a possibilidade de ser chefa do meu departamento pola minha utilizaçom da norma internacional. Neste caso, a questom é: som as academias de língua as únicas instituiçons que tenhem autoridade para estabelecerem a forma escrita dumha língua. No nosso caso, existe umha academia que nom é exatamente de língua, que é a Real Academia Galega; a única academia de língua, assi denominada, é a Academia Galega da Língua (sic) Portuguesa; a RAG tem um certo (nom muito) beneplácito do governo regional, e a LNL toma-a como entidade de referência. Mas no caso espanhol a ortografia nom é objeto de lei, como si acontece por exemplo em Portugal ou na França, onde os parlamentos aprovam normas aconselhados polas academias. Pois bem, aqui, no meu caso, obriga-se-me a utilizar umha norma ortográfica que nom é oficial, porque como tal nom apareceu no BOE nem no DOG, e priva-se-me do direito de usar a minha opçom. O cúmulo do absurdo: obrigar a usar umha dada ortografia quando nom há nem dever de conhecer a língua!

Imagem: Rocio Cibes

Nos 90 vivia-se um conflito de grande virulência entre as duas correntes em defesa do galego, hoje parece que vivemos umha certa pacificaçom, ou mesmo concórdia. Como valoras esta queda de tensom?

Como positiva, sem dúvida. Eu estou de lado dos galeguistas, de todos; a excessiva dureza nom leva a nengures. E aliás todos somos alvo desta gente, dos normalizadores do castelhano. Atravessamos 40 anos de ditadura e logo tocárom-nos 40 anos de convalecência. Os 80 e 90 eram, neste ámbito, pura continuaçom da ditadura sem ditador, daí irem, primeiro contra Carvalho, e logo contra o professorado reintegracionista; nos primeiros 2000 ampliam o objetivo e a batalha já é contra o galeguismo em geral através de Galicia Bilingue (grupo hoje diluído em outro auto-denominado “Hablemos Español”). Som gente que leva anos a fazer-nos a vida impossível. E fam-no através da via administrativa. Porquê? Porque conhecem o artigo 3 da Constituiçom, e neste ponto tenhem razom. Eles dizem: nom é obrigatório conhecer a língua galega. E é certo. E claro, o movimento normalizador pede que se respeitem os nossos direitos. Mas para podermos respeitar um direito, temos que ter a obriga de o garantir. Se a outra pessoa nom tem obriga de conhecer a língua, o direito da primeira nom pode ser respeitado. E entom, em que estamos?

Como vai ter sucesso umha Lei de Normalizaçom Linguística, como reclama a maioria do galeguismo, se quer normalizar umha língua que nem sequer temos a obriga de a aprender? Entom eu digo, aos galeguistas que olham para outro lado

Partilhas a visom pessimista dominante nos ambientes normalizadores?

Imos ver: o ativismo linguístico tem cada vez menos influência, fora e dentro do ensino. Mas também quero lembrar as cousas boas. Por exemplo, neste difícil panorama, existe a Semente, que é um ativismo galeguista virtuoso, e reintegracionista, mas com muita abertura. Isto é umha maravilha, e medra. É o associativismo mais virtuoso que conheço hoje. Nom tenho filhos, e ainda assi colaboro o que podo com este projeto. Alguns centros sociais e coletivos ainda resistem, o que faz a vida mais acolhedora, e por cima, ainda há professorado consciente e em ativo. Nem tudo está perdido.

A proposta de binormativismo parece causar novas esperanças em muitos setores em defesa da língua, desblocando um conflito fechado. Concordas com esta visom?

Aqui mesturam-se duas cousas, a pacificaçom no galeguismo e o binormativismo. Imos com a primeira: é grande notícia. Eu gostaria do uniom do galeguismo, se nom total, unidade em tarefas concretas, porque estamos do mesmo lado. E está bem, hoje seria impossível aquele quadrinho de Xaquín Marín, onde umha mae perguntava a um filho “porquê bates no teu irmao?”; e o homem dizia, “porque é lusista”. Hoje este quadrinho nom seria possível, porque o desastre nos une, e relativiza certas posiçons drásticas, certo dogmatismo. Os reintegracionistas temos razom, mas nom devemos esgrimi-la como um martelo. Quando o galeguismo era mais forte, a discussom quiçá nom era saudável, mas era natural, porque os fortes brigam. Olha aí o PP e PSOE, som fortes ambos, entom brigam entre eles. Por vezes só de cara a galeria, certo, mas brigam. Ora, num organismo enfraquecido, melhor levar-se bem, senom morremos às próprias maos. Acho também que neste ambiente pacífico devemos deter-nos e reorganizar as nossas ideias.

Quanto o binormativismo: tem tantas possibilidades como a LNL, ou seja, nenhuma. Ainda que seja atrativo legalizar duas normativas, seguimos na mesma: nom há dever da conhecer a língua. Temos que ponher-nos na cabeça das pessoas que pensam em chave de Direito, que som as que dominam estes ámbitos, para livrar esta batalha. Se nom, é impossível. Eu vou com os defensores da proposta ao fim do mundo, mas nom estám a tocar a tecla correta. Quem entendemos esta tese que eu defendo somos minoria. Como virarmos em maioria? Eis a questom. Eu penso que a comunicaçom digital e as novas tecnologias oferecem um campo. Se formos quem de pensarmos bem os problemas e de difundir a nossa visom com claridade, podemos avançar.

Logo, o conflito ante o atropelo dos direitos é positivo. No meu caso recente no conservatório, do que por certo vós fostes o único meio em noticiar, o que agradeço, isto patenteou-se. Os normalizadores do castelhano nom gostam de que transcendam estes casos, que obrigam o pessoal a conhecer a questom, e logo a se posicionar.

Quando o galeguismo era mais forte, a discussom quiçá nom era saudável, mas era natural, porque os fortes brigam. Olha aí o PP e PSOE, som fortes ambos, entom brigam entre eles. Ora, num organismo enfraquecido, melhor levar-se bem, senom morremos às próprias maos.

Como te sentiche pessoalmente ao enfrentares um choque assi?

Pois certamente, bastante desamparada. O galeguismo político, que está forte agora, deveria articular melhor a sua estratégia. Porque todos sabemos o que acontece, o governo regional e os seus representantes agem como umha máfia nos centros educativos, passam por riba da liberdade das pessoas, obrigando a algo que nom podem forçar nem legalmente.

Muito obrigados. Se quigeres acrescentar algumha cousa que ficara sem tratar…

Permitide-me um pequeno spoiler (risos). Estes temas, dumha maneira literária, vam ser tratados numha novela que escrevim, mas quigem abordá-los de maneira positiva e realista, no que eu chamo umha distopia positiva, centrada na língua. Talvez se dermos visto um futuro bom nas nossas cabeças, daremos fomentado ideias boas para o presente.