A minha mae contou-me umha vez a estória dumha mulher demacrada do gueto de Varsóvia que berrava do peitoril da sua janela que iam matar todos os judeus do gueto. Chamavam-na Casandra, pola profetissa da fatalidade da mitologia grega. A gente dava por feito que virara louca. Em retrospetiva, a minha mae especulou com a ideia de que a mulher, ao seu jeito, chegara a conhecer a verdade: os judeus nom estavam a ser reubicados no leste, na verdade estavam sendo conduzidos para a morte.
Até agora duvidei em dar a voz de alarma. Mas a risco de me riscarem de louco, devo, como ato de responsabilidade política, dizê-lo em voz alta: Israel cai para o abismo e arrasta o resto do mundo com ele.
Umha análise racional da situaçom deve partir deste facto fulcral: Israel é um Estado louco. Nom é um ‘mal ator’. Nom um regime ‘canalha’. É um Estado louco. O leque completo da opiniom da elite israeli, reflexo à sua vez da sociedade israeli em geral (que apoia de modo esmagador a guerra genocida em Gaza; apenas um feixe de israelis se negaram a servir), atinge um espaço estreitíssimo.Num polo situam-se os ‘realistas tolos’, dos que o sociólogo C. Wright Mills escreveu no contexto estadounidense: “chegaram a acreditar em que…nom há mais soluçom que a guerra, até mesmo se intuirem que a guerra pode ser umha soluçom a nada…e acham ainda que ‘ganhar’ significa algumha cousa, ainda que nunca nos dim o que.” O professor Benny Morris personifica isso. É urbanita, culto, leigo, e um tolo completo. Umha vez mesmo “demonstrou” que os judeus israelis nom podiam coexistir com os bárbaros palestinianos, entre outras cousas, a reunir estatísticas sobre o número de acidentes de tránsito nos que se viam envolvidos os palestinianos. Morris encoraja os USA a se unir a um ataque contra o Irám, e logo lança a ameaça de que se Washington nom está à altura das circunstáncias, Israel vai agir em solitário a bombardear o Irám. Deve de ser ciente de que um ataque nom apenas ia incinerar dúzias de milhons iranis -pensa que eles o merecem – senom que também ia desencadear umha repressália terminal. Diz-se que Hezbolá possui 150000 missis. É um auto de fe tortuoso. Porém, essa perspetiva nom semelha desacougar nem um bocadinho Morris.


No outro polo estám os dementes, ou os que estám a piques de cruzarem este limiar. “O maior perigo ao que se enfrenta Israel neste intre” observou com clarividência Noam Chomsky há já quatro décadas, “é a ‘versom coletiva’ da vingança de Sansom contra os filisteus – ‘Deixai-me morrer com os filisteus’ – enquanto derrubava o Templo esboroado”. Os clons de Sansom instalados em Jerusalém ou bem viraram loucos – “mataremos e enterraremos os gentis que nos rodeam enquanto nós mesmos morreremos com eles” – ou bem fingem “virar loucos” para apavorarem a inimigos e aliados até a submissom. Cumpre assinalar que a loucura fingida vira facilmente em real a medida que os pantasmas imaginários que um conjura repetidamente filtram-se nas cámaras internas da psique. O resultado é que esta loucura, real ou fingida, “fai com que os cálculos racionais…forem questionáveis”, já que Israel “pode comportar-se à maneira do que por vezes se chamaraam ‘estados loucos’”.


Umha reportagem no jornal de onte dá corpo em tempo real a esta propensom israeli aos arrebatos desencaixados: quando um alto funcionário israeli aconselhava prudência, ainda que só fosse a curto prazo, após a repressália simbólica do Irám, um ministro do gabinete da extrema direita exigia pola contra que Israel virasse ‘louco’.

O discurso pronunciado o 14 de abril na sessom de emergência do Conselho de Segurança da ONU polo representante de Israel, Gilad Erdan, trouxo à tona o aluado que virou Israel. Apresentando umha classe magistral de projeçom aproximada, Erdan estava aparentemente persuadido até a medula do seu ser que “o regime islámico de hoje nom é…diferente do Terceiro Reich de Adolf Hitler (…) em cada discurso e em cartas inumeráveis”, recordou Erdan, “fixem soar a campá de alarma com o Irám”. Bateu certo em que a campá deve soar; mas enganou-se de onde emana a tolémia. Medice, cura te ipsum (“médico, cura-te a ti mismo”). Se Erdan representa sequer a metade do Estado e a sociedade israelis -a proporçom é possivelmente muito maior – avizinha-se umha desfeita. É certo que os dirigentes de Israel pronunciaram no passado loucuras certificáveis. Abonda com recordar o primeiro ministro Netanyahu sostendo na ONU umha caricatura da bomba irani no estilo dos Loony Tunes e a sua declaraçom de que nom foi Hitler, senom o mufti palestino de Jerusalém quem ideou a Soluçom Final.


De feito, já nas negociaçons de Camp David de 1978, o presidente Carter reflectiu sobre o chefe de Estado israeli: “cada vez fica mais claro que a racionaliidade de (Menachem) Begin está em dúvida.” Seja como for, um retrocesso de civilizaçom arreda o Israel que um dia foi do que se converteu. O representante de Israel ante a ONU no momento da guerra de 1967, a chamada “dos Seis Dias”, Abba Eban, podia prevaricar em série -ainda com consumada eloquência como correspondia ao triplo primeiro graduado de Cambridge – sem pestanejar. Mas com isso e contodo, era possível analisar as suas proposiçons (como eu me esforcei umha vez) para demonstrarem que eram erradas. Nom é mais possível analisar o discurso de Erdan que o desvario dum psicopata.


Ainda se poderia instar o Irám a atuar com tino para nom agitar o aluado da sala. Mas, ao meu ver, isso nom é mais viável. O registo documental demonstra que assi que Israel pujo um país no alvo, nada que nom for a submissom abjeta o fará dessistir. Se a potência “inimiga” resiste a provocaçom inicial, Israel seguirá a escalar com outra e outra provocaçom até resultar politicamente insostível para a entidade alvo absorver passivamente novos golpes. Isso foi o que aconteceu quando Israel atacou o egípcio Abdel Nasser a inícios da década do 50 (o primeiro ministro Ben-Gurion temia que o “nacionalista radical” presidente egípcio puidesse presidir algum dia um Estado moderno capaz de frear as ambiçons regionais de Israel). Isso é o que aconteceu quando Israel atacou a OLP em Líbano a inícios da década de 80 (o primeiro ministro Begin temia que a ‘ofensiva de paz’ da OLP, que os palestinos apoiavam, e os israelis opunham-se a un acordo de dous estados, provocasse umha pressom internacional sobre Israel para se retirar da Cisjordánia). Isso é o que aconteceu em 2002 durante a segunda intifada, quando Israel levou a cabo assassinatos seletivos de líderes palestinos (o primeiro ministro Sharon temia que os palestinos detiveram os ataques armados em troca dum cessar fogo negociado). Isso é o que aconteceu em 2008, quando Israel rachou o cessar fogo com Hamas para lançar a Operaçom Chumbo Fundido (o primeiro ministro israeli Olmert temia que Hamas ganhasse legitimidade internacional ao moderar o seu programa político). A lamentável verdade é que, a falta dum suicídio nacional, o Irám nom pode exercer a alternativa da inaçom: é quase seguro que Israel seguirá a aumentar as provocaçons até Teherám nom ter mais remédio que respostar. (…)


Os pretextos do 7 de outubro e agora a ‘repressália’ do Irám apresentam aos aluados de Jerusalém umha oportunidade sem precedentes para livrar Israel do triplo desafio ao seu domínio regional: destruir Gaza, Hezbolá e Irám; a ‘névoa’ de tal explossom ia permitir aliás a limpeza israeli da Cisjordánia . Se esperamos que os dirigentes israelis cheguem a umha conclusom assisada para deter esta precipitada queda ao precipício, imos dizer que as provabilidades estám na sua contra.


O biógrafo de Hitler, Ian Kershaw, observou que, se os planos golpistas contra o Führer demorárom tanto em eclossionar, isso deveu-se a umha “funda noçom da obediência à autoridade e de serviço ao Estado”, à crença de “nom ser apenas errado, mas desprezável e traiçoeiro, socavar o próprio país na guerra”, e “ainda quando os desastres militares aumentavam e a desfeita final se avizinhava, o apoio fanático a Hitler nom se esvaecera em absoluto, e continuava a mostrar umha notável resistência e força.” É difícil nom dar-se de conta de que factores semelhantes estám em jogo nos círculos da elite israeli. Quanto o último aspecto, enquanto os críticos de Netanyahu levam anos a escrever a sua necrológica política, ele segue a recuperar-se a pesar dos seus erros. A razom? Porque os israelis vem-se refletidos nele. De feito, ele é Israel: um detestável e narcisista supremacista judeu para quem apenas os judeus contam no grande desenho de Deus. E para finalizar, cumpre reconhecer que nom todos os temores israelis som fundados: hoje está extendido o desejo de Israel desaparecer do mapa, enquanto diminui a sua capacidade para aterrorizar os seus vizinhos até a submissom. Mas, na sua maior parte, trata-se dumha ruela sem saída na que Israel se meteu. Antes do 7 de outubro, Hamas fixera gestos a prol dum acordo dos dous Estados, enquanto Irám votava sistematicamente com a maioria da Assembleia Geral da ONU em favor do consenso dos dous Estados. Israel rejeitou-no.


Vai resistir o primeiro ministro Netanyahu a irresistível tentaçom de curtar o nó gordiano regional, ou como Sansom, fará cair o Templo – o resto de nosoutros – com ele? Provavelmente, diria Cassandra: Todo está em jogo!


*Versom na íntegra do artigo publicada em Brave New Europe.
Traduçom do Galiza Livre.