Ser companheira, ser-com ou acompanhar-se, implica cuidarmos umhas das outras, dos meios e recursos do plural e observar como esta praxe regenera e constrói o contexto. Como comunidade devemos fazer-nos conscientes da realidade que construímos com a nossa participaçom: com a nossa atençom, cuidados, presnça, trabalho…cada vez som mais as pessoas que entendem que umha política dos afectos tem que conformar a nossa imagem do mundo. A responsabilidade, é claro, escala-se.
Há projetos e situaçons que som extrativas de tais meios e recursos do plural: imaginais, materiais, relacionais, técnicos, pessoais…o conhecimento e as políticas dos afectos construem o sentido crítico, a razom empática e a ética, assumindo “o que há”, os limites e potências do lugar. Nom tendo mais remédio que marcar por vezes linhas vermelhas nos comportamentos próprios, inteletuais e coletivos.
As cousas nom passam por si sós, mas porque as fazemos nós. Pessoas que criam ou perpetuam, polas razons que forem, dinámicas extrativas: nom som companheiras em tal ato -por queridas que estas forem -, porque o seu quefazer ou trabalho -consciente ou nom – afirma ou participa na destruçom do contexto que nos nutre e da sua diversidade; na procura -tantas vezes – dos jogos de poder, das inércias neoliberais e das suas formas de organizar a vida. Cuidar também significa acompanhar com a crítica e saber dizer nom, arredando os nossos afetos de lugares e projetos degenerados que comprometem a capacidade resiliente dum território.
Somos muitas as agentes culturais galegas que observamos, com suma desafeçom, como nom se atendem em forma muitos dos assuntos da Cultura. Admitamo-lo, e ainda que desacougue escuitá-lo, nom há aqui umha Política Cultural nos seus próprios termos, mas umha política de contrataçom pública num desenvolvimento ideológico neoliberal. Acelerada intensamente ademais nos últimos tempos com umha focagem cada vez mais eventual, nom social ou cultural.
“El individuo no tiene relación con la energía del proyecto.” Manolo Gallego, Premio Nacional de Arquitectura, referindo-se à CdC (fonte ElPaísSemanal)
As cousas nom passam por si sós, mas porque as fazemos nós. Pessoas que criam ou perpetuam, polas razons que forem, dinámicas extrativas: nom som companheiras em tal ato -por queridas que estas forem -, porque o seu quefazer ou trabalho -consciente ou nom – afirma ou participa na destruçom do contexto que nos nutre
A Cidade da Cultura é um simulacro disfórico posto ao serviço de interesses mui concretos de agentes políticos que criam os seus próprios conteúdos culturais, e tratam a cidadania como espetadora passiva de produtos que se apropriam dos seus recursos, de todo tipo. Sem atender na realidade nem ao seu Direito Universal de Acesso à Cultura, Creaçom, Produçom e, obviamente, ao de legítima Participaçom nos seus próprios termos. Porque este artefato alegadamente cultural nom só nom representa ou artelha a populaçom e os seus comportamentos culturais, trabalhando às suas costas com manifesta aleivosia -sem aceitar a pertinência da participaçom do setor e da cidadania na conceitualizaçom e desenvolvimento das açons culturais lá colocadas e despregadas; sem consensuar, consultar o sequer informar devidamente do que andam a fazer -, senom que resulta -a todas luzes – inescalável: é um vórtice extrator disfórico de capital simbólico, social, metodológico, infraestrutural, económico e autoral.
CdC é o máximo expoente técnico e infraestrutural na Galiza dum capitalismo cognitivo e radical em estado puro, umha imposiçom dos imaginários que instauram tal modo de organizar a vida e os corpos. Numha praxe opaca e de abandono de funçons públicas por parte do Governo na Xunta de Galiza que, sem plano orgánico, direçom ou objectivos para as artes, continua a fazer um uso parcial e interesseiro do seu poder de representaçom: irrespeitoso com as pessoas e usurpador do seu tempo e inteligência; construtor da realidade quotidiana de cima para baixo, de maneira desconsiderada, condescendente e violenta; desativador da crítica e disposiçons do procomum; sem atender ao setor e as suas emendas e reclamaçons históricas, usurpando agência, procedimentos e faculdades; a prol dum modelo mentireiro, extrativo e ideologizante que impossibilita, na Galiza, a existência dumha política cultural nos seus próprios termos.
Ferramenta de governo para artelhar açons culturais que agem decididamente como intrusas e usurpadoras do procomum. Numha obtusa fugida cara adiante está a esquilmar, fragmentar e vender todo o que de estimável fica do nosso acervo, numha apropriaçom sistemática da Cultura e das suas instituiçons. Som muitos os limites que impedem a apropriaçom do recinto e da sua atividade polo contexto galego, a situaçom está já a resultar numha mudança de paradigma cultural “catastrófico” (como se define na Ciência no estudo de sistemas). O abismo a chamar polo abismo. Por resumir.
Com a nossa participaçom -for tácita, imadura ou interessada – nom deixamos de ativar tal modelo económico- social e ajudar a que permaneça hegemónico, produzindo-se a si mesmo. Anulando as condiçons de possibilidade dum horizonte de convívio complexo. A situaçom do Gaiás é especialmente paradigmática da “guerra cultural” que estamos a viver, mais essencial que a guerra política, e que gere e coreografia atençom, mente e vida. Fraco favor lhe fazemos à Cultura, aqui na Galiza, somando os nossos afetos e tempo num continente que drena de recursos, estrutura e atividade às já de por si exíguas políticas culturais de contexto do geral, a nós. Nom pode ser que com o nosso trabalho e assistência legitimemos esta deriva extrativa e mortuória.
Som muitas as organizadoras, artistas, críticas ou curadoras perfeitamente conscientes dos trassuntos da instituiçom pública que na arte acontecem aqui. Se a responsabilidade se escala, em que grau temos que volcar a nossa crítica às organizadoras e participantes de jornadas, congressos, festivais e eventos que se orquestram ano trás ano em Cidade da Cultura? Muitas enarbolam, por certo, a bandeira das boas práticas nuns contextos, somando-se aqui aos fôlegos extrativistas e legitimando com o seu trabalho a infámia que supom a CdC. É momento de corresponsabilizar as pessoas do modo em que se relacionam com o território e as implicaçons que isso tem. O desconhecimento nom purga das consequências da sua participaçom: como a chamamos? Cultura extrativa, arte extrativa? E o que se extrai som recursos materiais e simbólicos a prol dumha orde alienante, umha utilizaçom que supom assumir um agrávio tal que ao passar por riba dele, enterra-nos como comunidade mais profundamente. É perder.
Ferramenta de governo para artelhar açons culturais que agem decididamente como intrusas e usurpadoras do procomum. Numha obtusa fugida cara adiante está a esquilmar, fragmentar e vender todo o que de estimável fica do nosso acervo, numha apropriaçom sistemática da Cultura e das suas instituiçons.
É pertinente apontarmos que o discurso de muitas das obras e das propostas artísticas é político -ou alegadamente político -, sendo o modelo metodológico que defende e promove a Cidade da Cultura e os seus eventos e atividades, absolutamente desativador. Acontece que obras críticas, ao apresentarem-se neste disfórico artefato, os seus efeitos ficam claramente comprometidos, senom diluídos completamente polo contexto. Resultam, ao seu pesar, numha dissidência autorizada. O contexto que recolhe o trabalho artístico ou cultural, a Cidade da Cultura, tem hipotecado as políticas culturais, sobretodo no económico, para várias geraçons. É impossível nom pensarmos no custe da mega-estrutura quando estamos lá, e na sua relaçom invasiva com a paisagem e a arquitetura de Compostela, verdadeira cidade cultural. Qual é a relaçom que as participantes e usuárias adoptam frente o grave ataque às boas práticas dumha política cultural sostível que supom a mera existência da Cidade da Cultura e a sua opaca Fundaçom?
Quiçá nom todas as artistas de atitude ativista e que mostram as suas obras aqui, entendam e assumam as consequências éticas da sua participaçom; ou pode que lhes resultar insuportável ou se adscrivam a um cinismo ético. Até que ponto se produz umha espetacularizaçom destas propostas que advogam por outras formas de fazer e por outro entendimento político da atividade artística? Conhecem as convidadas a situaçom da arte na Galiza? A arte socialmente comprometida é necessária, valiosa. Mas nom se agocham as suas contradiçons. Somos conscientes como públicos, gestoras e artistas das realidades que sostemos com a nossa participaçom? Como organizamos as nossas contradiçons? O tema é que quando as contradiçons conscientes nom som tais, é cinismo ético; e se se joga ao esquecimento interesseiro, decantam no subconsciente como obscuridades inconfessáveis. Deste jeito chega-se a um novo estádio do simulacro comunitário que é CdC, onde as agentes criam os seus próprios conteúdos em base a expetativas dumha inclusom profissional eternamente posterfada, já que se legitima um procedimento político que drena a possibilidade dumha política que genere o contexto sócio-cultural e de trabalho ansiado. A serpe que morde o rabo. A classe cultural a repetir a sua diferença para nom desaparecer. Por aqui nom se constrói a Democracia Cultural.
Substrair-se é o traço essencial de seu. Agocha-se no interior, abismando-se dentro: umha coletividade derrotada. Renunciar à potência do trabalho cultural é renunciar à articulaçom dos afetos e dos símbolos, e portanto deixar de escuitar o acontecer da comunidade nos seus modos de vida e argumentos. As pessoas artistas fechadas sobre si, desatentas, resultam num exercício de abandono dumha mínima deontologia própria de cidadaos que trabalham num contexto que sostém as suas práticas culturais: devindo produto dum capitalismo cognitivo que procede segmentando o real por inconsciência, poder inercial e banalidade nos modos. Toda sociedade tende a criar mecanismos de compensaçom para reduzir os efeitos patológicos da sua própria organizaçom. Quiçá o neoliberalismo hoje seja umha dissonáncia cognitiva forte, umha doença espiritual coletiva. A Arte nom se produz, cria-se.
Quiçá nom todas as artistas de atitude ativista e que mostram as suas obras aqui, entendam e assumam as consequências éticas da sua participaçom; ou pode que lhes resultar insuportável ou se adscrivam a um cinismo ético. Até que ponto se produz umha espetacularizaçom destas propostas que advogam por outras formas de fazer?
Toda sociedade com tantas das suas artistas -també cientistas e outras – com semelhante problema de ética e toma de terra, diz muito de si mesma: dos conflitos de auto-estima e de como imagina as relaçons do seu presente que, sem o acompanhamento crítico e mobilizador dos distintos roles do trabalho cultural, permanecem em tensom auto-referencial: constantes, hegemónicas por defeito. Clama ao céu umha auditoria ética individual e coletiva. Pois estamos a falar de dignidade pessoal, socal e laboral, que atinge o procomum e à coletivizaçom das práticas culturais. Participar da Cidade da Cultura em qualquer um dos seus ámbitos – como promotora, gestora, artista, curadora, trabalhadora subcontratada ou colaboradora, funcionária, espetadora, assistente a umha juntança mesmo, etc. – significa, sem nenhum género de dúvida, soster em maior ou menor medida a deriva e a articulaçom desta expressom do perverso em ato. Desencadeamos a sua condiçom de possibilidade, de ser e continuar.
“A Cultura xera o marco ético para a Política. Os procesos culturais son máis esenciais cos da política, constrúen relato e sobretodo movilizan a potencia. A política está inserta nun paradigma cultural e non ó revés. A toma do control do paradigma, a construción interesada da infraestructura cognitiva sitúa os afectos e as regras do xogo político consecuentemente: o sistema no que a sociedade e as súas administracións se desenvolven”. (Luzes de Galiza)
Fora da escala afetiva. Numha escala que nom nos pertence às criadoras, pois trata-se da escala da prepotência e da desgraça, e a da experiência do disprazer dumha espetadora monótona e singularmente alienada. Lugar de mercadeio ideológico, operaçom publicitária dumha imagem-mundo disfórica. Está-se a extrazer o valor cultural do país galego, numha apropriaçom sistemática das atividades e da visibilidade do trabalho. Numha clara dependência da Conselharia e somando-se a umha beligerante industrializaçom e turistizaçom da Cultura e as suas manifestaçons. Em continuidade das relaçons clientelares bem conhecidas por todas, ademais de somar empresas intrusas à articulaçom dos seus projetos macro, com dinheiro público. Constata-se, aqui mais umha vez, a negativa a artelhar políticas culturais em prol de formulaçons alheias e dirigistas. Fazendo campanhas nas que se vam somando distintas agentes da cultura a estas fotos, numha prateleira onde se vam anunciando ao carom medidas neoliberais para o território. A nível simbólico é um novo nível de extraçom. Se é que há artistas e gestoras das que se observam mais imagens das mesmas com o poder político que as imagens dos seus trabalhos. A classe cultural repetindo a sua diferença para nom desaparecer. A crítica bem entendida começa por umha mesma: insistimos, que tipo de realidade ajudamos a criar com a nossa participaçom? Nom imos cansar de dizer que a Cidade da Cultura nem pode nem deve dedicar-se à Cultura.
Nom podemosdeixar-nos infetar pola inércia psicopática das persoeiras no poder. Os anos passam, nom pode continuar-se a drenar semelhante parte do orçamento autonómico neste absurdo e imoral simulacro centralista que nem é cidade, nem é cultura. Nom é ético e atenta contra o institinto de sobrevivência comunitário que agentes sócio-culturais galegas e cidadania em geral legitimem tal barbárie, num devir ingénuo, acrítico, inercial, disparatado: sem toma de terra ou perspetiva das ausências que constrói. Umha contradiçom inassumível que, por repetida, já resulta em cinismo ético e violência conjuntural.
Sem artistas abertas e independentes cujas pesquisas e processos de obra animarem a vida e provocarem que mergulhemos no real. Sem as situaçons que acontecem no eido das artes livres, através das quais podamos gerar pensamento e sentido comunitário. Sem os processos partilhados que provoquem que ativemos o interior que se nos escapa e assi articulá-lo com os demais, estaremos, se calhar, ainda mais sozinhas a expensas dum poder alienado e alienante. A alternativa ao extrativismo é umha ética relacional e ecológica que apoiar outros modos de fazer cultura e sociedade que regenerarem contexto e situaçom.
Constata-se, aqui mais umha vez, a negativa a artelhar políticas culturais em prol de formulaçons alheias e dirigistas. Fazendo campanhas nas que se vam somando distintas agentes da cultura a estas fotos, numha prateleira onde se vam anunciando ao carom medidas neoliberais para o território.
Os processos da arte som umha forma de conhecer e de criar o mundo ao mesmo tempo: um procedimento que questiona os padrons adquiridos -o hábito -, os canais polos que o corpo se informa e se produz subconscientemente. Assi funcionam as ideologias nos seus costumes, pautando os corpos. Resulta especialmente pernicioso que as trabalhadoras nas artes do corpo da Galiza, situadas na performatividade -quer cénica, quer social- que todas aquelas que imaginam ou percebem que na sensibilidade do movimento há um movimento contra-hegemónico ao devir acelerado dos nossos dias, cientes de que é no plano dos gestos, das vibraçons e das energias onde acontecem os afetos; aqueles que situam as relaçons libidinais -conceituais, sociais e económicas-, que trabalham os processos, aqueles em que se topam umha série de meditaçons de carácter coereopolítico, mui clarificadoras; estas abrem o jogo de cara a pensar o presente; resulta pernicioso, dizíamos, que cientes da potência da matéria da sua arte, situem o seu conhecimento e trabalho em favor de tal indecência. Vórtice alienante que se produz a si mesmo, alimentando-se da força de trabalho de aquelas que se prestam a alimentar, com os seus corpos, tal sistema atrator. É umha indecência. É violência estrutural e maltrato. Nom há mais. Pois a dança é um espaço de ressonáncia no que elaborar umha atençom cuidada e de qualidade nos nossos gestos, formas, modos e relaçons: desmontando os afetos inerciais. Os corpos hoje estám virtualizados, temos que situar a crítica e as potências a adotar de cara a estratégias de mudança real.
Muitas artistas, agentes científicas e sociais aqui e alô trabalham -ao seu pesar – a prol do capitalismo cognitivo. E ainda que for por precariedade, meritocracia, interesse particular -egoísmo ou mediocridade – ou da chantagem económica por parte da instituiçom -um ser sem liberdade -, nom deixam de ativar tal modelo económico-social, e ajudam a este permanecer hegemónico, autocompracente e sem obriga de escuita à alteridade por parte das administraçons políticas. A postura de perguntar-se se estám a ser capitalizados tais agentes sem se darem de conta, resulta condescendente e inaceitável. Conforma a violência participada dos nossos dias, um concerto de condiçons materiais e relacionais que gera um ambiente de vulnerabilidade, que vira num concurso de todas contra todas e num salve-se quem puider. Cumpre sair das paixons tristes, a alegria é também umha metodologia.
A Cidade da Cultura é símbolo híper-visível do perverso, e como símbolo é corpo social e político. O corpo do país apoia-se cada vez em menos símbolos, fechando-se num horizonte homogéneo. A falta de diversidade enferma o corpo sócio-cultural. Toca comprometer-se com a diversidade, componher o plural e sair desta crise da atençom. Ante a performance da necro-instituiçom, políticas do procomum. Nom pode nom ser.
Muitas artistas, agentes científicas e sociais aqui e alô trabalham -ao seu pesar – a prol do capitalismo cognitivo. E ainda que for por precariedade, meritocracia, interesse particular -egoísmo ou mediocridade – ou da chantagem económica por parte da instituiçom -um ser sem liberdade -, nom deixam de ativar tal modelo económico-social
Nesta era aceleracionista, os corpos estám cheios de velocidade residual, umha inércia que suspende o desejo, que fragmenta e extrai a nossa atençom. Arredadas muitas cidadás do conhecimento das atividades das que exercem deveras o poder, devido a umha alegada sobre-informaçom e a fadiga que provoca, resultamos numha democracia de baixa intensidade que nom procura a participaçom e que parece nom perceber a carência dumha Cultura que sostiver as formas da alteridade. A vida é irreversível, o tempo passa, a destruçom do contexto e da comunidade é muita: há linhas vermelhas.
*Javier Martín é coreógrafo. Adataçom ortográfica do Galiza Livre.